“Aulas se recuperam, vidas não”, afirma educadora do MST sobre ensino presencial
Por Luciana G. Console
Da Página do MST
Diferentes países ao redor do mundo já retomaram o ensino presencial nas escolas, com protocolos de seguranças, durante a pandemia do novo coronavírus. No entanto, alguns governos voltaram atrás na decisão, como é o caso da Coreia do Sul, onde diversas escolas tiveram que ser fechadas logo após a retomada das aulas devido a surtos da doença em Seul.
No Brasil, o assunto tem levantado diversos debates e divergências, mas de acordo com nota técnica do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) divulgada no dia 23/07, os riscos e os desafios de uma possível volta às aulas presenciais são grandes e um retorno no atual contexto do país seria perigoso e colocaria em risco a vida de todos.
A rede pública de ensino da cidade de Manaus é um dos exemplos. O Amazonas foi o primeiro estado do Brasil a retomar as aulas presenciais, porém, apenas dois dias depois, o aumento dos casos de COVID-19 fizeram com que as escolas voltassem atrás.
É neste sentido que o MST lança nesta quinta-feira (20) a campanha “Volta às aulas na Pandemia é crime!”. A educadora Maria de Jesus dos Santos Gomes, do Coletivo Nacional do Setor de Educação do MST pelo estado do Ceará, explica que neste momento o isolamento social ainda é a melhor forma de enfrentar o vírus, enquanto não existir uma vacina que garanta a segurança dos estudantes, trabalhadores e familiares. “As aulas se recuperam, vidas não”, aponta ela. Confira a entrevista completa!
Página do MST: Alguns países já realizaram o retorno às aulas, mas o tema ainda é sensível, visto que a pandemia ainda não está sob controle. Quais fatores levam o Movimento a considerar que a volta às aulas no Brasil neste momento é crime?
Segundo o Ministério da Educação (MEC), o Brasil tem 47,9 milhões de estudantes na educação básica. Hoje, nós estamos enfrentando um vírus que está sendo espalhado pelo mundo e que nós não temos a dimensão de como enfrentá-lo e até então a única forma de enfrentamento segura tem sido o isolamento social, até que consigamos ter uma vacina, como se desenha no cenário mundial.
Vivemos em um país onde as desigualdades sociais são gritantes quando se refere a educação do campo, então no nosso caso temos problemas com o acesso dos nossos estudantes a prédios de qualidade e muitas escolas nossas funcionam com estruturas precarizadas. Nós temos o problema do transporte escolar coletivo inadequado, precário, as estradas, temos também a falta de atendimento médico. Muitos de nossos assentamentos e acampamentos têm atendimento do Programa Saúde da Família somente uma vez a cada dois meses e muitas áreas nem têm.
Então, nós nos sentimos inseguros e também percebemos das autoridades, tanto dos prefeitos como dos governadores, que ainda não há uma posição de garantia de um protocolo que garanta segurança sanitária para o retorno às aulas. Diante dessa realidade que nós estamos enfrentando, de um desgoverno de Bolsonaro, onde não temos nem ministro da saúde no nosso país, não há política coordenada de contenção desta doença, a exemplo da Nova Zelândia. O Brasil, de fato, anda longe dessa realidade. Então na nossa avaliação enquanto educadores, pais e mães do MST, que não é possível o retorno das aulas presenciais. Nós não vamos assinar embaixo a esta tentativa de mais um genocídio da nossa juventude pobre e das nossas crianças.
Quais são os impactos para uma volta às aulas agora e para um futuro próximo?
Temos acompanhado a avaliação de vários cientistas da área da saúde, além das notícias do cenário internacional, principalmente nos EUA. Observamos que um retorno às aulas sem controle da pandemia tem provocado muitas mortes, muita contaminação de estudantes, educadores e gestores. Então nós entendemos que um retorno neste momento é um grande risco para a vida de nossos sujeitos da educação, como os estudantes, funcionários, a família, porque o vírus pode ser disseminado na escola e chegar até os familiares. É uma grande insegurança. Por isso entendemos que não devemos abrir as escolas e vamos seguir com elas de forma itinerante com atividades domiciliares.
