O povo brasileiro passa fome: Bolsonaro nega auxílio ao campesinato para produzir alimentos
Nós, mulheres camponesas, queremos chamar a atenção da sociedade sobre o que estamos passando no nosso país. Não é novidade para ninguém que no Brasil há uma enorme desigualdade social e que o mínimo de demandas sociais implantados pelos governos progressistas levou a uma construção de um discurso de ódio contra as pessoas pobres. Se alguém ainda acreditava que o racismo, o machismo e o elitismo à brasileira eram cordiais, agora não consegue mais se iludir. A violência tem se expressado de forma ainda mais contundente todos os dias e agora conta com uma grande identificação entre essas pautas e quem está no governo federal.
Queremos denunciar o projeto de morte que amplia a fome no Brasil, dia após dia. Antes da pandemia da COVID-19 chegar ao nosso país, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) já apresentava um quadro de ampliação da fome no Brasil muito preocupante. Os dados coletados em 2017 e 2018 e apresentados em 2019, revelam que havia 10,3 milhões de pessoas sem acesso regular à alimentação básica, 5% das famílias brasileiras em situação de insegurança alimentar grave, e que mais da metade dessas famílias eram chefiadas por mulheres e vivem no Nordeste brasileiro.
Quando a pandemia chegou, rapidamente os partidos de esquerda se articularam com objetivo de garantir um auxílio para que as famílias pudessem se isolar e não passar fome. O governo federal disse que só poderia pagar R$ 200,00, os partidos de esquerda propuseram R$1.200,00, o Congresso aprovou R$ 500,00 e o governo pagou R$ 600,00 por três meses, mas logo reduziu pela metade. Essa ação foi importante e teve um impacto muito positivo em um país com tamanha desigualdade social, mas sem incentivo a produção e distribuição de alimentos, sabíamos que ia faltar comida e com certeza os produtos da cesta básica brasileira iriam ficar muito caros. Quem faz da comida um negócio e não um modo de vida como fazemos nós, camponesas, iria buscar lucrar com esse cenário.
Na busca por ter alimentos para todos e todas, o campesinato brasileiro fez muitas ações de solidariedade, mas sabendo dos limites dessa ação, se organizou e os diversos movimentos sociais do campo, das florestas e das águas elaboraram um projeto de Lei que visava se antecipar para o enfrentamento ao risco de desabastecimento, alta no preço dos alimentos e ampliação ainda maior da fome. Iniciativa ágil e muito importante, porém, faz-se necessário salientar que antes das mulheres desses movimentos e os movimentos de mulheres entrarem no debate, não foi pensado nenhuma ação específica para as mulheres mesmo sendo elas as principais produtoras de alimentos que vão para a mesa do povo brasileiro. Mas nós mulheres nos organizamos, avaliamos a proposta e a ampliamos garantindo políticas públicas especificas para mulheres e para povos e comunidades tradicionais. Lutamos até o último momento para que a Lei deixasse estabelecido que os recursos destinados pela mesma deveriam produzir apenas alimentos saudáveis.
O Projeto de Lei (PL 735/2020) não ficou como nós camponeses e camponesas queríamos, mesmo assim apresentou propostas muito importantes para o enfrentamento dessa crise alimentar causada pelo abandono das políticas públicas voltadas a agricultura familiar por parte do governo federal. O PL 735/2020 foi aprovado na Câmara e no Senado Federal, virou Lei Assis Carvalho (deputado que sempre lutou pela agricultura familiar em especial do Nordeste). Ela instituiu que os agricultores familiares em toda sua diversidade (assentados/as; indígenas; quilombolas; fundos de pasto; extrativistas, pescadores etc) pudessem acessar o auxílio emergencial que foi concedido apenas para quem estava na extrema pobreza ou era profissional autônomo; fomento produtivo para ampliar a produção de alimentos e evitar o desabastecimento dos mercados locais; concessão automática do garantia-safra; Programa de Aquisição de Alimentos emergencial para levar os alimentos produzidos a quem mais precisa; apoio específico para as camponesas; prorrogação, rebates e suspensão das dívidas e uma linha emergencial de crédito.
Contudo, Bolsonaro VETOU praticamente todos esses dispositivos da lei, impedindo o socorro às famílias camponesas e a própria sociedade. Quando ouvimos falar que a necropolítica era uma política que a partir do neoliberalismo colocava a vida em último plano nas demandas do Estado, não imaginávamos que chegaríamos no que o Brasil passa hoje.
É PRECISO DENUNCIAR PARA O MUNDO TODO: o governo Bolsonaro, em um país com quase 200 mil mortos pela COVID-19, com uma ampliação da violência contra as mulheres jamais vista, um quadro de desemprego e subemprego que aumenta a cada dia, e com a volta da fome, da qual ainda não sabemos o tamanho pois os órgãos de governo não apresentam dados, IMPEDE que as camponesas e camponeses possam ampliar sua produção e consigam contribuir na diminuição da fome. IMPEDE que indígenas e quilombolas sejam protegidos e tenham seus territórios preservados.
Nós, camponesas organizadas no MMC, estamos em luta permanente pela derrubada dos vetos, pois entendemos que vetar as ações que potencializam a produção de alimentos amplia a fome. Vimos com preocupação, mas infelizmente não com surpresa, o Congresso passar por cima da Constituição brasileira e votar a Lei de Diretrizes Orçamentarias (LDO) para o próximo ano sem que os vetos do presidente fossem apreciados. Com essa manobra que em si já é um absurdo, mas quando no meio desses vetos estão políticas públicas que podem ampliar a produção de alimentos em um país que além de uma pandemia sanitária enfrenta um mal histórico, que é a FOME, o Congresso Brasileiro se torna cúmplice e sócio do governo Bolsonaro no financiamento da barbárie.
Estamos em luta permanente pela construção da soberania alimentar, da agroecologia, da liberdade e autonomia das mulheres. Queremos conclamar toda a sociedade para se somar nessa luta. Vem com a gente, pois quando alguém passa fome, todos os seus outros direitos já lhe foram negados e, pode ter certeza, quem não passa fome também está com seus direitos ameaçados.