A revolução silenciosa no campo feita pela agricultura familiar
Por Najar Tubino
Da Carta Maior
Esta é uma história que tenta retratar algumas mudanças ocorridas na zona rural brasileira nos últimos anos e que, certamente, não estão nas estatísticas.
Uma das fontes consultadas é o trabalho divulgado em dezembro de 2013 pela Secretaria de Assuntos Estratégicos do governo Federal, realizado pelo IPEA, IBGE e analisado pelos pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Por Najar Tubino
Da Carta Maior
Esta é uma história que tenta retratar algumas mudanças ocorridas na zona rural brasileira nos últimos anos e que, certamente, não estão nas estatísticas.
Uma das fontes consultadas é o trabalho divulgado em dezembro de 2013 pela Secretaria de Assuntos Estratégicos do governo Federal, realizado pelo IPEA, IBGE e analisado pelos pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
O trabalho é sobre Agroindústria Rural no Brasil. O IBGE registra, com base no censo de 2006, que 16,7% dos estabelecimentos rurais do país praticaram algum tipo de transformação da matéria-prima produzida.
A agricultura familiar no país envolve 4,3 milhões de estabelecimentos rurais, com mais de 12 milhões de pessoas trabalhando, representa 38% do Valor Bruto de Produção – R$54,5 bilhões -, embora ocupe menos de 25% da área agriculturável.
A agroindústria familiar, portanto, é um passo a mais na organização da agricultura familiar, com investimentos em manufaturas, em produtos elaborados, alimentícios, que vão desde as farinhas, como de mandioca e de milho, pães, biscoitos, doces e geleias, além de mel, mas também embutidos, queijos, aguardente e vinho.
O trabalho selecionou, com as devidas estatísticas por estado e por região, 32 produtos produzidos. Desses nove são os mais importantes. No caso da região nordeste e norte, é preciso acrescentar a rapadura e a tapioca.
Somente agroindústrias que produzem farinha de mandioca no país são mais de 266 mil, sendo que a maioria no Nordeste, quase150 mil.
O Brasil produzia 30 milhões de toneladas de mandioca na década de 1970. Agora produz 21 milhões e faltam sementes. A farinha de mandioca, que faz parte do cálculo da inflação, subiu mais de 100% nos últimos anos.
PRONAF está em todo o país
A citação da região Nordeste é mais do que óbvia. É lá que está a maioria das propriedades familiares, mais de 50% segundo a estatística, e também é lá que os agricultores e agricultoras mais acessam o PRONAF, o programa de financiamento da agricultura familiar, que este ano vai investir mais de 24 bilhões de reais no segmento. Aliás, o PRONAF é um programa que está presente em todos os 5.460 municípios do país.
A Revolução Silenciosa na área rural na verdade é consequência da organização dos agricultores e agricultoras, de trabalhadores rurais que assumiram a reforma agrária na prática, transformando suas áreas em campos de produção de alimentos para o país, não para exportação. Além disso, uma parte dele, produzidos sem agroquímicos, principalmente, sem veneno.
É claro, que isto não se tornaria uma realidade se não fossem as políticas públicas conquistadas de baixo para cima, como é o caso do PRONAF, dos Programas de Aquisição de Alimentos, do Programa Nacional da Merenda Escolar, e agora, mais recente, o Plano Nacional de Produção Orgânica e Agroecológica (PLANAPO), que também está viabilizando linhas de financiamento para a agricultura familiar, com juro de 1% ao ano.
Comida é uma questão de saúde
A questão da produção de alimentos e da agroindústria familiar, que também envolve a produção de alimentos, não é uma simples questão econômica. A começar pela falta de dados e informações atualizadas, fato reconhecido no próprio trabalho citado.
Estamos falando de mudanças sociais, culturais e de saúde. Já é notório o fato do Brasil ser o quinto país do mundo em obesidade, de mais de 50% da população estar acima do peso, sendo 17% na condição de obesos.
A dieta veiculada nos meios de comunicação está levando o Planeta para um ciclo vicioso que só beneficia a indústria química, a mesma que produz agrotóxico e remédios.
Isso não é uma coincidência.
A receita inventada pelos estadunidenses de consumo de sanduíches gordurosos e xaropes gaseificados levou a uma completa desorganização das dietas dos povos. “Amar tudo isso” ou “abrir a felicidade” se transformou numa armadilha que alavancou as estatísticas de obesidade, por consequência, de diabetes, doenças coronárias e hipertensão.
O que foi vendido como a modernização da agricultura, com índices imbatíveis de produtividade, milagres na produção de commodities, hoje em dia, não passa de uma falácia de péssima categoria. Junto com a modernização da agricultura, ao mesmo tempo cresceram as redes de supermercados, hipermercados e shoppings centers.
A agricultura familiar ficou relegada ao patinho feio das produções de Hollywood. Era ineficaz, sem qualidade e a única saída era debandar para os grandes centros urbanos, onde as oportunidades na indústria e na construção civil surgiam como milagrosas.
Hoje se sabe bem o inferno que viraram as metrópoles. A população está doente, sofre diariamente para se mover, come mal e ainda sofre com a violência em diversos estágios.
Para os apóstolos do neoliberalismo, o mundo seria de concreto, a comida totalmente industrializada, inclusive com pílulas astronáuticas, e o campo uma modelo de indústria de ponta, com suas potentes colheitadeiras e seus tratores com GPS e pulverizadores eletrônicos, que dosificam milimetricamente o veneno necessário para a planta transgênica produzir.
