Direitos Humanos

Estado brasileiro não consegue contestar assassinato de Antônio Tavares

Em audiência realizada na Costa Rica, representantes das vitimas da intensa repressão policial pedem que Corte Interamericana condene Estado brasileiro
Audiência aconteceu nos dias 27 e 28 de junho, na sede da Corte Interamericana, na Costa Rica. Foto: Reprodução

Da Terra de Direitos

Organizações representantes da família do camponês Antonio Tavares, assassinato pela polícia militar do Paraná e dos 185 integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) feridos pela forte repressão policial à ato no ano de 2000 esperam que a Corte Interamericana de Direitos Humanos condene o Brasil pela omissão e não responsabilização dos envolvidos no caso considerado pelo MST como o “mais emblemáticos do processo de violência e de criminalização na luta pela terra.”

Durante os dias 27 e 28 de junho as organizações representantes das vítimas, a viúva de Antônio Tavares, Maria Sebastiana, a também vítima Loreci Lisboa relataram à Corte, órgão vinculado à Organização dos Estados Americanos (OEA), sobre os fatos ocorridos na Rodovia BR-227, em Campo Largo (PR), no dia 02 de maio de 2000, sobre os impactos do assassinato de Tavares e da repressão na vida das vítimas e familiares e sobre as reivindicações por justiça, passados mais de 22 anos do crime.

A audiência ainda contou com a escuta da perita Ela Wiecko Volkmer de Castilho e representantes da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e da Advocacia Geral da União (AGU), do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos e da Casa Civil do Paraná, estes na figura de representantes do Estado brasileiro.  

“Nessa audiência o Estado Brasileiro não contestou que, de fato, houve uma grave violação de direitos humanos naquele conflito ocorrido em 2 de maio de 2000 na BR 277, próximo a Curitiba. Não contestou que, de fato, os agentes públicos tiraram a vida de Antonio Tavares Pereira e não contestou que outras vítimas sofreram graves lesões corporais”, destaca o coordenador da Terra de Direitos e presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos, Darci Frigo. Diversas provas, ao longo de mais de duas décadas, foram colhidas e submetidas ao Sistema Interamericano. Além da Terra de Direitos, a Justiça Global e o MST atuam como peticionários da ação na Corte.

“A gente espera que seja feita justiça e que agilize o mais rápido possível, que a gente tenha que retornar para reivindicar algo que no Brasil poderia ser resolvido”, destaca a viúva de Antonio Tavares. “Nós esperamos que a Corte reconheça, de fato, que essas violações ocorreram que o Estado Brasileiro precisa reparar tanto a viúva, Maria Sebastiana e seus filhos, e todas as outras vítimas que sofreram inúmeras violações dos seus direitos”, complementa Darci Frigo sobre as expectativas sobre o julgamento. 

“Não há dúvida nenhuma que o massacre da BR-277 foi o maior massacre político e institucional de um aparato de segurança pública estadual contra camponeses desde o fim da ditadura militar. Os testemunhos, os depoimentos, as perícias, os documentos revelam a ilegalidade de toda operação, a crueldade da violência empregada, a falta de atendimento aos feridos e o uso desproporcional de força ao contingente que estava lá”, destaca o integrante da coordenação estadual do MST no Paraná, Roberto Baggio.

Apesar das provas de autoria do disparo que levou a óbito o camponês Antonio Tavares, o policial Joel de Lima foi absolvido na Justiça Militar. Após denúncia feita pelo Ministério Público, foi dado início à uma ação penal da justiça estadual. No entanto, o Tribunal de Justiça, pôs fim ao processo criminal sob o fundamento de que o caso já havia sido arquivado pela Justiça Militar. A Procuradoria de Justiça não recorreu desta decisão. Com isso, tanto o assassinato do camponês, como a agressão à 185 permanecem impunes.

O caso Antônio Tavares é o terceiro a ser analisado pela jurisdição da Corte Interamericana envolvendo trabalhadores rurais sem terra. Em 2009, a Corte considerou o Brasil culpado pela não responsabilização dos envolvidos no assassinato de Sétimo Garibaldi, agricultor morto em 1998 durante um despejo ilegal de um acampamento do MST, em Querência do Norte, também no Paraná. No mesmo ano, a Corte também condenou o Brasil pelo uso de interceptações telefônicas ilegais em 1999 contra associações de trabalhadores rurais ligadas ao MST, também no Paraná.

Veja abaixo a manifestação das organizações peticionárias na audiência.

Passos futuros

Encerrada a audiência será concedido um prazo para que as partes apresentem alegações finais por escrito, contendo também informações e detalhes que venham a ser solicitados pela Corte. Em paralelo, há um prazo para envio de petições de amicus curiae (amigos da corte) por diferentes organizações, movimentos ou instituições do Brasil e do mundo que queiram colaborar com informações especializadas sobre algum dos temas debatidos no caso, tais como reforma agrária, criminalização da luta por direitos, violência contra defensores de direitos humanos, violência no campo, impunidade, seletividade do sistema de justiça, limites da jurisdição militar, direito ao protesto, dentre outros.  

As organizações têm a expectativa de que a decisão da Corte seja proferida em 2023. Ainda que o caso não tenha ocorrido durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), cabe à atual gestão responder – enquanto Estado – ao caso e uma possível condenação.

Foto: Arquivo APP Sindicato
Foto: Arquivo APP Sindicato

Sobre o massacre  

Cerca de 50 ônibus com trabalhadores rurais sem terra seguiam, no dia 02 de maio, em caravana do interior do Paraná à Curitiba para participar da Marcha pela Reforma Agrária, organizada pelo MST, em comemoração ao Dia dos Trabalhadores. Na BR-277, em razão de um bloqueio feito pela Polícia Militar, os passageiros desceram de um dos ônibus para perguntar o que estava ocorrendo, quando policiais militares fizeram disparos contra os trabalhadores, matando Antônio Tavares e ferindo outras 185 pessoas. A Polícia Militar agiu por determinação do Governo do Estado, sem amparo de qualquer ordem judicial.

Antônio Tavares tinha 38 anos quando foi assassinado, deixando esposa e cinco filhos. Era assentado da reforma agrária no município de Candói e fazia parte do Sindicato dos Trabalhadores Rurais da cidade. O ataque à Marcha não foi um caso isolado, está inserido num contexto de grande repressão aos movimentos sociais de luta pela terra no Paraná, endossada pelo então governador Jaime Lerner. Entre os anos de 1994 e 2002 – primeiro e segundo mandatos de Lerner – ocorreram 502 prisões de trabalhadores rurais, 324 lesões corporais, 07 trabalhadores vítimas de tortura, 47 ameaçados de morte, 31 tentativas de homicídio, 16 assassinatos, 134 despejos violentos no Paraná.

Em 2001, um ano após o assassinato, um monumento criado pelo arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer foi inaugurado no local do crime, às margem da BR -277. A obra de 10 metros de altura presta homenagem a Antônio Tavares e a todas as vítimas do latifúndio. Em reconhecimento ao risco iminente de dano ao monumento, a Corte Interamericana determinou – em caráter excepcional – determinou em 24 de julho de 2021, que o Estado brasileiro proteja o monumento até a decisão do mérito do caso na Corte.