Pontal do Paranapanema
Terra devoluta é terra de quem luta!
Por Diógenes Rabello, Direção Regional do MST Pontal do Paranapanema
Da Página do MST
Cerca de 150 mil hectares de terras com processo transitado e julgado com devolutas, mas cerca de 540 mil hectares em fase discriminatória somam o estoque de terras devolutas griladas no Pontal. Terras que historicamente serviram aos interesses do agronegócio, hoje estão ocupadas com cana-de-açúcar para enriquecimento de grupos empresários estrangeiros e com pecuária extensiva, enriquecendo os latifundiários grileiros da região.
A região do Pontal do Paranapanema, ou 10ª Região Administrativa do estado de São Paulo, de acordo com a regionalização político-administrativa, está localizada no extremo Oeste paulista, tendo sues limites territoriais demarcados pelo rio Paranapanema ao Sul na divisão com o Paraná, e o rio Paraná ao Oeste na divisão com o Mato Grosso do Sul. Segundo relato o Professor José Ferrari Leite em seu livro “A Ocupação do Pontal do Paranapanema” (1998), a formação territorial da região remonta aos meados do século XIX. Sua ocupação se deu, primeiramente, com a chegados de homens que, num ato de extrema violência física e simbólica, praticaram o genocídio das populações indígenas que aqui viviam e a derrubada da Mata Atlântica, que era a cobertura vegetal original. A partir daí começaram as divisões das terras em grandes grilos, sendo os maiores a Fazendo Pirapó-Santo Anastácio, Fazenda Boa Esperança do Aguapei, Fazenda Três Ilhas e Fazenda Cuiabá.
Em 1850, com a aprovação de Lei Terras, estes grileiros começam e ter seu domínio de posse das terras questionados pelo Estado. A partir daí, começam diversas manobras para a legalização destas terras, que se dão, sobretudo, pela falsificação de documentos. Sem conseguir provar o domínio da posse, os grileiros começar a dividir as grandes fazendas e vender partes delas e assim foi sendo feito ao longo dos anos formando os latifúndios e mantendo a concentração de terras que perdura até os dias atuais.
De acordo com o pesquisador Carlos Alberto Feliciano, “desde as primeiras ações de discriminação de terras, feitas por juízes comissionados no final do século XIX até atualidade, não se teve uma definição e consenso jurídico do Estado sobre essas terras. Tal ação/omissão propiciou ainda mais a disputa entre as classes sociais na luta pela apropriação/manutenção/expropriação de parcelas do território capitalista que possam ser controladas e tecidas de acordo com ideais inerentes à classe da qual pertence.” Isso demonstra que a lentidão no processo de descriminação e arrecadação das terras griladas são marcas dos interesses dos grupos políticos que atuam diretamente para o interesse dos latifundiários e da burguesia agrária, interesses esses contrários aos da classe trabalhadora.
O MST, desde a sua formação na região do Pontal do Paranapanema (início dos anos de 1990), tem protagonizado lutas pela arrecadação destas terras públicas devolutas. Ali já começávamos a pressionar o Estado para arrecadar estas terras que, além de devolutas são improdutivas. Desta que começam a surgir os conflitos por terra no Pontal, com episódios de violência física e material por parte dos jagunços e da polícia militar.
Fruta deste histórico de luta, hoje a região é formada com 117 assentamentos rurais, abrigando cerca de 7 mil famílias camponesas que vivem da produção de alimentos. São cerca de 170 mil hectares de terras arrecadadas para a reforma agrária. Nossos assentamentos tentam se desenvolver com base nas experiências coletivas de formação política que o MST busca fazer com sua base desde os períodos de acampamento até os dias atuais. Temos, hoje, assentamentos que contam com infraestrutura de associações, cooperativas, escolas, postos de saúde, agroindústrias, tempos religiosos, armazéns e outros. Também espaços que buscam o envolvimento da comunidade através do lazer, como campos de futebol e quadras poliesportivas.
Estas famílias estão envolvidas com uma diversidade enorme de atividades. Nós nos somos uma das maiores bacias leiteiras da região. Temos tradição na produção de alimentos diversificados, com foco em hortifrutigranjeiros, mandioca, milho e outros alimentos. Nos dedicamos na criação de carne bovina, suína e de aves para consumo familiar e geração de renda. E buscamos nos envolver nos espaços de participação política e debates públicos acompanhando as ações e decisões político-administrativas que impactam diretamente a nossa vida. Todo esse trabalho com a terra, dedicado na produção de alimentos, é impactado diretamente com a os cortes orçamentários nas políticas públicas e formas de acesso à comercialização, com o caso do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).
Mas, mesmo com avanços concretos para a reforma agrária, a pauta da arrecadação de terras ainda é emergente para o MST no Pontal do Paranapanema, que, mais do que nunca, se configura como uma pauta de toda a classe trabalhadora diante da conjuntura atual.
