Música de Protesto
O Rock de Atitude e Resistência, com Tico Santa Cruz
Por Danilo Nunes
Para Página do MST
Falar de Rock’n Roll é pensar, não apenas um gênero musical, mas um estilo de vida e uma consciência social que resulta na rebeldia contra o próprio sistema, que gera segregação, opressão e desigualdade social. Não podemos resumir o rock em música (expressão cultural simbólica), pois sua abrangência está nas transformações culturais e antropológicas que a história da sociedade contemporânea nos mostra.
O rock teve início na América, mais precisamente nos Estados Unidos, combatendo e questionando a partir da música e de expressões culturais, a segregação entre negros e brancos, uma herança de todos os processos de colonização decorrentes do eurocentrismo.
Como uma metáfora para to shake up, to disturb or to incite (sacudir, perturbar ou incitar), vem a palavra rock com longa história no idioma inglês e, utilizado por negros cantores gospel na região sul dos Estados Unidos veio o termo Rocking, com seu significado como algo semelhante, mas referindo-se ao êxtase espiritual. Sexo, êxtase, dançar, rolar, são alguns significados que formam alguns conceitos do Rock’n Roll.
Embora a expressão Rock’n Roll foi dita pela primeira vez em 1951, no rádio pelo DJ Alan Freed para nomear um gênero musical, em 1922 a cantora de blues Trixie Smith foi a primeira que usou o termo Rock (balançar) e Roll (rolar) numa canção, que fazia parte da gíria dos negros americanos no início do século 20, quando referiam-se ao ato sexual. A música era o blues “My Daddy Rocks Me (With One Steady Roll)”, foi a primeira junção desses verbos, antes de ser tratado como um gênero musical.
Blues (Música Negra) e Country (Música Branca) se fundiram para acabar com a segregação que ainda existia nos Estados Unidos em 1930, quando surgem as versões elétricas de instrumentos como guitarra e baixo. O estilo de artistas negros do blues, como B.B King foi somado ao estilo de artistas brancos do country, como Johnny Cash e a elementos da música gospel praticadas por pessoas das duas comunidades, trazendo-nos o bom, velho e novo Rock’n Roll que surgiu para superar as leis de segregação da época, influenciando a cultura e a sociedade. Era um gênero de rebeldia contra as tradições de segregação.
Em 1950 o rock tornou-se um dos gêneros mais populares dos Estados Unidos e começou a chegar em outros países. A Inglaterra logo se tornou a maior referência do Rock no mundo, influenciando as cenas dos diversos países, inclusive dos Estados Unidos, onde tudo começou. Como o rock é uma expressão cultural marcada por influências externas e locais dos artistas, no Brasil, além das influências externas, tivemos uma cena e um movimento com suas características e identidades.
Antes de tudo, faz-se necessário entendermos que a segregação entre negros e brancos e o reflexo das colonizações, do eurocentrismo e da escravidão ainda se faz presente na vida social, trazendo à tona preconceitos, desigualdades e diferentes formas de tratamento com negros e brancos. Basta olhar para cima (onde se assentam, em sua grande maioria brancos) e para baixo (onde encontramos, em sua maioria negros e negras) que resistem na luta por suas vidas, seus direitos e oportunidades que lhes foram privadas por toda a história.
No Brasil a história do rock nacional foi influenciada pelo o que se criava e acontecia fora do país, mas com suas particularidades, que com o tempo vão se tornando identidades formadas por uma mistura cultural presente em nossa terra, questionando as relações de poder, desigualdades com agentes e protagonistas que fizeram do Rock Brasileiro um movimento de atitude e não covardia. Um movimento por onde passou Raul Seixas, Cazuza e Renato Russo, pensadores e questionadores do sistema, das injustiças e de qualquer tipo de preconceito e autoritarismo, não tem espaço para os covardes de plantão que se colocam a todo tempo em cima do muro ou, bonecos manipulados ora pelo conservadorismo, ora pelo fascismo que tende, de tempos em tempos a colocar a cabeça para fora no Brasil e na América Latina.
Rock é atitude! Assim se fazem presentes em nossa história artistas como o carioca Luis Guilherme Brunetta Fontenelle de Araújo, mais conhecido como Tico Santa Cruz e vocal do Detonautas Roque Clube que vem mostrando sua força, presença e atitude em defesa do povo brasileiro por meio dos seus discursos e canções que fortalecem a luta pela derrubada de um governo genocida, autoritário e ameaçador a tão jovem democracia brasileira.
Tico que além de cantor, é compositor e escritor e estudou ciências sociais na Universidade Federal do Rio de Janeiro, vem lançando, desde 2020 com sua banda vários singles como crônicas do que acontece no Brasil. Fica Bem, Carta ao Futuro, Kit Gay, Político de Estimação, Mala Cheia, Micheque e Racismo e Burrice são alguns desses trabalhos já lançados que, juntos com os próximos três singles com previsão de lançamento para julho de 2021 formarão o seu mais novo álbum.
Em maio de 2020, no começo da pandemia, Tico compôs a canção Fica Bem.
“Fiz esta música no início da quarentena. Cheguei a postar nas redes sociais uma versão violão e voz, no mesmo dia em que criei. As pessoas gostaram tanto que resolvemos gravar com a banda completa. Emociona, arrepia e faz chorar de alegria”, ressalta Tico.
