Internacionalismo

Uma solução Haitiana para a crise no Haiti

Entrevista com Camille Chalmers sobre elementos da atual situação no Haiti
Manifestante com a placa “Abaixo ocupação”. Foto: Brigada Internacionalista Jean Jaques Dessalines

Por Brigada Internacionalista Jean Jaques Dessalines
Da Página do MST

Desde o ano de 2018, o Haiti vive uma crise política, com instituições do Estado sendo deterioradas e as classes populares sendo violentadas. Esta situação vem se agravando com o passar dos anos, em uma situação com agentes bem definidos. Neste período, as mobilizações populares mantêm um posicionamento claro diante da crise, um posicionamento que exige, diante do CORE Group e BINUH-ONU, respeito à autonomia política do Haiti. 

As mobilizações populares levantam pautas históricas e denunciam a ingerência em que o Haiti é submetido, imposta pelos países Canadá, França e EUA, que proporcionam o aumento da violência das milícias em toda parte do país, assim como o aumento da inflação proporciona o aumento da miséria e da fome.

O papel político das mobilizações também é de buscar apoio de países solidários ao povo haitiano. Neste sentido, a Assembleia dos Povos do Caribe, enviou Carta com título “No a la intervención Militar Foránea en Haití – La crisis en Haití solo puede ser resuelta por el pueblo haitiano”, carta esta, direcionada ao presidente dos EUA, França e Canadá, em que denuncia a ilegitimidade do atual governo “…Após o assassinato de Moise, o Core Group interveio novamente para garantir que “seu homem” Ariel Henry fosse declarado primeiro-ministro. Henry não tem legitimidade. Não há presidente, não há parlamento, não há comissão eleitoral e praticamente todas as instituições do governo republicano foram destruídas. Seu governo, Sr. Presidente, é, portanto, culpado de apoiar um governo ilegítimo no Haiti; um governo que existe, mas é um governo que certamente não é democrático.

No mesmo sentido de denunciar, as organizações haitianas enviaram Carta ao conselho de segurança da ONU, ao senhor Vassily Nebenzia. Na ocasião, na data do dia 26 de abril, o Conselho de segurança iria discutir sobre a crise haitiana, para tanto a Carta das organizações haitianas, e assinalou três pontos fundamentais para serem discutidos pelo o Conselho:

  1. O princípio da autodeterminação: Os Estados Unidos da América têm uma resolução da ONU autorizando seu Ministério das Relações Exteriores a elaborar um plano de 10 anos para outro estado membro, o Haiti? Você poderia imaginar a ONU concordando em contradizer seus próprios princípios orientadores?
  1. Corresponsabilidade no respeito ao direito à vida: os Estados Unidos têm o direito de permitir que carregamentos de armas sejam despejados impunemente, alimentando constantemente incidentes sangrentos no Haiti? Um jornal nacional Le Nouvelliste chegou a informar que há mais mortes de civis registradas no Haiti do que na Ucrânia (Ref / Le Nouvelliste /21 de março de 2023/Mais civis morrem no Haiti do que na Ucrânia).
  1. O Fim dos Territórios Coloniais e da Igualdade Soberana: À medida que as Nações Unidas avançam para a quarta Década para a Erradicação do Colonialismo (2021-2030), não é chegado o momento de acabar com a colonização da ilha de Navase pelos Estados Unidos da América? Refira-se que este Estado-Membro, com esta apreensão, bloqueia o pleno gozo pelo Haiti da sua Zona Económica Exclusiva (ZEE), uma disposição da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar.

As pautas são históricas e demandam uma mobilização internacional de solidariedade ao povo haitiano. “Uma solução haitiana para a crise no Haiti” é a frase mais dita nas mobilizações, nos encontros e assembleias das organizações e partidos políticos.

E, para expor outros elementos da atual situação no Haiti, para também colaborar para que o país saia do isolamento midiático, a Brigada Dessalines realizou uma conversa com Camille Chalmers, coordenador da PAPDA – Plataforma Haitiana para o Desenvolvimento Alternativo, e dirigente do partido Rasin Kan Pèp la – Reagrupamento Socialista por uma Nova Iniciativa Nacional. Nesta conversa, apresentamos quatro questões para melhor entender a crise política haitiana. 

Foto: Brigada Internacionalista Jean Jaques Dessalines

Confira:

1. Quais são as forças políticas no Haiti hoje?

Há um bloco reacionário que defende o projeto do imperialismo reunido em torno de Ariel Henry que representa uma ala do PHTK. Este bloco reúne quadros e militantes do PHTK reunidos em torno do ex-presidente Michel Martelly. Sua liderança é temporariamente afetada pelo fato de estar na lista dos sancionados pelo Canadá.