Movimentos recentes no processo de judicialização das terras griladas resultaram em cerca de 150 mil hectares de terras transitas e julgadas como devolutas, localizadas no 14º e 15º Perímetro de Teodoro Sampaio, entre os municípios de Teodoro Sampaio, Euclides da Cunha Paulista e Rosana.
Há, ainda, outros 540 mil hectares de terras que ainda estão em processo de julgamento pelo Estado. Com essas terras sendo destinadas para a reforma agrária teríamos o dobro de famílias que temos hoje assentadas, podendo ampliar sobremaneira a produção de alimentos saudáveis, combatendo a fome, promovendo agroecologia, preservando o meio ambiente e desenvolvendo a região. Mas o processo de julgamento destas terras é longo, pois, como relatado anteriormente, está diretamente ligado a interesses políticos.
Vamos entender o procedimento?
Primeiramente, a sociedade organizada precisa pressionar o Estado para questionar o processo de legalidade a posse destas terras, esse é o trabalho que o MST tem feito. O Estado, então, entra com o processo de julgamento das terras, chamado de ação discriminatória. A primeira fase é chamada de fase citatória, onde o Estado abre o processo e os latifundiários citados no processo apresentam os documentos que comprovem a legalizada da sua posse. Depois, inicia o a fase contenciosa, onde estes documentos apresentados são analisados pelo Juiz.
Esse procedimento da ação discriminatória tem por finalidade abrir uma discussão jurídica sobre o domínio das terras. No final desta fase discriminatória as terras podem ser declaradas de duas formas: de domínio particular ou estatal. A sentença não cria um domínio, ela apenas confirma indevidamente ocupado (grilada) ou confirma a ocupação dela na forma como está atualmente (particular).
Finalizada a fase contenciosa, inicia a fase demarcatória. Aí o Estado começar a demarcar estas terras, identificando de domínio particular e ou devoluta. Então, aquelas declaradas devolutas são emitidas novas matrículas como terras de domínio do Estado, terras públicas.
Findo este processo, o Estado pode tomar três decisões: 1) dar o título das terras para os ocupantes atuais (que se seria pela defesa dos interesses dos latifundiários), 2) arrecadar estas terras para a reforma agrária, ou 3) transformar em áreas de reserva legal.
Após isso, o Estado pode, então, abrir a fase reivindicatória, onde o Estado reivindica estas terras para a reforma agrária tomando posição favorável à classe trabalhadora, que seria arrecadar estas terras para a reforma agrária. Nesta fase, se faz o levantamento das benfeitorias presentes em toda área e a soma dos valores é paga aos latifundiários.
Após isso chegamos ao último passo para a entrada das famílias nas terras, que é a seleção destas famílias através de uma comissão formada por representantes dos movimentos sociais locais, da sociedade civil representada pelo poder público local e por representante do Instituto de Terras Públicas do Estado de São Paulo (ITESP). E, por fim, o ITESP faz o recorte das terras divididas em lotes e as famílias, enfim, podem ser assentadas.
Todo esse processo é muito longo e pode demorar muitos anos, como foi o caso da fazenda Nazaré, no município de Marabá Paulista, que após 20 anos e mais de 20 ocupações de terras realizadas pelo MST conseguiu em 2017 formar o assentamento Irmã Gorete, que por decisão do ITESP foi nomeado como André Franco Montoro, e assentar 236 famílias sem terra. Por isso o MST acompanha todo o processo desde o início até a entrada das famílias no assentamento, quanto, então, começa a criar estratégias de lutas para a melhoria da qualidade de vida destas famílias, lutando por condições básicas de saúde, educação, transporte, energia, água, assistência técnica, etc.
O Estado, que forma aliança com a burguesia agrária, está caminhando no sentido de titular essas terras e dar o domínio da posso aos latifundiários grileiros. A paralisação da reforma agrária, os cortes dos recursos para as políticas públicas no campo, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).
No estado de São Paulo, através da Lei Nº 16.514, de 01 de Setembro de 2017, no governo Geraldo Alckmin, se abre uma brecha para a regularização das terras. Também devemos lembrar do Programa Titula Brasil, do governo Federal, que cria facilidades para a titulação dos assentamentos rurais, o que estamos entendendo um golpe com a reforma agrária.
São tempos de barbárie, por isso é importante que a sociedade organizada esteja cada vez mais atenta aos ataques contra os trabalhadores e as trabalhadoras, contra a democracia e contra os direitos. A luta pela terra e reforma agrária são tarefas essenciais no enfrentamento à atual conjuntura de ataque aos direitos do trabalhador e trabalhadora do campo.
É por dignidade, pela vida, por terra, contra o latifúndio e contra a fome que o MST se organiza pela defesa dos direitos da classe trabalhadora.
Nossa luta é pela Reforma Agrária Popular, contra este governo genocida.
*Editado por Fernanda Alcântara