Onde está a estatística?
Lascaram-se. O povo do campo, que realmente vive e produz onde mora se organizou. Não só produz como industrializa. Além disso, vende diretamente em feiras de todo tipo. Na capital paulista funcionam 850 feiras livres, mais de 16 mil barracas, uma história que iniciou no século XVII. Claro que este tipo de feira convencional é formada por comerciantes, outra por produtores, e mais recentemente, uma parte de agroecologistas.
São 140 feiras no país de caráter agroecológico, segundo pesquisa feita em 2012 pelo IDEC, o Instituto de Defesa do Consumidor, juntamente com outras organizações que trabalham com agroecologia. Entretanto, o movimento das feiras, quer ecológicas, ou feiras de produtores, que trazem seus produtos uma ou duas vezes por semana para vender na cidade, é disseminado pelo país.
Em Fortaleza são 76 feiras livres. Em Recife são 17. Porto Alegre tem a feira mais antiga em agroecologia, no Bairro Bonfim, desde 1989. Passam mais de cinco mil pessoas no sábado pela feira. O Rio de Janeiro tem 25 feiras agroecológicas. Somente cinco capitais não tem feira ecológica – Cuiabá e Boa Vista, estão entre elas.
Na Paraíba, no Polo da Borborema, com 15 municípios, funcionam oito feiras agroecológicas. Em março desse ano, os agricultores e agricultoras realizaram a 5ª Marcha das Mulheres pela Vida e pela Agroecologia. Participaram 3.500 mulheres no município de Massaranduba.
Feira livre, feira agroecológica, estamos falando de relações econômicas, de compra e venda, de produtos consumidos pela população de todas as faixas, mas principalmente, da que tem menor poder aquisitivo. Isso não está na estatística.
Os preços das verduras, frutas e cereais nas feiras são mais baratos do que no supermercado, além da vantagem de negociar o preço com o feirante ou produtor. Sem contar a hora da “xepa”, no final da feira, quando os preços caem. Em 2002, os supermercados faturavam 7% do total comercializado com hortifrutigranjeiros.
A Monsanto em Petrolina
As feiras se tornaram o canal de comercialização, mas também o canal de comunicação e de divulgação de um novo tipo de agricultura que existe no campo. Também resgatou a importância dos costumes locais, da comida da vovó, das verduras e legumes sem agrotóxicos, em casos mais específicos.
Principalmente, derrubaram a supremacia das grandes corporações do varejo, das corporações de commodities e, agora, da transgenia. A Monsanto trabalha na produção de sementes de hortaliças.
Em Petrolina comprou duas fazendas – uma com 186 ha e outra com 64 ha – e montou seu complexo tecnológico de pesquisa dentro do perímetro irrigado, que terá a mesma função que o Havaí tem em relação aos Estados Unidos, para a produção de sementes. Trabalham com milho, depois sorgo, algodão, cana e milho doce. Nos próximos cinco anos será o centro responsável pelos lançamentos da multinacional.
O semiárido, com água, favorece a produção, com até quatro safras, dependendo da cultura. Isso acelera o trabalho que seria muito maior, e mais caro, no Sul ou no Sudeste. A Monsanto inaugurou este centro em março de 2013, embora estivesse na área desde 2009. É o 19º centro de pesquisa no Brasil – ela tem 36 unidades no país.
Capacidade de resistência
Em que pese uma trajetória genérica de apropriação e concentração das atividades de processamento alimentar por grandes conglomerados industriais a agroindústria rural continua revelando uma notória capacidade de resiliência.
Assim, diferente do que se preconizava no auge da modernização da agricultura, a atividade está longe de ser um resquício, pelo contrário, trata-se de uma expressão absolutamente contemporânea de emergência de novas trajetórias de desenvolvimento no mundo rural”, registra o trabalho Agroindústria Rural no Brasil.
Outra citação: “a agricultura familiar responde pela maior parcela de valores agregados a produção associados à transformação dos alimentos. É responsável por 78,40% da agregação de valor, enquanto a agricultura não familiar abarca uma percentagem de 21,60%”.
O Nordeste aparece em primeiro lugar com 43% dos valores agregados aos alimentos, seguido pelo Sudeste com 24%, o Norte com 21%, O Sul com 8% e o Centro-Oeste com 4%.
Os pesquisadores ressaltaram que os dados não computaram as vendas para os programas PAA e PNAE, sem contar o crescimento das feiras de vendas diretas em todo o país.
Se a Monsanto se instalou no semiárido, região onde a ASA desenvolve o trabalho mais eficiente que existe neste país de organização de agricultores e agricultoras familiares, com a implantação de tecnologias de convivência com as agruras da seca, os próprios sertanejos tratam de dar o troco.
No dia 18 de julho começa no município de Pedro II, no Piauí, o I Festival das Sementes da Fartura, como eles denominam as sementes crioulas. Na Paraíba são as sementes da paixão, onde já funcionam 225 bancos de sementes.
A ASA tem registro de mais de mil práticas de uso e troca das sementes crioulas, envolvendo quase 20 mil famílias. No Piauí participarão 800 agricultores e agricultoras. Também não tem feira agroecológica ou livre nesse Brasil afora que eles não troquem semente.
Enquanto as corporações despejam bilhões de dólares em marketing, para vender um mundo de facilidades inúteis e prejudicais à saúde da população e ao ambiente do Planeta, os sertanejos e outros brasileiros espalham o seu conhecimento e suas práticas no silêncio.