Reforma Agrária Popular

Coletivo Agroecologia Paraopeba e o diálogo de saberes no encontro de culturas em MG

Parte das ações de enfrentamento e reparação que o MST tem feito após o crime da Vale em Brumadinho; Assistência técnica se fundamenta no diálogo de saberes como método de trabalho na região
Cooperação e agroecologia estão no centro das diretrizes políticas do MST no estado, especificamente na Bacia do Paraopeba, região metropolitana em que o Coletivo atua. Foto: MST MG

Por Coletivo Agroecologia Paraopeba*
Da Página do MST

O programa agrário do MST, expresso na sua concepção e proposição de Reforma Agrária Popular, ademais de identificar o agronegócio, o minério-negócio e o hidronegócio como expressões da materialização do capital no campo, e principais inimigos de classe dos povos do campo, das águas e florestas, postula um conjunto de políticas e ações que orientam as lutas populares pelas conquistas de direitos humanos fundamentais e a emancipação humana. Destacamos, neste momento, que a cooperação e a agroecologia estão postas no epicentro das diretrizes políticas (estratégias e ações cotidianas) em Minas Gerais, mais especificamente na Bacia do Paraopeba, região metropolitana em que o Coletivo Agroecologia Paraopeba atua.

Neste sentido, nos consolidamos como uma frente de enfrentamento político e técnico, materializada em ação, na regional metropolitana Milton Freitas do MST-MG, através do Projeto de Restauração Florestal e Desenvolvimento Rural Sustentável na Bacia do Rio Paraopeba. No cenário do nosso trabalho, está o enfrentamento ao minério-negócio e ao crime da Vale em Brumadinho. Silvio Netto, da Direção Nacional do MST, sintetiza que “a maior pena da Vale é financiar um projeto antagônico ao modelo de mineração capitalista de exploração do trabalho humano e depredação da natureza”.

Dentre outras ações técnico produtivas junto às famílias Sem Terra, o programa prevê a implementação de 10 hectares de sistemas agroflorestais e se insere na tarefa política do Plano Nacional do MST “Plantar Árvores, Produzir Alimentos Saudáveis”, que prevê plantar 100 milhões de árvores em dez anos. A equipe técnica que integra o Coletivo Agroecologia Paraopeba orienta sua ação militante-profissional na pedagogia da libertação de Paulo Freire, com destaque para os livros “Educação como Prática da Liberdade”, “Pedagogia do Oprimido” e “Extensão ou Comunicação?”.

Foto: Agatha Azevedo

Inspirados e orientados em Freire, o objetivo é superar a assistência técnica e a extensão rural formulada e imposta internacionalmente como instrumentos da agricultura industrial e financeira, controlada por corporações internacionais e os sistemas bancário e financeiro nominados de “revolução verde” e – que na sua forma atual configura o agronegócio. Bem como, combater a invasão cultural e a prescrição de pacotes tecnológicos industriais e comerciais.

A superação da invasão cultural própria da assistência técnica se faz pela convivência dentre a equipe técnica integrante do Coletivo Agroecologia Paraopeba e as camponesas e camponeses assentados e acampados em dinâmico processo de diálogo de saberes no encontro de culturas, que implica em compromisso e vínculo de classe com consciente pertencimento ao MST.  O desafio é forjar o avanço da organicidade política, a cooperação e a agroecologia de modo a promover o estabelecimento de agroecossistemas sustentáveis.

A organização da ação técnica se faz coletivamente a partir do estudo teórico do legado freireano, da crítica da economia política e da agroecologia, dentre outros. Parte-se do diálogo com as pessoas, com as quais se vai apreendendo os processos sociais e produtivos e tomando as decisões que vão compondo o planejamento de cada território.

A convivência com as famílias se dá a partir daí, orientada por um roteiro de questões abertas postas nos diálogos, podendo partir de aspectos da história de vida e da inserção e trajetória no MST, até um conjunto de questões para a apreensão das realidades ecológicas, agronômicas, econômicas, de organização do trabalho dentre outras. Amarildo, do assentamento 2 de Julho, compartilha: “Eu vivenciei este espaço como criança. E hoje sou adulto. Eu tive direito à minha infância. Eu vivi meus melhores anos da minha infância aqui, no MST”.

