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Fim da CPI do MST: Desafios, resistência e fortalecimento do Movimento Popular

Confira balanço da CPI contra o MST e a importância da luta pela Reforma Agrária Popular no Brasil
 CPI contra o MST não conseguiu produzir um relatório final votado e aprovado pelos deputados. Foto: Luiz Fernando/MST

Por Fernanda Alcântara
Da Página do MST

O fim insignificante da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instaurada no começo deste ano contra o MST revelou uma série de desafios do Movimento e as diversas controvérsias da extrema-direita, levando em consideração as diferentes narrativas e notícias falsas que tentaram emplacar sem muita repercussão.

“Como todos puderam acompanhar, nossa militância e as organizações populares que fazem parte da Frente de Defesa da Reforma Agrária enfrentaram arduamente a CPI do MST, que chegou ao seu término em 27 de setembro”, destacou Ayala Ferreira, do setor de Direitos Humanos do MST.

A CPI contra o MST teve seu início marcado por total descredibilidade, devido à escolha do deputado Ricardo Salles como relator. Salles, ex-ministro do Meio Ambiente do governo Bolsonaro, ficou conhecido por sua frase “deixar a boiada passar”, que simbolizou a flexibilização das políticas ambientais e o apoio escancarado para a devastação da Amazônia em favor do agronegócio.

Desde o início, afirmamos que se tratava de uma CPI organizada e orquestrada por setores ruralistas ligados ao projeto agro-militar, que está alinhado com os interesses do capital no campo, representado pelo latifúndio do agronegócio. Eles empreenderam esforços para criminalizar o Movimento Sem Terra e barrar a reforma agrária, uma política essencial para combater as desigualdades e a fome no Brasil”

— Ayala Ferreira

Um ataque à democracia

Mesmo diante de um cenário majoritariamente hostil, o MST e parlamentares progressistas enfrentaram a CPI com determinação e organização, contando com o apoio das/os trabalhadoras/es rurais, além do suporte dos setores populares do país. Foram diversas manifestações de apoio em numerosas formas, desde cartas e manifestos até a participação de representantes populares em acampamentos, assentamentos e eventos culturais e de reforma agrária realizados ao longo dos meses.

Durante as sessões da CPI, o presidente do inquérito, Coronel Zucco, por diversas vezes fez uso de seu poder para exercer violência política e de gênero contra deputadas, especialmente as representantes do PSOL, como Sâmia Bonfim e Talíria Petrone. Os confrontos e bate-bocas frequentes protagonizados por parlamentares bolsonaristas geraram tensões e um verdadeiro “show” de misoginia e antidemocracia.

Em maioria, deputados de direita não permitiram que os representantes do MST pudessem expor suas verdadeiras bandeiras, como a agroecologia e a dignidade dos povos do campo. Dos 70 pedidos aprovados ao longo da CPI, 60 eram da oposição, demonstrando uma clara divisão política. Das 169 propostas apresentadas pelo PT, PSOL e PCdoB nos primeiros dois meses da CPI, apenas dez foram aprovadas, evidenciando a manipulação para um relatório incoerente com a realidade do Movimento.

Neste mesmo sentido, as diligências realizadas nos acampamentos do MST ficaram conhecidas por seu caráter invasivo, truculento e preconceituoso não apresentando evidências concretas de irregularidades. Ao término da CPI, não foram apresentados os reais problemas do campo e os entraves que impedem a efetivação da reforma agrária no país, e é senso comum que a comissão serviu mais como um palanque político para a direita bolsonarista do que para investigações sobre os verdadeiros responsáveis pela violência no campo.

Para Ayala, é fundamental compreender que a derrota da tentativa de instituir a CPI do MST não representa a desarticulação dos ruralistas. “Eles continuarão a perseguir e criminalizar a luta pela terra e pela reforma agrária, bem como as organizações que defendem essas causas cruciais para o povo brasileiro e a sociedade como um todo. Aqueles que apoiam a reforma agrária, o Movimento Sem Terra e a busca por um país mais igualitário devem permanecer vigilantes e ao lado dos trabalhadores na defesa de seus direitos”.