A letra e o arranjo que nos joga pra dentro da canção, que mostra empatia com os seres humanos e, através dela nos sentimos juntos e acreditando num amanhã que sim, virá.
“Ontem o mundo parou
Não deu tempo nem pra te abraçar
Tão de repente tudo mudou
Nada estava mais em seu lugar
Na mala não há mais bagagem
Não há destino pra seguir viagem
A noite chega, eu peço pr’isso tudo acabar
O sol saiu
Saudades de te ver sorrindo
Eu gosto de te ter por perto
Então fica bem
Hoje sonhei com nós dois
E os amigos na mesa de um bar
Dias incríveis que chegam depois
Essa tempestade vai passar
Em casa e sem noção do tempo
Tem dias que eu fico louco
A noite chega, eu peço pr’isso tudo acabar
O sol saiu
Saudades de te ver sorrindo
Eu gosto de te ter por perto
Então fica bem
O sol saiu
Saudades de te ver sorrindo
Eu gosto de te ter por perto
Então fica bem
Fica bem
Bem, bem
Bem, bem
Então fica bem.”
Os singles que vão sendo lançados por Tico e o Detonautas vêm carregados de engajamento político, social e cultural, questionando, fazendo duras críticas através dos fatos que são transformados em arte comunicadora, emocionantes, duras e com humor como o jeito sarcástico em Kit Gay:
“Roubaram o meu kit gay e eu não pude estudar
Por isso que eu nunca dei motivos para me julgar
Com um bilhão da Rouanet, comprei BM e mansão
Minha mamadeira de piroca que tinha ponta toda torta
Minha bandeira jamais será vermelha no grito
Sou preparado e treinado pra ser soldado do mito
Tenho espingarda, bazuca, fuzil, granada e oitão
Sou um seguidor do Olavão, sou o guardião do Capitão
Minto acima de tudo
Minto acima de todos
Minto acima de tudo
Todos juntos nessa saudação
Roubaram o meu kit gay e eu não pude estudar
Por isso que eu nunca dei motivos para me julgar
Na Terra plana me criei, não precisei me vacinar
Minha mamadeira de piroca que tinha ponta toda torta
Minha bandeira jamais será vermelha no grito
Sou preparado e treinado pra ser soldado do mito
Tenho espingarda, bazuca, fuzil, granada e oitão
Sou um seguidor do Olavão, sou o guardião do Capitão
Minto acima de tudo
Minto acima de todos
Minto acima de tudo
Todos juntos nessa saudação
Roubaram o meu kit gay
La-la-la-la, la-la-la-la
Minha mamadeira de piroca
La-la-la-la, la-la-la-la-la
Roubaram o meu kit gay.”
Tico traz a alma e a força de rockeiro, questionador e com atitude dá exemplo e mantém viva a chama do bom, velho e novo Rock’n Roll. Assim alfineta os reaças de plantão em Rockeiro Reaça:
“Nós entendemos que não precisa necessariamente ser de esquerda pra ser roqueiro, mas o rock é um estilo transgressor, e por isso não combina com autoritarismo e fundamentalismo. Alguns roqueiros no Brasil adotaram esse discurso, e tem vários que vão vestir a carapuça”, diz Tico no Podcast do TMDQA.
“Você parou no tempo e se tornou um boçal
A sua atitude de roqueiro do mal é uma farsa
Não tem mais graça
Espalha preconceito e desinformação
Dá voz à autoritarismo e negação, mas que desgraça
Tu é reaça
Agora é o retrato de quem te condenava
Repete as mesmas frases dessa gente babaca
Desculpe, mas não vou me juntar a sua ilusão
Desculpe, mas eu sou seu parça
Roqueiro reaça
Quando abre a boca é só decepção
Desculpe, mas eu sou seu parça
Roqueiro reaça
Quando abre a boca é só decepção
Você parou no tempo e se tornou um boçal
A sua atitude de roqueiro do mal é uma farsa
Não tem mais graça
Espalha preconceito e desinformação
Dá voz à autoritarismo e negação, mas que desgraça
Tu é reaça
Agora é o retrato de quem te condenava
Repete as mesmas frases dessa gente babaca
Desculpe, mas não vou me juntar a sua ilusão
Desculpe, mas eu sou seu parça
Roqueiro reaça
Quando abre a boca é só decepção
Desculpe, mas eu sou seu parça
Roqueiro reaça
Quando abre a boca é só decepção
Quando abre a boca é só decepção
Quando abre a boca é só decepção.”
O mês de julho é o período marcado para lançamento dos três últimos singles que irão completar o álbum. São eles: Clareiras, Bandeira do Brasil e Carta ao Futuro.
Tico Santa Cruz não tem rótulo, é gente que se importa com gente em sua vida social e, faz da sua arte importante instrumento de transformação e luta por um mundo de justiça e igualdade social entre todos, todas e todes, detonando cada ideia fascista e autoritária que, vez em quando nasce para morrer antes de sair das fraudas.
Para saber mais, acompanhe a entrevista com Tico Santa Cruz que vai ao ar no próximo domingo às 20 horas.
Ouçam Roqueiro Reaça AQUI.
*Músico, ator, historiador e pesquisador de cultura popular brasileira e latinoamericana. Instagram: @danilonunes013/Facebook: @danilonunesbr
**Editado por Solange Engelmann