Internacionalismo

Cuba e MST celebram 40 anos de parcerias em encontro em Havana

Amigos do MST em Cuba se reuniram para relembrar suas lutas compartilhadas

Encontro em Havana celebrou a parceria. Foto: Gabriel Vera Lopes

Por Gabriel Vera Lopes
Do Brasil de Fato

Pouco antes do 40º aniversário do MST, no dia 22 de janeiro, uma delegação do movimento se reuniu para celebrar a amizade com o povo cubano. O encontro foi realizado no Centro Memorial Martin Luther King, em Havana, um espaço ecumênico de inspiração cristã dedicado à educação popular. 

O encontro foi saudado pelo presidente de Cuba, Miguel Díaz-Canel, por meio de sua conta no X (antigo Twitter): “Abraço fraterno aos companheiros do Movimento dos Sem Terra (MST), que iniciaram no Centro Martin Luther King as comemorações dos 40 anos de ações solidárias e de luta compartilhada entre nossos povos”. 

A celebração contou com a presença de quase 70 pessoas que, ao longo destas décadas, têm sido companheiras e companheiros de caminhada junto ao movimento. Personalidades e instituições que acompanharam e trocaram ideias e projetos com o MST em diversos campos, como a formação política, a educação, a agricultura, a cooperação, a solidariedade e o internacionalismo. 

“Essa relação entre o MST e Cuba tem mais de 30 anos, ao longo dos quais vivemos e experimentamos o humanismo cubano com os povos do mundo”, explica Nivia Regina da Silva, dirigente do MST, ao Brasil de Fato. “Eles nos ensinaram muito. A solidariedade sempre foi a sua resposta direta contra o imperialismo que tenta isolar Cuba do mundo”.

Por mais de três décadas, Cuba tem oferecido a jovens camponeses Sem Terra do Brasil a oportunidade de estudar na ilha. Para isso, foram oferecidas bolsas de estudos universitários, assim como encontros para a troca de conhecimentos e experiências em agricultura.  

“Cuba formou nossos médicos, formou vários de nossos agricultores com mestrado em agroecologia. Ensinou-nos a aprender sobre agroecologia e o método de camponês para camponês. Cuba formou muitos de nossos líderes nacionais do MST. Tudo isso é uma demonstração incrível de que essa ilha é realmente uma ilha que busca contribuir com todos os povos em luta. Com todos os povos e suas causas justas, pela liberdade, pela emancipação dos povos em toda a América Latina”, acrescenta.

Foto: Gabriel Vera Lopes

Reforma Agrária Popular

Durante a reunião, destacou-se a irmandade entre o MST e as organizações camponesas da ilha. 

Antes do triunfo da revolução em 1959, Cuba estava marcada por uma profunda desigualdade social, ligada em grande parte pela concentração da propriedade da terra. Estima-se que 80% das terras cultiváveis pertenciam a grupos dos EUA. Essa situação fez da luta contra o latifúndio uma das principais bandeiras da Revolução Cubana. 

Com o triunfo da revolução, uma das primeiras medidas adotadas pelo governo foi a aprovação de uma lei de distribuição de terras em benefício do campesinato pobre do país. Assim, no dia 17 de outubro de 1959, foi aprovada a primeira reforma agrária. 

No segundo aniversário da reforma agrária, em 1961, foi criada a Associação Nacional de Pequenos Agricultores (ANAP), uma organização social cujo objetivo era representar os interesses dos camponeses cubanos e zelar por seus direitos.

“Eu me perguntava por que há tanta coincidência entre as lutas do MST e da ANAP? E quando olhamos para as origens de nossas organizações, entendemos o motivo dessa coincidência”, explicou Leonardo Chirino, membro da Direção Nacional da ANAP, durante a celebração. 

Chirino foi um dos primeiros a tomar a palavra durante a atividade. Relembrando a história de amizade entre a ANAP e o MST, destacou as articulações que ajudaram a formar a Via Campesina assim como várias escolas de agricultura no continente.  

