Perfil Lutadora
“Ser uma mulher negra na sociedade em que vivemos hoje, é um ato de resistência!”
Por Barbara Zem, Setor Comunicação MST Paraná
Da Página do MST
Negra, mulher, LGBT, assentada e filha de assentados, economista e mestre em Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável, Cristina Stunger, hoje com seus 29 anos, nasceu em Toledo, região Oeste do Paraná, mas mora desde os 4 anos de idade no município de Paranacity, região Noroeste do Paraná.
Seus pais, dona Claudete Sturmer e seu Elson Borges (conhecido por Zumbi, que faleceu em 8 de outubro de 2020), iniciaram sua trajetória no MST em um acampamento no norte do Paraná e posteriormente foram para o município de Paranacity, onde foram assentados no assentamento Santa Maria, e ali construíram suas raízes. A primeira vez que saiu do assentamento foi quando passou no vestibular, e se mudou para Laranjeiras do Sul/PR, para estudar economia na Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS).
Nesse período em que morou em Laranjeiras, além de estudar, também trabalhou como projetista com gestão e construção de projetos. Além de várias atividades de extensão focadas em agroecologia e educação para cooperação. Após finalizar o curso, ingressou no mestrado sobre Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável. Também deu aula durante dois anos e meio no curso de Ciências Econômicas da UFFS, na área de Teoria Econômica.
Trajetória no MST
Um dos momentos que mais marcaram sua trajetória dentro do MST foi a participação da Brigada Internacionalista na Brigada Emergencial de Solidariedade ao Povo Moçambicano, em 2019. A experiência foi realizada na Brigada 4 de Outubro, em Moçambique. No intercâmbio, contribuiu com a ADECRU, uma organização moçambicana fundada há 11 anos por estudantes universitários, entidade responsável por convidar o MST a participar da brigada.
Essa brigada do MST foi criada como forma de solidariedade ao povo moçambicano, quando o ciclone Idai atingiu em 14 de março de 2019 Moçambique.
Dentro do Movimento, Cristina faz parte da diretoria da COPAVI (Cooperativa de Produção Agropecuária Vitória) e é da equipe do Finapop (Financiamento Popular da Agricultura Familiar), sendo responsável pelo departamento de projetos.
Hoje, sua maior contribuição no MST é por meio do setor de produção, focado principalmente nas questões da Agroecologia e Cooperação, e participação do coletivo LGBT do Movimento. Por estar presente nessas áreas, aprende a cada dia algo novo sobre o Movimento, a luta e as ações que ali são realizadas. Atualmente vive em São Paulo (SP), atuando como economista no Finapop, onde mora com sua companheira Gláucia.
Mulher Negra
Cristina comenta que teve a oportunidade de viver em um espaço coletivo que a permitiu desenvolver várias habilidades dentro de processos que a fortaleceram quando sujeito LGBT, quanto mulher e quanto se reconhecer como uma mulher negra. Um fator fundamental, foi seus pais já terem uma compreensão do mundo, seu pai por entender na pele o que é o racismo e como ele afeta as pessoas, a ensinou como lidar com diversas situações. Zumbi foi a primeira pessoa negra a se formar em agronomia na Universidade Estadual de Maringá (UEM), perto dos anos 2000.
Sua mãe, dona Claudete e exemplo de luta das mulheres Sem Terra, sendo uma mulher independente e com muita bagagem, que a inspira até hoje. “Estar dentro de um coletivo, de um assentamento, isso tudo fez com que eu me fortalecesse, tivesse uma compreensão de quem que eu sou, e quais são as opressões e mazelas que a sociedade vai colocar em cima de mim e na minha vida toda. Não torna menos difícil, mas te dá mais possibilidades de você se movimentar contra isso”, comentou Cristina.
“Acho que é isso um pouco do resumo do que é ser uma mulher negra dentro do Movimento, é não estar livre de todas as opressões e violências que o capital e a sociedade hoje impõe sobre os corpos das mulheres e sobre os corpos racializados. Mas ter condições e estruturas que permitam que você se reconheça quanto esse indivíduo e, se fortaleça e consiga se pôr em movimento dentro da ação coletiva”, afirmou Cristina.
Estar dentro do MST e realizar as ações coletivas, fizeram com que Cristina conquistasse o direito básico de se manter viva e de se empoderar como mulher, LGBT e negra. Todo o contexto de sua vida, o dia a dia e as ações que pratica a levam a pensar sobre tudo, sobre a sociedade, sobre as questões que diferem mulheres brancas e negras, e muitas outras questões que a convivência com outras mulheres negras a fizeram ter. Hoje tem uma visão mais geral sobre questões que a cor da sua pele trás e que sim, há uma necessidade de avanço na sociedade sobre esses temas.
A experiência que teve na brigada em Moçambique e a vivência de estar em um coletivo no MST a deixou ainda mais forte e consciente sobre ser uma mulher. “Eu tenho uma perspectiva completamente diferente de várias coisas da nossa luta e das mulheres negras, depois que eu tive contato com as mulheres africanas, e também com outras mulheres dessa rede que a gente tem do Movimento”.
“Há também a consideração de colocar no horizonte a construção da Reforma Agrária Popular e a necessidade de mudar as relações de produção, dos alimentos, das nossas relações humanas, o foco na cooperação e na agroecologia, que eu pude vivenciar quase a minha vida inteira aqui dentro do território que estou. Isso mostra como é gigante esse potencial de transformação de território e de produção de outras relações, que permitem que esses espaços sejam mais seguros para que as mulheres negras possam viver”, ressalta Cristina.
“Ser uma mulher negra na sociedade em que vivemos hoje é um ato de resistência”. Cristina comenta que esse ato de resistência não é fruto só da capacidade da pessoa em si de se manter viva, mas da relação e experiência que se tem com as mulheres que vieram antes de nós, nossas mães, avós, tias, amigas, nossas ancestrais. Que elas criaram uma estratégia de sobrevivência para que hoje nossos corpos e nossas mentes sejam mais saudáveis, na medida do possível.
“Eu sempre penso que eu sou produto, fruto, não só do presente que eu tenho hoje, da luta diária, das conquistas, mas é muito fruto das que vieram antes de mim e que construíram essas condições. Pensando num país que tem um processo, uma dívida histórica tão grande com o povo, um processo de apagamento, de inviabilização gigante das coisas que a população negra fez para o país e o recorte do patriarcado, fez com que a relação com as mulheres fosse muito dolorosa e muito difícil”, comentou.
Então sim, ser uma mulher negra hoje, é um ato de resistência, ainda há a necessidade de se mostrar forte, de se mostrar capaz numa sociedade doente e que coloca a mulher em segundo plano. “Então por um lado você tem uma situação gigante de descaso, uma situação gigante de violência múltiplas, que muitas mulheres sofrem diariamente, então é um ato de resistência continuar e tentar fazer diferente”, conclui Cristina.
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Conheça também Célia, mulher, negra e lutadora Sem Terra, que após uma vida itinerante de luta fincou os pés na terra conquistada, AQUI.
*Editado por Solange Engelmann