Trabalho escravo e desmatamento ilegal assolam Carajás

 Por Cleide Carvalho

D'O Globo 

 Por Cleide Carvalho

D’O Globo 

Fabricantes de aço e ferro-gusa instalados no entorno do polo de Carajás, na divisa do Pará com Maranhão, ainda usam em seus fornos carvão de mata nativa, parte dela extraída ilegalmente de terras protegidas, como a Reserva Biológica do Gurupi e terras indígenas da região. No Maranhão, são 111 mil quilômetros quadrados (km²) de terras no bioma Amazônia, dos quais mais de 71% já estão desmatados. Na prática, o que sobra de floresta em pé está dentro de áreas protegidas. A denúncia é da entidade ambientalista Greenpeace, que investigou o desmatamento na região durante os últimos dois anos. Na cadeia de produção do ferro-gusa são comuns também denúncias de trabalho escravo. O cenário de devastação não parece compatível com um país que vai sediar, daqui a um mês, a conferência da ONU Rio+20.

Em 2011, cerca de 40 trabalhadores foram resgatados de carvoarias no Maranhão, em operações do Ministério do Trabalho, feitas a partir de denúncias do Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos. Num relatório que acaba de ser concluído, a ONG afirma que grandes empresas americanas, entre elas montadoras de automóveis, se abastecem com produtos que deixam rastros de degradação ambiental e miséria para comunidades do entorno.

O carvão é usado para fabricar ferro-gusa, que posteriormente é vendido para grandes siderúrgicas do mundo todo. Na aciaria, o ferro-gusa líquido é transformado em aço por meio da injeção de oxigênio puro, sob altíssima pressão. O uso de energia é intenso. Em 2011, o Brasil aumentou em 65% as exportações do produto. Para o Maranhão é sinônimo de riqueza. O minério de ferro e seus derivados correspondem a dois terços das vendas externas do estado, que somaram US$ 3,047 bilhões em 2011. Dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) indicam que apenas quatro siderúrgicas instaladas em Açailândia (Viena Siderúrgica, Gusa Nordeste, Companhia Siderúrgica Vale do Pindaré e Fergumar) exportaram perto de US$ 390 milhões em 2011, sendo 87,88% deste valor para os Estados Unidos.

 

Um estudo do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (Naea) da Universidade Federal do Pará mostra que para cada tonelada de ferro-gusa são necessários 875 quilos de carvão vegetal. No caso de mata nativa, essa quantia corresponde a pelo menos 600 metros quadrados de mata. Para piorar, os fornos primitivos em regiões de floresta são ineficientes, com perdas entre 40% e 50% do poder calorífico, segundo dados da Embrapa Cerrados.

 

O carvão vegetal pode ser obtido de florestas plantadas de eucalipto, mas a produção na região de Carajás é ainda insuficiente para alimentar os fornos. Do polo de Carajás saem 25% do ferro-gusa produzidos no Brasil. Sem um controle rígido da origem da madeira usada para fazer o carvão, o produto chega aos fornos misturado. São queimados desde pó de serrarias que cortaram árvores da floresta até troncos mais finos, extraídos de áreas onde tudo que era de valor já foi desmatado.

 

Uma investigação do Ministério Público Federal (MPF) do Pará mostrou que, para acobertar o uso de carvão ilegal, siderúrgicas operam até mesmo com guias emitidas por carvoarias de fachada. O alvo do relatório do Greenpeace no Maranhão é a Viena Siderúrgica. A empresa é fornecedora da siderúrgica de Columbus, no Mississippi, nos Estados Unidos, que é operada pela Severstal, da Rússia. A gigante do aço atende a montadoras como Ford, General Motors, BMW, Mercedes e Nissan.

 

Ao rastrear os negócios da Viena, a ONG detectou que a empresa chegou a comprar também da carvoaria Chapadão, que já foi punida pelo Ibama por uso de madeira ilegal, bem como pelo Ministério do Trabalho, que, numa ação recente, libertou 61 trabalhadores encontrados em situação análoga ao de trabalho escravo.

 

Procurada pelo GLOBO, a Viena não pôs executivos para dar entrevistas sobre a denúncia. No Instituto Carvão Cidadão de Açailândia, criado para monitorar uso de madeira ilegal e trabalho escravo na região, também não havia porta-vozes disponíveis.

 

Pai de seis filhos, José Carlos Ferreira Aguiar, 43 anos, estava entre os trabalhadores resgatados pelo Ministério do Trabalho na carvoaria Chapadão em uma operação de combate ao trabalho escravo, em 2010. Junto com ele, estava seu filho, Alessandro Silva Aguiar, de 23 anos.

 

Basta um sobrevoo sobre a reserva de Gurupi para avistar clareiras de desmatamento, com centenas de troncos empilhados. Há cerca de dez dias, uma operação do Instituto Chico Mendes apreendeu 200 metros cúbicos de madeira extraída ilegalmente do local.

 

Nas terras indígenas da redondeza não é diferente. Ao visitar a terra indígena Arariboia, O GLOBO flagrou um caminhão carregado de toras de árvores provenientes da terra indígena.

 

— Os madeireiros saem quando vem fiscalização. Quando as equipes vão embora, eles voltam. Acho que deveria haver uma vigilância mais permanente. A gente não pode fazer nada, eles ameaçam. Já tiraram cedro, mas ainda tem ipê. Mas agora que a madeira de lei está acabando, estão cortando árvore de madeira-branca para levar para carvoarias — diz o índio Frederico Guajajara, 31 anos.

 

— O país precisa de estratégias para prevenir a degradação ambiental e os danos antes que eles aconteçam. Todas as empresas receberão o relatório. Elas precisam fiscalizar suas cadeias de produção e devem ser cobradas pelo consumidor final. As pessoas não querem que a floresta da Amazônia seja destruída — afirma a agrônoma Tatiana Carvalho, do Greenpeace Brasil, uma das lideranças engajadas na campanha pelo desmatamento zero na Amazônia Legal.

 

No Pará, o MPF acaba de assinar um termo de ajustamento de conduta (TAC) com três siderúrgicas: Sidepar, Cosipar e Ibérica. O objetivo é que elas assumam a responsabilidade de fiscalizar a origem do carvão que compram e a inexistência de denúncias de trabalho escravo em relação a seus fornecedores.

 

Apenas a Cosipar, segundo o MPF, desmatou 66,88 km² (6.668,7 hectares) de floresta amazônica entre 2007 e 2011, por adquirir carvão de empresas de fachada. De sete fornecedores da empresa investigados, cinco não existiam. Como cada hectare de reflorestamento tem custo de R$ 3,2 mil, o passivo ambiental da empresa foi calculado em R$ 21,5 milhões. Em nota no site, a Cosipar informa que está em busca de fontes alternativas de energia e que investe em reflorestamento. E aponta mais suspeitos: “Aproximadamente 40% do carvão vegetal produzidos no Pará são comprados pelas siderúrgicas do Maranhão, que não recebem fiscalização dos órgãos ambientais”, diz a nota da empresa.