Cultura

Unidos da Lona Preta do MST no PR lança samba enredo inspirado em Paulo Freire

Música é composição coletiva de integrantes do Movimento, e cenário do clipe é o acampamento Herdeiros da Luta de Porecatu, norte do Paraná
Imagem da Unidos da Lona Preta, durante a gravação do clipe, no acampamento Herdeiros da Luta de Porecatu. Foto: Wellington Lenon 

“Sou lona preta, canto com amor!
Com pé na terra, bato tambor,
Viva Paulo Freire, educador do povo
Conquistando a liberdade, construindo um mundo novo”
(Refrão do samba “A unidos canta e conta Paulo Freire”) 

Por Ednubia Ghisi
Da Página do MST

O legado do patrono da educação brasileira é tema do primeiro samba enredo composto pela Escola de Samba Unidos da Lona Preta, coletivo formado por integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra do Paraná (MST-PR). Depois de cinco meses entre a composição e a gravação do clipe, a música “A unidos canta e conta Paulo Freire” será lançada às 19h desta sexta-feira (8), nas redes sociais do MST.  

A comunidade Herdeiros da Luta de Porecatu, localizada em Porecatu, norte do estado, recebeu a gravação do clipe do samba enredo. O ambiente da Escola Itinerante e das estradas de terra do acampamento se tornaram o cenário, com participação de camponeses e camponesas de todas as idades, moradores do local. 

Dona Lina, moradora da comunidade Herdeiros da Luta de Porecatu e participante do clipe. Foto: Wellington Lenon

Da composição até a gravação do clipe, o samba tem a marca de dezenas de militantes Sem Terra, em especial da juventude. “Foi uma obra coletiva do começo ao fim”, sintetiza Igor de Nadai, militante do MST, músico e coordenador da Unidos da Lona Preta no estado. A produção envolveu o Coletivo de Juventude e os Setores de Educação, Comunicação e Cultura do Movimento. 

“Criar esse samba enredo é realizar um sonho antigo nosso, e o centenário do grande educador popular brasileiro foi impulso pra nós. Paulo Freire é isso, é comunicação, cultura e educação popular. Não é do ensino tradicional e da sala de aula. Tinha tudo a ver com o que a gente queria no nosso primeiro samba enredo”, completa o músico.   

Gravações na comunidade Herdeiros da Luta de Porecatu. Foto: Wellington Lenon 

Harmonia das Escolas de Samba com a luta pela terra  

Se Paulo Freire inspirou a letra e o método de construção, as referências musicais vêm principalmente das Escolas de Samba. “Elas são reconhecidas pela sociedade por seu legado acumulado de música, estética e organização popular. Não à toa elas conseguem levar tanta beleza e com milhares de pessoas envolvidas, todos os anos”, garante Igor de Nadai. 

A Unidos da Lona Preta de São Paulo é a “madrinha” do grupo do Paraná, com presença da constituição e formação da juventude. Há dois anos, a Escola Leões da Mocidade abriu alas para a participação do MST no carnaval de Curitiba. A partir daí, a harmonia entre a luta pela terra e o samba no estado só cresce. 

O marco da entrada do MST no carnaval curitibano foi em 2020, quando um grupo de cerca de 20 pessoas (a maioria jovens) passou três semanas participando de cada etapa da preparação do desfile da Leões de Mocidade. Foram dias dedicados à confecção de alegorias, construção de carro alegórico, aos ensaios do desfile e da bateria. 

Confira a galeria de fotos:

Jovens do MST na confecção de alegorias da escola Leões da Mocidade. Foto: Juliana Barbosa
Registro da bateria da escola Leões da Mocidade, no final do desfile de carnaval, em 2020. Foto: Ednubia Ghisi
Ensaio para o Carnaval de 2020, com a bateria da Escola Leões da Mocidade. Foto: Lizely Borges
Juventude do MST durante o curso Formação Política do Carnaval, em 2020. Foto: Valmir Fernandes

“Foi o último pé que nós colocamos numa escola de samba antes da pandemia, e que não queremos mais tirar. Porque vimos que a escola de samba é um solo fértil também para o povo Sem Terra”, garante o militante.  