O conteúdo dialogado é sistematizado e posteriormente analisado por quatro categorias – as potencialidades, os limites, as perdas e as contradições –, de modo a se chegar a uma primeira apreensão da realidade de cada agroecossistema. As práticas de cooperação e agroecologia presentes nos agroecossistemas são potencialidades humanas. Alessandra, do acampamento Zequinha Nunes, afirma que sua vida e luta no Movimento “é um amor que não deixa sair, eu sou quem sou graças ao MST”.

A partir da análise da realidade, faz-se o plano de ação. Conformado na práxis superadora da invasão cultural, este tem no seu conteúdo a síntese cultural forjada no diálogo problematizador. Neste processo, se estabelece o cronograma e organização coletiva para a realização. Nesse sentido, reforcemos, não a assistência, mas a “insistência técnica”, ou seja, a ação pedagógica, ou nas palavras de Freire: “a educação como prática da liberdade”.

Agrofloresta

As famílias camponesas encontraram na agrofloresta um caminho de motivação e envolvimento coletivo, impulsionado na relação camponês a camponês, camponesa a camponesa, a partir da experimentação agroflorestal. Um dos exemplos foi o intercâmbio ao assentamento Emiliano Zapata, em Uberlândia, no Triângulo Mineiro, que estimulou a construção do coletivo de agrofloresta da regional metropolitana, onde o projeto atua.

Foto: MST MG

As iniciativas agroflorestais se destacam nos assentamentos 2 de Julho, em Betim, e Ismene Mendes, em Pará de Minas, no âmbito familiar camponês. No entanto, são os acampamentos Zequinha Nunes e Pátria Livre, em São Joaquim de Bicas, e o Maria da Conceição, em Itatiaiuçu, que se revelam como grandes “agroflorestonas”. É fascinante a magnitude que a visão do agroecossistema na perspectiva agroecológica agroflorestal proporciona, desde a grande diversidade de espécies vegetais presentes, até as inúmeras alternativas de composição dos arranjos agroflorestais, integrando no sistema as espécies condimentares, medicinais, ornamentais e aromáticas com as espécies frutíferas, olerícolas e anuais.

O destaque central é a presença do componente arbóreo no agroecossistema e o protagonismo do ser humano como parte integrante e criadora do sistema. Geraldo, do assentamento Ismene Mendes, explica: “A gente põe uma mudinha, logo põe outra, e vai pondo uma que outra, e aí forma uma mata. Ganha força. Se forma uma força”. Já Sueli, integrante do acampamento Pátria Livre, destaca a formação como parte da construção da luta pela terra: “Me formei uma nova mulher. Guerreira, livre para fazer o que eu quero. Lá fora é difícil a realidade. Hoje me encontrei, aprendi a amar, abraçar a causa. Acho que ganhei quando escolhi a bandeira”.

Foto: Agatha Azevedo

As famílias camponesas são as protagonistas da luta pela terra, pautando a Reforma Agrária Popular, a cooperação e a agroecologia, na busca por avançar em agroecossistemas sustentáveis na sua plenitude e garantir a segurança e soberania alimentar.

Portanto, fortalecer a organicidade do MST e a força política e capacidade produtiva das famílias assentadas e acampadas, é fundamental para continuarmos resistindo contra o avanço da mineração, e recuperando o território atingido. São estas as tarefas militantes que o Coletivo Agroecologia Paraopeba se desafia a construir cotidianamente.

*O Coletivo Agroecologia Paraopeba é composto pela equipe de assistência técnica do Projeto de Restauração Florestal e Desenvolvimento Rural Sustentável na Bacia do Rio Paraopeba, em Minas Gerais, executado pela Coopertrac. Participam os militantes do Setor de Produção, Viktor Marques, José Maria Tardin, Jéssica Croda, Laís Silva, Camila Iunes e Gabriel Coimbra.

**Editado por Agatha Azevedo e Solange Engelmann