Carta aberta de amor e de luta das Mulheres Sem Terra
Da Página do MST
Entre os dias 7 e 14 de março de 2022 acontece em todo o país a Jornada Nacional de Luta das Mulheres Sem Terra, com o lema: Terra, Trabalho, Direito de Existir. Mulheres em Luta não vão sucumbir! São diversas ações simbólicas acontecendo em todo país este mês, com a participação das mulheres do campo e da cidade.
Na Carta das Mulheres Sem Terra, as camponesas denunciam as violências estruturantes, do sistema capitalista que agride os corpos e adoece as mulheres, a mercantilização da vida, dos territórios e da natureza.
Confira abaixo a carta:
Carta aberta de amor e de luta das Mulheres Sem Terra
Olha o dia nascendo! E nós mulheres renascemos com o sol de março. Enquanto o povo vai acordando, já estamos ao pé do fogo, que lentamente transforma água em café, a massa em cuscuz, o arroz em baião, o pensamento em palavras e gritos e lutas. Estamos despertas.
Quantas vezes fervemos panelas, cuidamos as crianças, organizamos o terreiro para a vida, erguemos casas do impossível e rompemos o silêncio antes que alguém se desse conta? Nos embrenhamos nas madrugadas, cúmplices, e em fogo, paramos os trens da morte, os caminhões de venenos e o plantio das sementes transgênicas. Enlameadas, choramos e enterramos nossos mortos. Em luta e reza, nos fortalecemos pra defender nossos corpos e nossa terra. Preparamos desde a alma o unguento, o remédio, a cura. Plantamos a resistência, sob a batida dos tambores ancestrais, que nos convocam, novamente, a pôr nossos pés a caminho. Vestidas de chita, coloridas num misto de fúria, medo e alegria, lutamos por nosso direito de existir. Avisem que é hora de tremer o chão, pois mulheres em luta não vão sucumbir! Março nos convoca a seguir forjando outras possibilidades de existência, confrontando a lógica de devastação que massacra a vida, violentando nossos corpos e a natureza todos os dias.
Os povos da floresta nos alertam há muito tempo que a mata está morrendo em chamas. Que a grilagem de terras ameaça os povos indígenas, quilombolas e a agricultura familiar. Que o desmatamento destrói nossos bens naturais, que a comida envenenada nos adoece e apodrece o nosso solo. Que o garimpo e a violência matam trabalhadores e trabalhadoras todos os dias. A desigualdade que tanto nos fere segue determinando quem morre no Brasil. Quem passa fome. Quem fica sem casa. Quem fica sem terra. Quem vai pra cadeia. Quem entra na fila pra comprar ossos pra dar de comer aos filhos. Quem procura nos escombros algo que sirva pra recomeçar a vida. Enquanto isso, os responsáveis por essa destruição estão cada vez mais protegidos pelo privilégio e por leis que defendem seus interesses de mercado. Quem fica impune, quem nunca responde pelos desastres, quem lucra transformando tudo em mercadoria são as grandes empresas, minorias brancas ricas e governos que garantem a manutenção desse plano de miséria para tantos e fartura para poucos.
Nós mulheres trabalhadoras (camponesas, periféricas, indígenas, quilombolas, imigrantes, negras, LGBTQIA+) trazemos marcas muito antigas da violência e da pobreza que forjaram as relações e a cultura em nossa sociedade. Não é possível aceitar que nos dias de hoje as mulheres ainda sejam consideradas inferiores e tratadas como propriedade dos homens, sofrendo agressões de todo tipo e sendo mortas por isso. E porque não aceitamos é que enfrentamos tirania com partilha, ganância com solidariedade, medo com criatividade, ódio com alegria e vamos debulhando o milho, o feijão, o trigo, a vida, como quem debulha nossos sonhos. A nós interessa o amor, a felicidade e a transformação do mundo! Juntas seguiremos construindo territórios livres, onde a criançada brinca feliz, a comunidade se reúne em festejo e celebra, partilhando os frutos de seu trabalho digno. Onde tenhamos todes um teto aconchegante, quintais cheios de fartura, frutas, flores, ervas, comida saudável. Com tempo para desfrutar da vida, da prosa, do riso, da música e da poesia, uma vida melhor.
Se os poderosos pensam que nós vamos sucumbir é porque não perceberam que nós somos as criadoras, germinadoras de gente e sementes. Onde tem mulher pode ter também esperança, organização coletiva, luta, ousadia e rebeldia. Temos muitos desafios, mas vamos seguir na linha de frente, porque a história também é nossa e vamos decidi-la nas ruas, nas lutas e nos roçados. Nossa força vem das tantas lutadoras que tombaram, mas que vivem em nós. São raios de um sol que insiste em nascer mesmo em tempos de guerra, sol que nos sacode e nos faz fervilhar.
Terra, Trabalho, Direito de Existir
Mulheres em Luta, Não vão Sucumbir!
Jornada Nacional das Mulheres Sem Terra – MST
Março de 2022