Agroecologia

Mulheres lideram luta por um modelo descentralizado de geração de energia limpa no Semiárido

A 14ª edição da Marcha pela vida das mulheres e pela agroecologia tem como tema “Borborema agroecológica não é lugar de parque eólico”
Foto: Articulação do Semiárido – ASA

Por Kleber Nunes*
Da Articulação do Semiárido – ASA

“Era uma promessa boa para uma comunidade sem emprego. Vocês têm a oportunidade de saber que antes a gente acordava com sossego, hoje a gente vive apavorado”. O depoimento da agricultora Roselma Oliveira, de Caetés (PE), durante a 14º Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia, na última quinta-feira (16), em Montadas (PB), traduziu a contradição dos pretensos projetos de energia sustentável que estão invadindo o Semiárido brasileiro.

De acordo com a Associação Brasileira de Energia Eólica, são 869 parques eólicos no país, sendo mais de 80% deles no Nordeste, com cerca de 8.200 aerogeradores instalados na região. Sob o pretexto de ampliar a matriz de “energias renováveis” e “limpas”, os ventos que sopram nas terras nordestinas estão levando riqueza para pequenos grupos empresariais e trazendo pobreza para os moradores locais.

“Prometeram melhorias na escola, cursos para as mulheres e emprego. Recebemos rachaduras nas casas, poluição da água das nossas cisternas e barulho 24 horas por dia, sem falar do sumiço dos animais”, afirmou a agricultora Núbia Rafaela Araújo, também de Caetés. A convivência com as torres, segundo ela, já dura oito anos e está cada vez mais difícil resistir. “O que mais tem são pessoas que hoje precisam tomar remédio para dormir”, acrescentou.

Para Roselma são anos de retrocesso. “Foi uma riqueza conseguir as nossas cisternas (que guardam água da chuva para beber e cozinhar). Antes a gente tinha que caminhar 2 a 3 quilômetros para pegar água. Hoje, o pó que as hélices soltam contamina a água da cisterna, contamina o solo e o nosso alimento”, contou a agricultora.

Com o ambiente insustentável para a moradia e o trabalho, o êxodo, sobretudo dos mais jovens, volta a aparecer como alternativa para quem é do campo, e coloca em xeque anos de trabalhos que visam a convivência harmoniosa dos povos rurais em seus territórios. A luta encabeçada por entidades da sociedade civil que reconhecem a riqueza e as potencialidades desses territórios, portanto, está ameaçada pelos aerogeradores.

“Estamos nos organizando como juventude camponesa porque a gente se pergunta: como será nosso futuro na agricultura se vierem estes parques? A gente já tem relatos que a maioria dos jovens saem para a cidade quando esses parques chegam porque não conseguem mais sobreviver ali. A gente quer que os jovens permaneçam no campo”, disse a jovem Daiana Araújo, de Esperança (PB).

Mulheres protagonizam a resistência

Daiana, Nubia Rafaela e Roselma foram algumas das mais de 5.000 pessoas que lotaram o centro da cidade de Montadas (PB) para denunciar os impactos dos parques eólicos, mas também das usinas solares sobre o Semiárido brasileiro. Este último modelo de produção energética tem contribuído com o desmatamento da Caatinga e, por consequência, com a aceleração da desertificação no bioma, uma vez que, para instalar as placas fotovoltaicas sobre o solo, as empresas fazem uso de herbicidas.

A 14ª edição da Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia propôs com o tema “Borborema agroecológica não é lugar de parque eólico” a conscientização das populações camponesas sobre a necessidade de lutar. O combate, no entanto, não é contra as energias renováveis, mas pela garantia de que os projetos sigam, de fato, uma rota sustentável desde a instalação das estruturas até o consumo da energia a partir de um modelo descentralizado.

A região do interior paraibano deve receber oito parques eólicos do Complexo Serra da Borborema, da empresa EDP Renováveis, além de três usinas fotovoltaicas das empresas Sices Brasil SA e Arigo Solar Energia SPE Ltda. “O que queremos aqui é dizer para a sociedade e para os políticos que a energia que nos interessa é a energia descentralizada. Essa, sim, vem para contribuir com a economia das vidas das famílias agricultoras e do município”, declarou a líder sindical, Ana Paula Cândido.

Foi com essa bandeira que mulheres de todas as idades e também homens marcharam pelas principais ruas de Montadas, chamando a atenção dos moradores e comerciantes que acompanharam o movimento. Alguns se juntaram à marcha e engrossaram o grupo reivindicando energia limpa e realmente sustentável.

A programação da 14º Marcha pela vida das mulheres e pela agroecologia contou ainda com a Feira das Margaridas – espaço de comercialização de produtos agroecológicos e estímulo à economia solidária -, além de uma exposição sobre feminicídio e outras formas de violência contra a mulher.

A cantora Lia de Itamaracá se uniu à luta das mulheres e se apresentou na marcha. Unidas e unidos em uma grande ciranda, os participantes encerraram, ao som da artista, a edição deste ano.

*Com colaboração de Lívia Alcântara e Verônica Pragana.