Chicão: “O congresso de 1985 é um marco histórico do MST. Demos uma nova cara à luta pela terra”
Por Iris Pacheco
O militante da coordenação nacional do MST Francisco Dal Chiavon, mais conhecido como Chicão, relembra a conjuntura do 1° Congresso Nacional do MST, em 1985.
Por Iris Pacheco
O militante da coordenação nacional do MST Francisco Dal Chiavon, mais conhecido como Chicão, relembra a conjuntura do 1° Congresso Nacional do MST, em 1985.
No Movimento desde o surgimento da organização, Chicão relata o contexto em que estavam inseridos e os desafios que teriam pela frente. “Saímos de lá convictos de que teríamos que partir para as ocupações. Em menos de três dias, mobilizamos mais de 2500 famílias em Santa Catarina em 12 ocupações”, relembra.
Para ele, “o congresso de 1985 é um marco histórico do MST. Demos uma nova característica da luta pela terra”.
Confira:
Em 1964, com o golpe militar, foi sufocada a possibilidade de Reforma Agrária pelo governo de João Goulart. A principal região de luta política era o Nordeste brasileiro, região de contradições mais profundas, o que originava a mobilização, principalmente nas áreas de plantação de cana de açúcar.
Havia uma grande campanha da Ditadura Militar de se fazer a Reforma Agrária. Essa campanha dizia que a Reforma Agrária era a mesma coisa de colonizar o Norte do País. Tratava-se de levar gente do Sul e do Nordeste para colonizar as “terras sem gente” do Norte e, na década de 1970, houve uma grande migração de produtores, principalmente de filhos de agricultores e pequenos agricultores para o Pará, para o Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
Com a crise econômica do início de 1980, esse pessoal ficou abandonado: sem estradas, sem escolas, sem o mínimo de infraestrutura, com muitos problemas de saúde; as notícias diziam que tinha muitas mortes com malária em função das precárias condições.
Como essa válvula de escape da colonização do Norte fracassando, muita gente começou a voltar para o Sul. Havia uma pressão social muito grande, por que as famílias eram todas numerosas e os filhos destes camponeses começaram a sair em busca de terra em outros lugares, diante da falta de condição de comprar um pedaço de terra.
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Foi dentro deste universo que se originou o MST. Já se falava muito da abertura política, com o declínio da ditadura. É preciso destacar o papel da Igreja Católica e Luterana com o trabalho da Comissão Pastoral da Terra (CPT), no estímulo à organização dos trabalhadores. Destaca-se, também, a Teologia da Libertação, que teve um papel importante de estimular a base à organização e debater os problemas da agricultura naquele período. Isso ajudou na pressão social.
Havia muita gente trabalhando de posseiro, de meeiro, de arrendatário. A esperança era que, se tivesse um pedaço de terra, melhoraria muito a expectativa de vida. Essa era a convicção que orientou as primeiras ocupações que fizemos em 1985, em Santa Catarina, embora tenha havido outras antes. Essas ocupações foram deliberações diretas do 1° Congresso do MST, no mesmo ano. Foi neste ano que consolidamos o MST como organização. No Rio Grande do Sul, temos o marco da ocupação da Encruzilhada Natalino e da Anoni. Foram processos importantes, pois foram ocupações massivas, grandes. A partir disso, o MST ganhou força.
O 1° Congresso, organizado a partir do 1° Encontro Nacional em Cascavel, no Paraná, em 1984, aconteceu durante os dias 21 a 31 de janeiro de 1985. Dele tiramos como orientação a ocupação de terra como forma de luta. O interessante é que definimos os princípios do MST: o da luta pela terra, a Reforma Agrária e o socialismo. Isso significava que, mesmo com os partidos dizendo que, caso eleitos, iriam fazer a Reforma Agrária, tínhamos a clareza política de que isso não era possível, dada a configuração dos partidos, que contavam com a presença de muitos latifundiários, o arco de alianças dos governos. Foi um grande acerto do MST!
Saímos de lá convictos de que teríamos que partir para as ocupações. Em maio do mesmo ano, em menos de três dias mobilizamos mais de 2500 famílias em Santa Catarina, em 12 ocupações. Em outubro, o Rio Grande do Sul ocupou a Fazenda Anoni, que é simbólico. Todos os estados começaram a fazer ocupações.
O congresso de 1985 é um marco histórico do MST. Demos uma nova característica da luta pela terra. Também é importante o fato do MST ter deliberado ser uma organização autônoma. Até então, foi uma novidade. Anteriormente, as organizações eram sempre vinculadas a um partido político. A partir disso, crescemos muito. Foi também neste Congresso que iniciam a eleição da nossa direção de forma coletiva.
No cenário político, em 1985 houve a eleição pelo parlamento do presidente da república, uma eleição indireta. Abria-se uma expectativa no quadro político de uma possibilidade da Reforma Agrária, pois não havia, naquela época, um partido político que fizesse seu programa de governo sem citar Reforma Agrária.
Tancredo Neves foi eleito, mas, com sua morte, assumiu Sarney. No começo havia uma preocupação com a criação de assentamentos, mas o governo viu que se atendesse a pauta do MST com terra, o Movimento poderia crescer enormemente. No final do governo Sarney, a polícia desencadeou ações violentas, ou seja, a orientação passou a ser outra. Tivemos ações muito violentas, de repressão do movimento social.
Os anos foram passando e a conjuntura mudando e se complexificando. Costumamos ler a realidade, com os assuntos relativos ao período, de acordo com a situação da luta de classes.
Agora, estamos próximos ao nosso 6° Congresso, em 30 anos de MST. Temos que apontar saídas para muitos desafios. Temos uma crescente do agronegócio, da agricultura de mercado, organizado por meio do sistema financeiro e as multinacionais. Enfrentar isto é diferente de enfrentar o latifúndio, pois exige maior articulação política, maior apoio da sociedade. Os confrontos são mais em longo prazo. Temos que refletir sobre a construção de um outro sistema de produção agrícola, com a agroecologia, envolvendo a sociedade na questão dos alimentos, tendo como referência a Reforma Agrária. Isso nos coloca em contraposição com o atual modelo, baseado em agrotóxicos, que é impróprio e inviável para qualquer sociedade humana.