Ditadura nunca mais: memória, verdade e justiça
Por Setor de Formação
Da Página do MST
Em 31 de março de 1964, há 59 anos, tropas do exército deram início ao levante militar que rompeu com o Estado Democrático de Direito no Brasil. Nesse período, a sociedade brasileira vivia momentos de uma intensa mobilização popular e sindical, com propostas concretas de reformas de base e um recém-governo favorável à realização dessas reformas, empurrado por uma grande pressão social de movimentos sociais de massa organizados que exigiam a melhoria de suas condições de vida e da democracia.
Este processo, amedrontava a burguesia brasileira que temia sua significativa perda de privilégios e que conspirou abertamente para concretização do golpe empresarial-civil-militar. O golpe foi um movimento político que “inaugurou uma nova prática que se estendeu pela Argentina, Uruguai e Chile em um movimento que, além do contexto da guerra fria, se atrelava às necessidades do processo de acumulação capitalista transnacional.” (DORNELES, 2020)
Iniciava um longo período de 21 anos de ditadura empresarial-civil-militar, em que o Brasil foi submetido a inúmeras arbitrariedades, como a cassação de mandatos políticos, o desaparecimento, assassinatos, a prisão e a tortura inúmeros de brasileiros e brasileiras – foram milhares de camponeses e indígenas -, a supressão do voto direto, a clandestinidade dos partidos políticos e dos sindicatos, a censura à imprensa e opressão às manifestações artísticas e culturais.
O direito da população brasileira à memória, à verdade e à justiça foi negligenciada pelo Estado brasileiro, não houve uma ruptura com o passado, a retirada militar ocorreu de forma lenta, gradual e segura. Segura para os militares e para a burguesia que minimizaram e mascararam as atrocidades sociais, políticas e econômicas cometidas durante os anos de chumbo. (SAMPAIO, 2008)
Discutir a redemocratização do Brasil, passa por compreender sua precária política de transição pela garantia ao direito à memória e a verdade, e pela responsabilização das Forças Armadas pelos crimes cometidos. Essas são questões fundamentais para identificar e debater a continuidade do autoritarismo e da impunidade verificados na sociedade brasileira nos dias atuais.
Atualmente, 59 anos depois, a democracia brasileira continua sofrendo ameaças. O golpe à presidenta Dilma Rousseff em 2016, o ascenso da extrema direita concretizada pela eleição do Bolsonaro em 2018, os atos criminosos e antidemocráticos do dia 8 de janeiro, também são reflexos de um país que não contou sua história.
“A história que a história não conta”. (Samba enredo da mangueira 2019)
No Brasil, continua vigente como um resquício do período ditatorial a política de esquecimento e conciliação, atrelados as mazelas de uma sociedade desigual em que cada vez mais há concentração da riqueza, a ausência da reforma agrária, o genocídio e a invasão dos territórios indígenas, a negação dos direitos aos territórios e aos modos de vida quilombola, o aprofundamento da violência, da fome e da miséria diante da hegemonização do agronegócio, a morte da periferia preta, as execuções, desaparecimentos, torturas, ódio e intolerância fazem parte do legado da ditadura empresarial-civil-militar. (NOVAIS, 2019)
Atualmente vivemos uma guinada para a extrema-direita que estimulou todas as formas de revisionismo histórico, inclusive sobre os acontecimentos do golpe militar de 1964, com a disseminação em massa de fake news e delírios de setores conservadores, dentre eles, classificando de comunistas todos aqueles que discordam de seus posicionamentos.
Mas a história não é estática, ela é um constante movimento determinado pela luta de classes, ela é resultado da ação política dos trabalhadores e trabalhadoras que podem mudar o seu rumo e forjar novos caminhos para sua emancipação.
Permanece, até os dias de hoje, o anseio da classe trabalhadora pelas profundas transformações sociais e políticas. A resistência das diversas forças durante o período ditatorial, como a luta dos movimentos estudantis, de trabalhadores do campo e da cidade, artistas e religiosos permanece como legado de luta e força para aqueles e aquelas que projetam uma sociedade emancipada.
Salve os caboclos de julho
Quem foi de aço nos anos de chumbo
Brasil, chegou a vez
De ouvir as Marias, Mahins, Marielles, malês
O direito à memória, à verdade e à justiça, a criação de um sistema de reparações de danos, reformas institucionais e responsabilização individual dos criminosos de ontem e hoje são fundamentais para nossa luta atual. (NOVAIS, 2019)
“Brasil, meu nego
Deixa eu te contar
A história que a história não conta
O avesso do mesmo lugar
Na luta é que a gente se encontra”
Lutar pelo direito à memória, à verdade e à justiça é imprescindível para construção de um Brasil com justiça social e democracia.
Sem anistia aos torturadores e genocidas!!!!
Referências Bibliográficas:
1. BRASIL. Comissão Nacional da Verdade. Regimento Interno da Comissão Nacional da Verdade, resolução n. 8, 4 mar. 2013. Disponível em: http://www.cnv.gov.br/institucional-acesso-informacao/a-cnv/59-regimento-interno-da-comissao-nacional-da-verdade.html. Acesso em: 31 mar. 2023.
2. DORNELES. João Ricardo. Ditadura Nunca Mais. METAXY Revista semestral do Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas em Direitos Humanos do NEPP-DH/UFRJ. ISSN 2526-5229. Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/metaxy/announcement/view/424. Acesso 31 mar. 2023
3. NOVAIS, A. R. 2019. A inserção dos Povos do Campo na luta por Memória, Verdade e Justiça no Brasil. Tese de Doutorado em Ciências Sociais, Universidade Estadual de Campinas.SAMPAIO, Plínio. Vinte Anos da Constituição Federal (1988/2008): avanços e desafios para as políticas públicas e o desenvolvimento nacional I. In: IPEA. Vinte Anos da Constituição Federal (1988/2008): avanços e desafios para as políticas públicas e o desenvolvimento nacional. Perspectivas do Desenvolvimento Brasileiro – Seminário IV – Brasília: Outubro 2008