Carajás 26 anos
17 de Abril: Marco da Luta Camponesa após 26 anos do Massacre de Eldorado do Carajás
Por Lays Furtado
Da Página do MST
Este domingo (17/4) é marcado pelos 26 anos do episódio que ficou conhecido mundialmente como o Massacre de Eldorado do Carajás. Por essa razão e devido a comoção internacional sobre esse episódio da história, o dia 17 de abril foi instituído como marco nacional e mundial da luta camponesa em defesa da Reforma Agrária.
Dessa forma, desde o massacre de Eldorado do Carajás, todos os anos no mês de abril, o MST realiza a Jornada de Luta em Defesa da Reforma Agrária, em luto e luta pelos 21 Sem Terra assassinados em decorrência do massacre. A tragédia, ocorrida em 1996, é um das maiores no campo já registradas no Brasil.
Na ocasião, além das mortes, a Polícia Militar do Estado do Pará mutilou outros 69 homens e mulheres que estavam em marcha na Rodovia PA-150, hoje Rodovia BR-155, enquanto reivindicavam a desapropriação da fazenda Macaxeira e implementação de uma vasta pauta de Reforma Agrária na região sul e sudeste do Pará. E até hoje, sobreviventes do massacre lutam por justiça e contra a impunidade.
Basta de massacres
Carajás não foi o único massacre contra os trabalhadores e as trabalhadoras rurais executado por policiais a mando do Estado, houve outros casos similarmente emblemáticos, como o ocorrido em 1995, em Corumbiara (RO), e de Pau D’Arco (PA), em 2017. E a violência no campo continua crescente tanto no Pará, quanto em todo o Brasil, com uma concentração histórica acentuada de casos na região Amazônica, e que agora têm como foco violações contra as populações indígenas.
Segundo dados preliminares divulgados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), sobre “Conflitos no Campo de 2021”, no ano passado foram registrados 35 assassinatos decorrentes de conflitos no campo. O que corresponde a um aumento de 75% nos casos de assassinatos, e de 1100% nas mortes em consequência de conflitos, comparados ao ano anterior.
Enquanto isso, a paralisação da Reforma Agrária no país impera, e a impunidade sobre tais violências sofridas nas zonas rurais continuam sendo geradoras de mais conflitos e mortes. Além disso, ao longo do último ano, foram registrados dois massacres e o aumento de 76% dos casos de trabalho escravo reportados no campo.
De 1996 até agora mais de 300 camponeses foram executados devido o conflito no campo, e “a impunidade segue perpetuando as violências contra aqueles que lutam na defesa dos seus territórios, da biodiversidade ou da implementação de uma política de reforma agrária”, alerta Ayala Ferreira, dirigente do setor de Direitos Humanos do MST.
O levantamento sobre os conflitos no campo é feito anualmente pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) desde 1985, mais de 90% das investigações dos casos nunca foram concluídas. Por isso, Ayala cita que o assunto ainda é tão pertinente nos dias atuais e a memória do que houve em Eldorado do Carajás não pode ser esquecida mesmo passados 26 anos.
“Foi o sonho que mobilizou aqueles trabalhadores a marchar no ano de 1996. E esse sonho, lamentavelmente, ainda segue sendo um sonho de não realização de uma efetiva e ampla política de reforma agrária no nosso país”, salienta a dirigente, ciente das mais de 90 mil famílias Sem Terra que ainda estão acampadas e em luta “Por Terra, Teto e Pão”, lema da Jornada Nacional de Lutas do MST este ano.
Impunidade, mais uma face da violência no campo
No caso de Eldorado do Carajás, dos 155 policiais que participaram do ataque aos Sem Terra em 1996, encurralando os dois lados da BR 155 enquanto mais de duas mil famílias marchavam, só dois oficiais acabaram condenados pelos assassinatos. Os dois condenados só foram presos dez anos após a condenação, em 2012. Em 2018, conseguiram cumprir pena em casa com tornozeleira eletrônica, alegando problemas de saúde.
A sentença em si só veio após inúmeras reviravoltas do processo jurídico. Somente em 2002, o coronel Mário Colares Pantoja, que comandava o 4º Batalhão de Polícia Militar, em Marabá (PA), foi condenado. O outro condenado foi o major José Maria Pereira de Oliveira, à frente na época de uma companhia independente da Polícia Militar do Pará. No primeiro julgamento em 1999, eles foram absolvidos.
O então governador do Estado, Almir Gabriel, e o secretário de Segurança Pública do Pará, Paulo Sette Câmara, apesar de terem dado a ordem de “liberar a via a qualquer custo”, sequer foram indiciados e a investigação contra eles foi arquivada ainda em 1997. Em 2016, Câmara, mandante da operação que originou o massacre, tornou-se consultor especializado justamente em segurança pública, chegando a presidir o Conselho de Administração do Fórum Nacional de Segurança Pública.
Sobreviventes aguardam por justiça e reparação do Estado
Frente a tal injustiça e impunidade, no início do ano passado, a ASVIMECAP (Associação dos Sobreviventes, Viúvas, Dependentes, Familiares e afins dos Trabalhadores Rurais Mortos no Massacre de Eldorado dos Carajás e em Conflitos Agrários no Estado do Pará) em parceria com a CPT e o Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL), levantaram uma lista de 25 sobreviventes que nunca receberam qualquer forma de reparação pelo acontecido naquele dia 17 de abril de 1996.
“Então, ademais da impunidade que levou à absolvição daqueles que executaram, comandaram e os que ordenaram a ordem do massacre, nós também temos esse abandono daqueles e daquelas que sobreviveram e que ficaram mutilados em decorrência da violência”, enfatiza Ayala Ferreira.
Ainda em 1996, o massacre de Eldorado do Carajás chegou a ser denunciado na Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), mas até hoje há pendências de reparação que permanecem frente à responsabilização do Estado Brasileiro. O que fez com que fosse pedido a reabertura da apuração da Corte perante a Organização dos Estados Americanos (OEA) sobre o caso. “O estado foi notificado para apresentar suas contra razões à nossa petição e estamos aguardando a decisão da Corte Interamericana sobre a retomada do processo, ou não”, explica João Batista, advogado da CPT.