Financiamento Popular
Casa da Cultura do MST no DF seguirá histórico de valorização da cultura popular
Por Janelson Ferreira
Da Página do MST
A campanha de financiamento coletivo para construção da Casa de Cultura do MST no DF e Entorno termina nesta segunda (6/9). A proposta é que a Casa seja um local de promoção, articulação, formação e organização da cultura popular. Ela ficará localizada no Centro de Educação Popular e Agroecologia Gabriela Monteiro, que fica no assentamento de mesmo nome, em Brazlândia, no Distrito Federal. Para doar e ter acesso a mais informações, basta acessar aqui.
Nesta última sexta-feira (3/9), a campanha de financiamento alcançou 25 mil reais. No entanto, é necessário arrecadar o total de 30 mil reais até a data de fechamento da campanha, sob o risco de perder todo o valor arrecadado até então se não alcançar a meta. Não sendo possível este financiamento, a construção da casa de cultura ficará inviabilizada.
A estrutura atenderá não somente as famílias Sem Terra da região, mas toda a classe trabalhadora do DF e suas organizações, como partidos, movimentos, sindicatos, etc. Tiago Evangelista, dirigente regional do Coletivo de Cultura do MST, ressalta o papel que o espaço vai assumir frente à cultura da classe trabalhadora que vive nas periferias do DF. “Dada a proximidade do Gabriela Monteiro com as áreas urbanas, a Casa de Cultura vai precisar considerar as manifestações culturais que ocorrem nas periferias do DF”, afirma o dirigente.
A Casa estará localizada no assentamento que fica a 35 Km de Brasília. Com relativa proximidade ao centro do poder político do país, o Centro de Formação possui um rico histórico de valorização da cultura popular.
Fruto da luta das famílias Sem Terra do DF e Entorno, o assentamento foi conquistado em 2002 – o local antes era um latifúndio voltado ao monocultivo-. Atualmente, 22 famílias estão assentadas no espaço. Na área coletiva do assentamento foi construído o Centro de Educação Popular e Agroecologia Gabriela Monteiro. Com a construção, no barracão onde, anteriormente, se armazenavam embalagens de agrotóxicos e maquinários, hoje existe uma plenária destinada à formação política e ideológica da classe trabalhadora.
Nesse sentido, Evangelista destaca também a importância que as famílias Sem Terra têm neste processo histórico. “A participação das famílias é fundamental, sujeitos centrais no enraizamento da cultura camponesa”, explica.
Desde o momento em que ainda era um acampamento, o Gabriela Monteiro já era um espaço de construção e articulação da cultura popular. “Foi neste barracão que ocorreram muitas reuniões, místicas, ensaios, construção de peças de teatro, ali surgiu a Brigada de Teatro Semeadores”, lembra Rafael Villas Boas, professor da Universidade de Brasília (UnB).
A Brigada Semeadores era composta por militantes do MST e criou diversas peças com temáticas ligadas à luta do Movimento, como “Trapulha” e “Como o fazendeiro sofre”. Estas peças, junto com diversas outras, acompanhavam a brigada em apresentações pelas regionais do MST. Mais do que assistir, as comunidades tinham o papel ativo na construção e discussão das peças apresentadas pela Semeadores.
Entre os anos de 2004 e 2006, o Gabriela Monteiro tornou-se um Ponto de Cultura, no âmbito da iniciativa da Rede Cultural da Terra. A Rede foi criada em 2004, pelo Ministério da Cultura, durante a gestão de Gilberto Gil, no então governo Lula, e tinha o objetivo de criar parcerias com os trabalhadores para desenvolver projetos que valorizem as atividades culturais nas zonas rurais. Ao todo, chegaram a existir 21 pontos de cultura em todo país, sendo que, um deles estava localizado no DF.
Assentado, junto com sua família, no Gabriela Monteiro e membro da Brigada Semeadores, Agostinho Reis destaca a relevância daquele período. “Quando fomos um Ponto de Cultura, passamos por processos de formação aqui mais de 500 pessoas”, lembra. Reis também destaca o papel da cultura para o MST: “o Movimento pega todo este movimento cultural e transforma em processo de formação, mostrando que a partir da cultura é possível formar e transformar”, afirma o assentado.
Nestes quase 20 anos de assentamento, já passaram pelo Centro de Formação diversos parceiros do MST, como a Cia Estudo de Cena, de São Paulo, os mamulengueiros Carlos Machado e Chico Simões, da escritora, poeta e dramaturga Cristiane Sobral, do cineasta Adirley Queiróz, da professora Iná Camargo Costa, do maestro Jorge Antunes, que ensinou a construir uma orquestra a partir de ferramentas de trabalho, entre muitos outros.
Simone Rosa, que é professora de artes em uma escola pública na Brazlândia, foi uma das doadoras para a campanha de financiamento da Casa de Cultura. Ela fala da relação complexa entre os equipamentos culturais públicos e a classe trabalhadora no DF. “Há uma negativa histórica de que os bens culturais são aqueles que têm o reconhecimento do aparelho oficial e que a classe trabalhadora não tem direito a acessá-los e tampouco é produtora destes bens artísticos”, explica a professora.
Diante deste cenário, Rosa ressalta a importância da luta do Movimento Sem Terra: “o MST, então, é esse movimento que nos inspira, pois luta não somente pelo direito ao trabalho digno, por meio da socialização da terra, mas nos ensina que a luta é pelo direito à vida plena por meio da educação e da cultura de maneira popular e soberana”, finaliza.
Deste modo, o Gabriela Monteiro consolidou-se como um importante espaço de formação política da classe trabalhadora na região, em especial das famílias Sem Terra. O espaço, que conta com biblioteca, plenária, ciranda, telecentro e alojamentos, já recebeu centenas de cursos e oficinas sobre os mais diversos temas. Turmas de 60 pessoas, vindas de vários estados, chegaram a circular pelo espaço.
Desigualdade
Assim como em várias outras dimensões, a disposição espacial dos equipamentos culturais públicos no Distrito Federal é marcada pela desigualdade. Conforme destaca Simone Rosa, a maior parte dos equipamentos culturais públicos estão na região central do Distrito Federal, principalmente em Brasília. “Estão, então, distantes de grande parte das Regiões Administrativas e, portanto, de acesso ainda mais complicado para as comunidades camponesas”, reflete Rosa.
Villas Boas também analisa a situação crítica das políticas públicas culturais no Distrito Federal. “O DF é um desastre no que diz respeito a investimentos em espaços culturais, um bom exemplo disso é o Teatro Nacional, fechado há anos”, aponta o professor.
Diante disso, ele destaca a relevância da Casa de Cultura: “a cidade tem direito a ter espaços culturais para a classe trabalhadora do campo e da cidade e é super importante que o MST no DF e Entorno reivindique para si ter um aparelho cultural para fortalecer a relação com outras organizações, a universidade e todos aqueles que queiram se aproximar”, finaliza.
*Editado por Wesley Lima