Em relação a nós, dos assentamentos, o que percebemos é que a única proposta de protocolo que estão oferecendo é o uso obrigatório das máscaras, como já acontece, e a questão do álcool em gel ou sabão para lavar as mãos. Esses procedimentos são insuficientes para enfrentar a pandemia. Muitas de nossas escolas não tem banheiro, não tem acesso a água, então não há condições para um retorno às aulas presenciais. Aulas se recuperam, vidas não. Nossa luta é para que a gente tenha acesso a vacina, ela é a única forma de controlar e possibilitar o retorno às aulas com segurança.
Gostaria que você contasse um pouco sobre a Campanha Volta às aulas na Pandemia é crime! Como ela está sendo construída e quais objetivos?
A campanha “Volta às Aulas na Pandemia é Crime” tem como objetivo fazer o diálogo tanto para dentro dos assentamentos e acampamentos, com as nossas famílias Sem Terra, nossa juventude, como também fazer o diálogo com a sociedade. Ela significa um chamado de alerta, no sentido de que nós não vamos reproduzir o genocídio proposto pelo atual presidente Jair Bolsonaro. Nesse sentido, a campanha propõe denunciar e ao mesmo tempo ser um espaço de fortalecimento e articulação do MST com o conjunto das entidades educacionais do nosso país, sindicatos, e fazer ecoar esse grito de milhões de estudantes que, de fato, querem o direito à educação. Mas neste momento temos que ter uma educação onde o isolamento social ainda é a nossa forma de enfrentar este vírus. Por isso estamos em resistência ativa ao não retorno presencial, pela defesa das atividades domiciliares e de um plano pedagógico especial para nossas escolas de acampamentos e assentamentos.
A campanha também se propõe a problematizar a situação da educação brasileira, principalmente essa ofensiva da mercantilização da educação que estamos sofrendo. Queremos também problematizar que a solução não é educação à distância. Não defendemos isso. Queremos problematizar toda essa lógica do Ministério da Educação de promover o fascismo e queremos barrar esse tipo de iniciativa trazendo a importância de uma educação crítica, libertadora e emancipadora.
Essa campanha será lançada em caráter nacional em um ato em defesa da educação, que acontece dia 20 às 15h. É uma campanha em conjunto com o setor de juventude do MST, que já teve essa semana toda de agitação, por conta da Jornada da Juventude e do Dia do Estudante, comemorado no 11 de agosto. A campanha vai mobilizar todos os processos de enfrentamento às aulas presenciais. Então nós vamos estar em defesa da vida, de um plano especial para educação, mas principalmente contra o retorno presencial das aulas em 2020.
Em um país desigual, profissionais da educação, famílias que trabalham o dia todo e dependem da escola para deixar os filhos, crianças que viam na escola a única refeição do dia, por exemplo, são muito impactados com a falta das aulas presenciais. Qual o papel do Estado neste cenário, o que precisa ser feito?
Está claro para nós que o retorno às aulas presenciais diante da pandemia é uma ameaça de genocídio das crianças e jovens. Sabemos da problemática que tem sido pra todas as famílias, pois a pandemia tem grande estrago principalmente para população pobre e trabalhadora e há muitas dificuldades. O auxílio emergencial deveria continuar até que se tivesse a vacina, para que as famílias pudessem ficar em casa e não ir ao trabalho. A carência de políticas públicas é um problema, a internet deveria ser política pública, acesso a computador, enfim, tinha que ser garantido a todos os estudante brasileiros, do ensino básico ao superior. Mas veja que os estados estão interessados em políticas públicas à serviço dos interesses do capital.
O Estado favoreceu mais os ricos com a pandemia, eles ficaram mais ricos ainda com essa situação. Nós, os pobres, só conquistamos o auxílio porque houve empenho da Câmara de Deputados e do Senado, mas por parte do presidente, seria somente de R$ 200, uma contribuição indigna para este momento. Então, diante dessa realidade dos pais que estão sendo forçados a trabalhar e não ter onde deixar as crianças, penso que saídas individuais são muito difíceis, precisamos proporcionar saídas coletivas.
Pode acontecer a solidariedade entre as famílias, mas é um momento que de fato a gente tem que medir o que é possível. Vamos arriscar a ida às aulas com a insegurança sanitária e ausência do direito à saúde garantida? Então, nesse sentido, precisamos reafirmar que não há condição de retorno e que temos que ter políticas públicas de apoio às famílias, principalmente as pobres, e de apoio a todos os estudantes para terem acesso ao conhecimento nos domicílios.
*Editado por Wesley Lima