Constituição Federal: 32 anos de conquistas e contradições
Por Claudinei dos Santos e Karla Oliveira, do setor de Direitos Humanos do MST
Da Página do MST
Neste 5 de outubro, o Brasil comemora 32 anos da promulgação da nossa Constituição Federal, período embalado por diversas referências positivas sobre a conhecida Carta Magna, no tocante ao seu espírito cidadã, e algumas contradições.
A constituição foi tida como promessa de ser o caminho para a paz, dado o sofrimento coletivo dos anos de ditadura, e teve a missão de construir uma sociedade justa e igualitária por meio do combate às desigualdades sociais e da preservação da dignidade da pessoa humana com a efetivação de direitos sociais muito bem sistematizados pelo papa Francisco anos depois, como “3 Ts: Terra, Teto, Trabalho”.
No entanto, é preciso também aproveitar este momento de reverência e confraternização cívica para fazer um balanço político crítico do prometido e do efetivado do ponto de vista dos direitos sociais, da nossa soberania nacional e da preservação das instituições do Estado Democrático de Direito.
Nas comemorações das bodas de prata da constituição federal, em 2013, o ministro Gilmar Mendes escreveu: “Hoje, não mais nos sobressalta qualquer temor sobre a estabilidade de nossas instituições, e a democracia consolidou-se como um valor em si mesmo”. De lá para cá, se passaram apenas 7 anos e as contradições da nossa sociedade só aumentaram. Foi eleito um governo que vem produzindo permanentes ataques aos valores destacados pelo o então ministro, colocando em risco as possibilidades de celebrar a idade de cristo da nossa homenageada com a mesma aos cacos, ou como um mero elemento simbólico, sem efetividade de fato.
Vejamos uma breve análise dos fatos históricos recentes, mais precisamente a citada frase do ministro Gilmar Mendes, que iniciaram com mais vigor o ataque mais profundo aos princípios democráticos.
Como ironia do destino, no ano seguinte ao depoimento citado pelo ministro Gilmar Mendes, o derrotado pelas urnas ao cargo de presidência da república, Aécio Neves, resolveu questionar o processo eleitoral que reelegeu a presidenta Dilma Rousseff.
Até então, a efetividade das promessas constitucionais já se mostravam como ensaios. Daí em diante, como diz o ditado popular, foi “só ladeira abaixo”. Esse questionamento ganhou força e mais adeptos, outras roupagens, mais financiamento, divulgação, justificativas políticas e se transformou no vergonhoso impeachment da presidenta eleita.
Vergonhoso não para ela, que permaneceu firme e de cabeça erguida, mas para seus carrascos e principalmente para os instituídos guardiães da Carta Magna. O que deveria ser base de um processo tão importante não apareceu nem de perto. Uma palavrinha difícil, mas fundamental: constitucionalidade.
Seguindo o rito do Golpe de Estado que foi instaurado, a constituição foi atropelada mais uma vez, agora pela constituição da “República de Curitiba”. Nunca ouviu falar dessa? Pois é, ela só existe na cabeça dos juízes lavajatistas, que não se restringem a delimitação geográficas e muito sabem de política e de legalidade. Rito e garantias processuais são palavras que não se traduzem naquele idioma, e “prova” é terrivelmente abominada pelos seus métodos inquisitoriais. Assim se resume brevemente o processo dito jurídico do presidente Lula.
Como num efeito dominó, esses exemplos citados servem de base para diversas outras violações ao sonho constitucional, principalmente os mais recentes. Desde o desmonte das garantias trabalhistas, em 2017, tidas como clausula pétrea – que não podem mudar – na constituição.
Como personificação disto, temos quem realmente comemora esses retrocessos como presidente hoje em vigência. Jair Bolsonaro já é conhecido mundialmente pelo seu preparo para o desmonte geral, como ele mesmo havia prometido em sua campanha eleitoral com o famoso: “vou acabar com isso tudo daí”.
Isso se materializa com o descaso com a natureza desde o petróleo ao mar, fogo na Amazônia, Cerrado, Mata Atlântica, desproteção aos manguezais e restingas, bem como toda natureza que devemos proteger. A Constituição diz que os mecanismos de proteção são de dever da União, mas mais uma vez ela é vencida pela opinião do ministro de meio ambiente, que resolveu “passar a boiada”.
Este aniversário da Constituição é enlutado com morte de mais de 145 mil mortos pela Covid-19, muitos deles sem acesso aos equipamentos de saúde necessários. Pandemia que nos trouxe o ensinamento de que é necessário mais cuidado básico com a higiene e o descaso do presidente com as mortes, além de escândalos de corrupção por parte de governadores e outros gestores que desviaram dinheiro público que deveriam ser para a compra de equipamentos básicos como de respiradores.
O desemprego no país, que já estava absurdo, atinge 13,3 % e não só por conta do isolamento social, mas também por faltas de medidas governamentais. Isso significa, na prática, falta de comida na mesa das pessoas.
Mas o presidente propôs que as famílias desempregadas tivesse uma ajuda de míseros R$200. Derrotado pela sensatez, ele retorna com a proposta com a justificativa de falta de recursos financeiros do país, mas que não é citada quando o assunto é transferência de dinheiro para instituições bancárias, que só dos gastos para enfrentamento a pandemia ganharam R$ 325 bilhões.
Nesse meio tempo, o presidente foca em algo mais importante para si e seus filhos: ameaçar o STF e o Congresso Nacional, exatamente as instituições que compartilham e complementam o topo de poder do Estado, com a tripartição de poderes instituída pela aniversariante. Enquanto nos momentos de folga acumula pontos para superar o próprio recorde de presidente que na pós-democracia mais violou e viola os Direitos Humanos, Bolsonaro ri da soberania nacional com a vergonhosa submissão a Donald Trump.
O que se destacou positivamente nessa barbárie, como luta e resistência às medidas governamentais, foi uma palavrinha importante entre os iguais: SOLIDARIEDADE. Não falamos das doações feita pelas grandes empresas e destacadas em horário nobre no Jornal Nacional, já que essas não chegam nem a ser misericórdia, porque os valores gastos com doações são irrisórios comparados aos lucros no mesmo período catastrófico.
Solidariedade é quando quem tem pouco divide a comida com quem não tem, e isso o MST vem fazendo, alimentando milhões de pessoas com a Campanha Mãos Solidárias, que já realizou doação de alimentos que chegam a 3.200 toneladas. Alimentos produzidos em áreas de Reforma Agrária, que a Constituição destacou como garantia, mas que o presidente não mede esforços para retroceder na pauta, como se não bastasse não ter assentado nem uma pessoa desde que tomou posse, vem utilizando medidas autoritárias para ameaçar as pessoas que lutam pela terra.
Em resumo, a constituição fala que ninguém vai morrer por falta de estrutura do estado, que as pessoas terão emprego, reforma agrária, saúde, educação, igualdade racial e de gênero. Mas as instituições responsáveis por cuidar destas promessas não estão dispostas a cumpri-las. Cabe então a nós, como povo, garantir a Constituição e lutar por todas estas pautas!
*Editado por Fernanda Alcântara