“Antes do triunfo da revolução, Cuba tinha uma alta concentração de terras. A mesma coisa que se observa no Brasil e que deu origem às lutas do MST. Aqui também havia assassinatos de famílias de camponeses por latifundiários, exatamente como ocorre hoje no Brasil. Estávamos falando aqui sobre como no campo, antes do trabalho do MST, as pessoas não sabiam ler ou escrever; em Cuba, antes da revolução, mais de 78% dos camponeses eram analfabetos. O que eu quero dizer é que há muitas semelhanças que deram origem às nossas lutas”, acrescentou.

La ANAP e o MST conseguiram fortalecer conjuntamente os laços de cooperação que lhes permitiram compartilhar conhecimentos específicos sobre o desenvolvimento da agricultura e da agroecologia.

Da mesma forma, ao longo dos anos, por meio de intercâmbios educacionais com Cuba, o movimento brasileiro conseguiu promover a alfabetização de mais de 100 mil pessoas por meio da implementação do método cubano Yo sí puedo (Sim, eu posso, em tradução livre). Ao mesmo tempo, dezenas de camponeses sem-terra foram formados como médicos na Escola Latino-Americana de Medicina, em Havana, por meio de um sistema de bolsas de estudo, que continua até hoje.

Foto: Gabriel Vera Lopes

“Eu sou uma militante do MST”, se apresentou Aleida Guevara, filha de Che, com um enorme sorriso. Relatando histórias, Aleida contou como foi que conheceu e se apaixonou pelo movimento à meados da década de 1980. 

“Muitos anos atrás, fui convidada a visitar alguns dos acampamentos do movimento. Me lembro de estar caminhando em meio de um campo e, de repente, vi uma placa que dizia acampamento Che Guevara. Fiquei olhando para a placa, surpreendida. Então, um camponês que passava ao meu lado, vendo-me ali parada, perguntou-me: “O que você está olhando? Um pouco surpresa, respondi: ” Bom, o nome, por que é?” Ele ficou olhando para mim, quase como se estivesse com raiva. Até que ele gritou: “Como assim, por quê? Porque, assim como o Che, lutaremos até a vitória sempre”.  

A voz de Aleida fez uma pausa reflexiva. E olhando para as pessoas presentes, ela disse: “Isso quer dizer que esse camponês, no meio do nada, não só sabia quem era o Che, mas também tinha plena consciência de por que estava lutando e de como sua luta estava ligada à do Che. Isso não apenas me impressionou profundamente, mas também me marcou profundamente”. 

“O Movimento dos Sem-Terra é o movimento social na América Latina, e talvez no mundo, que mais pratica o Che, que mais o mantém vivo. E eu sou imensamente grata por isso”, disse ela.

Em qualquer lugar, em qualquer continente… 

“As brigadas do MST em Cuba e o Centro Martin Luther King mantêm uma amizade que já tem 30 anos. O caminho que foi construído ao longo de todos esses anos não é pequeno”, afirma Camila Guerrero Calcines, membro da área de solidariedade do CMLK, ao Brasil de Fato.

“O centro tem sido uma casa de encontro para as diferentes pessoas que desempenharam o papel de brigadistas em Cuba. Nesse sentido, temos acompanhado fundamentalmente os processos de formação, acompanhamos os diálogos com a Escola Latino-Americana de Medicina de Cuba (ELAM) e fazemos parte dos processos de intercâmbio que ocorrem com a Escola Florestán Fernandez e a Escola Latino-Americana do CMLK”.

Durante essas décadas, a CMLK tem sido uma companheira do MST, não apenas em Cuba, mas em todo o continente. A partir dos processos de formação política dos movimentos sociais em toda a América Latina e no Caribe.

“Tem sido uma relação muito rica e que contribui para o diálogo também com outras organizações aqui em Cuba, que fomentamos no trabalho cotidiano da brigada e do centro. Estamos não só celebrando esses anos de amizade, mas também brindando por muitos mais”.