Momentos importantes

Em sua participação no dia 15 de agosto, João Pedro Stedile, da direção nacional do MST, apontou um erro de procedimento na CPI do MST, argumentando que a comissão deveria ter focado em uma amostra aleatória dos assentados e acampados, em vez de selecionar grupos previamente, para obter resultados mais representativos. Ele destacou que o MST tem 500 mil famílias assentadas e 60 mil famílias acampadas no país, sugerindo que uma amostra aleatória de 1% equivaleria a 5 mil famílias, embora amostras mais robustas fossem preferíveis.

João Pedro Stedile e apoiadores durante cortejo pelos corredores da Câmara. Foto: Mariane Andrade

A chegada de João Pedro Stedile à “CPI do MST” foi marcada por um cortejo, com mães e filhas de santo, líderes Sem Terra, parlamentares e outros representantes do movimento social. Eles caminharam pelos corredores da Câmara Federal. Na entrada da sala da comissão, a segurança limitou o acesso, e Stedile, convocado como testemunha, enfrentou dificuldades para entrar.

Por outro lado, o relator da comissão, deputado Ricardo Salles, acusou lideranças do MST de constranger assentados e acampados para seu próprio benefício. Stedile argumentou que esses casos não podem ser generalizados e sugeriu que a comissão contrate a Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp) para conduzir uma pesquisa que identifique líderes envolvidos em tais práticas, enfatizando a importância de evitar generalizações sobre o movimento como um todo.

O Ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, também convidado para depor no dia 17 de agosto, declarou à CPI do MST que a ocupação de terras como forma de manifestação pela reforma agrária é um movimento legítimo, afirmando que “reivindicar a terra devoluta é legítimo”. No entanto, ele esclareceu que é contrário à invasão de terras privadas e prédios públicos, que são proibidas por lei, enfatizando que quem exacerbar nesses atos deve responder por isso.

O fracasso da direita

A CPI do MST não conseguiu produzir um relatório final votado e aprovado pelos deputados, frustrando as expectativas de Salles e Zucco, que pretendiam criminalizar de forma geral os movimentos sociais. Em contrapartida, a campanha “Tô com o MST” ganhou grande apoio na sociedade, envolvendo intelectuais, artistas e milhares de organizações sociais em todo o Brasil. O MST recebeu aproximadamente 65 mil assinaturas através da plataforma MST em Debate, além de centenas de notas e moções de apoio.

“O verdadeiro Movimento Sem Terra é aquele que luta pela terra, ocupa o latifúndio e questiona a propriedade privada da terra que não cumpre sua função social, uma realidade em muitas áreas rurais do Brasil. Também é um movimento que, quando necessário, se organiza para produzir e distribuir alimentos, oferecendo solidariedade às comunidades que mais precisam, como as famílias afetadas pelas enchentes no Rio Grande do Sul”, lembra Ayala Ferreira, do setor de Direitos Humanos.

Assim, entre falsas acusações e um discurso indecoroso, o relatório elaborado por Ricardo Salles, como previam os analíticos, foi distante da realidade do MST. O retardamento da divulgação do relatório, em uma clara tentativa de realizar manobras políticas que garantissem a sua aprovação, culminaram neste final fracassado de um processo que nem deveria ter sido aberto.

A direita se viu com uma tentativa vexatória de pressionar o governo Lula, enquanto o MST, como movimento social, saiu fortalecido graças ao apoio recebido da sociedade e de apoiadores da luta em todo o mundo. O Movimento continuará sua luta pela Reforma Agrária Popular, contra a fome e pela produção de alimentos saudáveis, pelo plantio de árvores e, acima de tudo, pela dignidade das pessoas que vivem no campo, independente das controvérsias políticas que o cercam.

“Convocamos todos a permanecerem atentos a esse projeto que, embora momentaneamente derrotado, ainda representa uma ameaça que precisa ser totalmente eliminada. A única maneira de derrotá-lo é assumir com força e resistência o compromisso de incluir os trabalhadores na defesa de seus direitos, na luta pela terra, na implementação da reforma agrária, na defesa da democracia e das liberdades, essenciais para a emancipação de todos aqueles que buscam uma vida melhor”, conclui Ayala Ferreira.

*Editado por Solange Engelmann