Parceria

Do mar para a roça: parceria leva pescados frescos às famílias Sem Terra de SP

Intercooperação entre MST e Cooperpesca Artesanal de Iguape proporciona que famílias assentadas e acampadas tenham acesso à peixe de qualidade, a preço justo e com melhor remuneração aos pescadores e pescadoras
Agrovila 5 em Itaberá. Foto: Camila Bonassa

Por Coletivo de Comunicação do MST em São Paulo
Da Página do MST

“Olha que peixão!”. A expressão de surpresa e curiosidade era comum nas diversas áreas por onde passavam os pescadores vendendo seus produtos. Muitas pessoas que compravam tainha fresca iriam experimentar pela primeira vez um peixe de água salgada. É o caso de Fábio Luiz da Silva, do assentamento Pirituba – Agrovila 3, em Itaberá, que aprovou a iniciativa e já espera uma nova oportunidade.

“Foi muito boa a visita da cooperativa de peixes aqui a nossa comunidade, porque foi uma oportunidade que a gente teve de experimentar os peixes e de muita boa qualidade. Todo mundo que comprou gostou e eu também comprei, gostei e gostaria que viesse mais vezes para cá”.

Durante o mês de julho e os primeiros dias de agosto, foram realizadas vendas de pescados frescos em duas regionais do MST em São Paulo: Sudoeste e Campinas. O primeiro lugar visitado pela Cooperpesca Artesanal (Cooperativa dos Pescadores Artesanais de Iguape) foi o PDS Luiz David Macedo, em Apiaí. A ideia era fazer uma experiência de venda direta nos territórios de Reforma Agrária e sentir a aceitação das famílias assentadas.

Com o saldo positivo, o campo foi aberto para uma nova rodada, agora nas seis agrovilas do assentamento Pirituba, em Itaberá e Itapeva. Durante quatro dias visitando as áreas, foram comercializadas cerca de 1,1 toneladas de peixe fresco e mais, aproximadamente, 250 quilos de pescados congelados, entre peixes e camarão.

André Luiz Ferreira da Silva, mais conhecido como Leco, assessor jurídico e articulador da Cooperpesca, avaliou que a venda superou as expectativas e já planejava novas empreitadas. “A gente percebeu que além da tainha fresca, as pessoas querem experimentar outros preparos também. Filé, por exemplo, nós trouxemos pouco para ver como seria a aceitação e acabou muito rápido, então da próxima vez já sabemos que precisamos filetar mais e trazer. Camarão também teve muita procura, então temos que trazer em maior quantidade em outro momento”.

De acordo com o caiçara, a possibilidade de venda direta é valorosa tanto para o agricultor, que acessa um produto de qualidade, quanto para o pescador, que é melhor remunerado pela sua produção.

“É muito importante ter essa articulação, essa troca com os agricultores, porque a gente traz um alimento de qualidade que é o peixe do pescador artesanal. Não é um peixe que vai ficar um mês lá no gelo, que quando chega pro consumidor está quase dissolvendo. Então a gente vai vender peixe de qualidade, por preço justo e a cooperativa vai quebrar essa coisa do atravessador que faz com que o peixe de qualidade seja um alimento apenas das elites. A gente quer também que, assim como queremos comer um produto da agricultura de qualidade, sem agrotóxico, esse agricultor também tem o direito de ter como base alimentar o peixe”.

Agrovila 3 em Itaberá. Foto: Camila Bonassa

A parceria foi tão boa que a notícia se espalhou e outras regionais se interessaram em realizar a experiência. Entre os dias 3 e 6 de agosto foi a vez da Regional Campinas receber o grupo de pescadores, que visitou assentamentos Elizabeth Teixeira (Limeira), Milton Santos (Americana), Sumaré I, II e III (Sumaré), o acampamento Marielle Vive! (Valinhos), além do Espaço Agroecológico – que é uma parceria entre o Armazém do Campo e a Rede Livres.

No acampamento Marielle Vive, além da venda direta para as famílias, teve também dicas de receitas e almoço coletivo com peixe assado na brasa, camarão ao molho e espado. O Coletivo As Marielles organizou um karaokê e fez porções de peixe frito para vender. “Os acampados gostaram muito e até pediram que voltassem, porque o valores eram muito bons. No supermercado está muito caro o quilo e não compensa comprar, mas com eles compensou a compra dos peixes. O acampamento Marielle Vive gostou muito e aprovou”, contou Fernanda Fernandes, acampada e integrante do Setor de Educação do MST.

Acampamento Marielle Vive. Foto: Cintia Zaparolli

A passagem pelo Espaço Agroecológico também foi muito proveitosa, de acordo com Arielle Contrigiane, do Setor de Produção do MST.

“Bastante gente que vinha almoçar pode comprar os peixes e pessoas que tinham ido para comprar os peixes também entraram na loja para conhecer o trabalho do MST, os produtos do MST, então essa interação foi bem interessante.”

Além dos espaços do MST, também foram realizadas vendas na CUT, para o Confup – o Congresso dos Petroleiros que estava acontecendo na região – e na Quinta Total do Sindicato dos Petroleiros, um espaço semanal que reúne grupos de consumo e onde acontece um churrasquinho entre os aposentados da categoria.

Agrovila 5 em Itaberá. Foto: Camila Bonassa

Para Leco, esse tipo de parceria vai muito além da comercialização. Significa a articulação da resistência entre aqueles e aquelas que lutam em defesa de seus territórios.

“A gente tem uma visão de que o pescador artesanal é o agricultor do mar porque eles têm o mesmo tipo de nota produtora, têm regimes previdenciários especiais, mas, principalmente, têm uma relação muito estreita com seus territórios, tanto de terra quanto de mar. E são territórios que estão em disputa. O agronegócio está indo para o mar. Eles estão atrás das concessões das áreas marítimas que são os territórios marinhos das comunidades caiçaras e que são primordiais para o sustento delas. A pesca artesanal é o que garante a manutenção da biodiversidade marinha. Se a gente liberar para fazer as fazendas marinhas vai ser tanto a morte desses agricultores do mar como também do próprio ecossistema marinho, então a gente está se articulando e é muito bom estar junto com os agricultores.”

Hoje a Cooperpesca tem um quadro de 63 associados, entre caiçaras, indígenas e quilombolas. Também integra o Fórum de Pescadores Artesanais do Litoral Paulista, composto por 25 instituições que têm se organizado para lutar pelos seus direitos.

*Editado por Fernanda Alcântara