Sete partidos políticos assinaram uma posição contra o acordo de Montana de 21 de dezembro, são heterogêneos, mas alguns têm peso real: UNIR (Clarens Renois), PITIT DESALIN (Moïse Jean Charles), GREH (Himmler Rébu), PHTK (Balthazar), OPL ( Gardy Leblanc), MOPOD (Jean André Victor), LAPEH (Anacassis).

Durante meados de 2022 e 2023, o nível de mobilizações populares caiu por vários motivos, inclusive pela ação de gangues. O Acordo de Montana mantém alguma força, mas é está debilitado, mas pode desempenhar um papel importante nas negociações. O FPP – Forum Patriotico Popular, não conseguiu se construir como uma força alternativa de esquerda.

À esquerda mantém força e presença: RASIN Kan Pep La; ASO; konbit; Ayiti Djanm; AKAO; KONTRAPEPLA; MOLEGHAF; Batay Ouvriye; Federações camponesas – 4je; Uma importante rede de organizações de direitos humanos (RNDDH, POHDH, BAI…) e; plataformas de organizações sociais como PAPDA, SOFA, e outras.

2. O que está em disputa?

a) A renúncia de Ariel Henry, que é ilegal, anticonstitucional, ilegítimo, designada por um tweet do chefe do BINUH – Escritório da Nações Unidas no Haiti;
b) As forças dominantes fazem todo o possível para legitimar o poder de Ariel Hanry e do PHTK.
c) A redução dos fenômenos de insegurança que envolvem o corte dos laços orgânicos existentes entre os membros das gangues e o governo;
 d) A alteração da constituição de 87;
e) A organização de eleições gerais no final do ano de 2023
f) Ocupação ou não ocupação por forças militares estrangeiras;
g) Apoio logístico e material à PNH (Polícia Nacional do Haiti). O governo importou 18 veículos blindados do Canadá e pagou em dinheiro para uma empresa privada desde junho de 2022. Apenas 11 veículos chegaram e começaram a chegar apenas 4-5 meses após a compra;
h) O abastecimento de combustíveis no país que foi 100% privatizado pelo Governo;
i) A aplicação dos planos do FMI;
j) Insegurança alimentar e fome;
k) Grilagem de terras da economia camponesa e as ameaças da megamineração;
i) Migração;
m) O salário mínimo;
n) A construção da unidade entre as forças anti-imperialistas;
o) Sanções unilaterais impostas pelos EUA, Canadá e República Dominicana

3. Qual a relação das gangues com o Estado haitiano?

As gangues são muito fortes em Porto Príncipe e em algumas regiões como Artibonite; são 7 grandes e 200 na região metropolitana. Os homicídios aumentaram 21% nos primeiros 4 meses do ano. Estamos falando de 815 mortos a bala entre 1º de janeiro e 31 de março de 2023. E mais de 637 sequestros no mesmo período.

As gangues recebem armas de guerra e munições em quantidades ilimitadas e se beneficiam de quase total impunidade e se beneficiam do apoio do imperialismo e das redes criminosas transnacionais com tráfico de drogas, lavagem de dinheiro e repatriação de grandes criminosos dos EUA.

A partir de segunda-feira, 24/04, a dinâmica mudou com a vitória dos bairros Debussy, Canapé Vert, Turgeau contra as gangues. Reforça a confiança nas forças do povo, constrói novas dinâmicas entre os bairros populares e a polícia. Pode levar a um processo revolucionário. A estratégia de soluções tem 3 eixos:

a) Cortar relações orgânicas entre gangues e poder;
b) Novas políticas econômicas e sociais contra as violentas dinâmicas de exclusão que mantêm 80% da população em condições sub-humanas;
c) Construção de forças públicas formadas numa doutrina de recuperação da soberania;

4. Quais ações pedem solidariedade internacional?

a) Desconstrução da narrativa contra o povo do Haiti
b) Informações que mostram a força das mobilizações populares
c) Coordenar ações de solidariedade entre as redes
d) Trabalhar para integrar os movimentos haitianos no Caribe
e) Desenvolver laços com movimentos pan-africanistas de esquerda
f) Desenvolver laços mais ativos com Cuba e Venezuela
g) Ganhar novo apoio para a brigada médica cubana
h) Ganhe novo suporte para a Brigada Dessalines
i) Construir laços diretos com o Partido Comunista da China
j) Construir programas de desenvolvimento (alfabetização, reflorestamento, educação pública e sistemas de saúde com o apoio direto dos Bancos BRICS
k) Construir uma liderança haitiana na questão dos afrodescendentes. Organizar o encerramento da década no Haiti em novembro de 2024 em comemoração à vitória de Vertieres em 1803.

*Editado por Fernanda Alcântara