Do batuque na lata ao samba enredo 

A relação do MST do Paraná com o samba tem pelo menos uma década. O protagonismo da juventude no ritmo dos tambores, mesmo quando feitos de material reciclável. 

“Começamos com latas vazias de tinta, barril de vinil, e fazendo a coisa acontecer. Vimos que a juventude tinha vontade de fazer o que a gente chamava de ‘batucada’. Com o tempo, sentimos que era insuficiente, e que era preciso avançar”, relata Igor de Nadai, sobre os primeiros anos de organização das batucadas.  

Com inspiração nos acúmulos centenários das Escolas de Samba, vieram cursos práticos e teóricos, oficinas, e muita atuação prática em mobilizações. Entre aqueles que já gostavam do samba e os aprenderam a gostar, dezenas de integrantes do MST passaram por formações, e hoje também cultivam a música em seus territórios. 

Juliana Barbosa conheceu o tamborim aos 19 anos, em um dos cursos de música do MST realizados durante a Vigília Lula Livre, em Curitiba, em 2018. Na época, a jovem morava com a família no acampamento Dom Tomás Balduíno, em Quedas do Iguaçu. Ela veio à capital integrando uma das brigadas de apoio à Vigília, formadas por militantes do Movimento de todas as regiões do estado, ao longo dos 580 dias de manifestação diária pela liberdade de Lula. 

A primeira vez que pisou na avenida foi no carnaval do ano seguinte, já como integrante da bateria da Escola de Samba Leões da Mocidade. “Antes de eu ter contato com a bateria, eu não curtia muito. Para além de eu pegar o instrumento e aprender a tocar, eu fui aprendendo sobre a história do samba, que é uma cultura de resistência, é um povo que luta para ter seu espaço na sociedade assim como nós do MST. Aprendi a gostar e me identifiquei”, conta a jovem Sem Terra, sobre a transformação que viveu na relação com o gênero musical. 

Juliana Barbosa, nos primeiros meses de prática como tamborim . Foto: Lizely Borges 

A jovem que nunca se imaginou como integrante de uma escola de Samba, hoje enfatiza a importância das mulheres também aprenderem a tocar instrumentos e a compor. Fazer parte da composição do primeiro samba enredo da Unidos da Lona Preta é motivo de orgulho: “Foi um processo bem rico, bem coletivo e emocionante, porque não foram só os cinco dias em que a gente esteve lá na comunidade gravando. Foi desde 2018, quando comecei a tocar o primeiro tamborim na Vigília”, reforça.  

Confira abaixo a letra completa!

LETRA SAMBA ENREDO UNIDOS DA LONA PRETA-PR 2021

“A unidos canta e conta Paulo Freire”

Composição coletiva MST/PR

Sou lona preta, canto com amor!

Com pé na terra, bato tambor,

Viva Paulo Freire, educador do povo

Conquistando a liberdade , construindo um mundo novo

Abram alas,

vou me apresentar,

Sou lona preta ,

venho anunciar

A historia de Paulo que lia o mundo

de Pernambuco saiu a semear

Um mundo de letras e cores,

de batuques tambores,

um Brasil a soletrar

Ningúem liberta ninguém,

ninguém se liberta sozinho,

é a Unidos freireando com o povo,

e o oprimido libertando seu caminho

Quebra as correntes, cortam as cercas

Abram a roda, a Unidos chegou!

A Unidos chegou, a poeira levantou,

cantando um mundo que Paulo sonhou!

Lutar!

É preciso lutar…

Por educação,

Por terra e transformação,

Não se faz, educação,

sem amor,

sem liberdade!

A dor e a esperança dessa gente,

A Unidos hoje canta Paulo Freire 

Sou lona preta, canto com amor!

Com pé na terra, bato tambor,

Viva Paulo Freire, educador do povo

Conquistando a liberdade , construindo um mundo novo

*Editado por Fernanda Alcântara