MST 40 anos
Em ato celebrativo dos 40 anos, MST reafirma papel das ocupações para cobrar Reforma Agrária
Por Ednubia Ghisi, do Setor de Comunicação e Cultura do MST no PR
Da Página do MST
A diversidade de amplos setores da esquerda brasileira marcou o Ato Político em comemoração aos 40 anos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), realizado neste sábado (27/01), na Escola Nacional Florestan Fernandes, em Guararema (SP). O encontro também encerrou a Reunião da Coordenação Nacional do Movimento, iniciada no dia 22, com a presença de militantes de 24 estados brasileiros.
Entre ministros do governo federal, representantes de dezenas de movimentos populares, sindicais, partidos, entidades, coletivos, amigos e militantes do Movimento de 24 estados, cerca de 800 pessoas participaram do encontro. Estiveram presentes os ministros Paulo Teixeira, do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA); Silvio Almeida, dos Direitos Humanos e da Cidadania; Márcio Macêdo, secretário Geral da Presidência da República; Luiz Marinho, do Trabalho e Emprego; Cesar Aldrigues, presidente do INCRA.
A mística de abertura do encontro trouxe o som provocativo de colheres batendo em pratos vazios e a afirmação entoada em coro por militantes Sem Terra: “Tem gente com fome. A fome é uma invenção dos que comem. Se tem fome, dá de comer”. Estes mesmos pratos apresentaram as palavras Reforma Agrária, luta central do MST para superação da fome desde sua origem, e reafirmada no contexto atual.
Lucineia Durães do Rosário, a Liu, da direção nacional do MST pela Bahia, enfatizou que foi por meio da ocupação da terra que 400 mil famílias de ex-boias-frias, ex-desempregados, camponeses e camponesas pobres foram assentadas e saíram da situação de insegurança alimentar. A militante emocionou a plateia ao falar das mais de 100 mil pessoas alfabetizadas pelo Movimento, e a criação de 185 cooperativas, dados que sinalizam para as inúmeras conquistas ao longo das quatro décadas.
Diante dos ministros do governo e da plateia atenta, a militante baiana lembrou as mais de 70 mil famílias que seguem vivendo em acampamentos, e da urgência da efetivação da Reforma Agrária como caminho para enfrentar a fome.
“Essa caminhada nos traz aqui dizendo que nós temos muita responsabilidade, e queremos dizer para o conjunto dos companheiros: seguiremos lutando pela Reforma Agrária usando de uma prática pedagógica que construiu o nosso movimento que é a ocupação da terra. Não faltaremos com esse processo de luta que é um instrumento que as nossas organizações construíram até aqui”, afirmou, se referindo às críticas vindas por parte de setores do governo sobre as ocupações realizadas no último ano.
Leia abaixo a “Carta aberta do compromisso do MST com a luta e o povo brasileiro”, resultado da Reunião da Coordenação Nacional:
O tempo da Reforma Agrária é de pressa
Depois de afirmar a gratidão do presidente Lula ao MST, o ministro do MDA, Paulo Teixeira, garantiu compreensão sobre a urgência em avançar com a reforma agrária e a demarcação de terras indígenas e quilombolas. “Nós já estamos preparados pra desencadear esse processo de reforma agrária […]. Nós não vamos vacilar um minuto, o tempo político nosso é o tempo da pressa, a bandeira política nossa é a da reforma agrária”.
Teixeira contou conhecer o MST “desde o primeiro dia”, e contrapôs os que pregam o fim do movimento. “Às vezes a elite brasileira diz que tem que acabar o MST. Enquanto durarem as desigualdades, queremos mais MST, para melhorar esse país e democratizá-lo profundamente”.
O Secretário Geral da Presidência, Marcio Macedo, também trouxe um abraço de Lula e reforçou o respeito e a admiração do presidente ao movimento, e reconheceu a capacidade de a organização se reinventar ao longo dos 40 anos, “sem abrir mão do seu conteúdo ideológico, mas incrementando os conceitos muito importantes como o da agroecologia, da sustentabilidade, como o movimento que fala culturalmente com o Brasil, que tem um princípio sagrado da defesa da democracia”.
Para além da pauta de reivindicações, o Macedo defende ser tempo de “aumentar o patamar e fazer o debate político de enfrentamento das elites internacionais da extrema direita, e fazer a disputa de hegemonia na sociedade”.
Luiz Marinho, ministro do Trabalho e Emprego, garantiu ser “fundamental que todas as organizações de esquerda olhem os exemplos que o MST nos dá, especialmente rumo à unidade […]. Muitas vezes o MST nos empurra, muitas vezes nos mostra o caminho, e vamos, democraticamente, juntos, na construção de uma unidade necessária do campo da esquerda, para fazer o governo do presidente Lula ser vitorioso”.
O ministro dos Direitos Humanos e Cidadania, Silvio Almeida, revelou ter no MST um exemplo e inspiração para ressignificar a política de direitos humanos no Brasil. “O MST tem feito política de direitos humanos há muito tempo, tem nos ensinado como fazer política de direitos humanos”, garantiu.
Almeida elencou três linhas que orientam as políticas do Ministério, influenciadas por lições do MST: 1) a aliança entre teoria e prática, “não se faz revolução sem ciência”; 2) o internacionalismo, “a luta pelos direitos humanos no Brasil é a luta e solidariedade também com aqueles que estão sofrendo em todos os lugares do mundo”, disse, manifestando solidariedade também ao povo palestino. O internacionalismo esteve pautado ao longo do ato, em especial pelo fim do genocídio do povo palestino e pelo fim do embargo econômico a Cuba. 3) revolução com o povo: “O MST nunca pensou a revolução brasileira sem o povo brasileiro […], a luta ideológica é central, mas também é uma luta pelas mudanças das condições materiais do povo brasileiro, que se dá no ponto da economia e na política”.
Aliança popular, nacional e internacional
Das ocupações de terra às comunidades periféricas urbanas, na diversidade religiosa, de gênero e na emancipação das mulheres, na aliança e solidariedade internacionacionalista. O papel do MST na construção de unidade popular nas lutas nacionais e internacionais deram o tom das falas de diversas lideranças presentes no ato.
“O MST desde o início de sua caminhada compreendeu a importância da solidariedade internacional, reafirmando a importância da soberania alimentar, da Reforma Agrária e também de outro mundo possível”, enfatizou Anderson Amaro, dirigente do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e da Via Campesina, articulação internacional que reúne 182 movimentos e organizações camponeses, em 80 países de todos os continentes.
As demandas pela superação da fome e a superação das desigualdades e acesso a direitos são as pautas comuns que aproximam cada vez mais o MST e movimentos populares urbanos. Tayson Cordeiro, da coordenação do Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD), falou sobre a ampliação das relações neste último período: “Se tem luta na cidade, tem o MST. O MST hoje é o nosso parceiro, um exemplo que na pandemia levou comida na mesa de todas as periferias do Brasil. O MST é o movimento que, junto com os movimentos urbanos, garantiu para que um milhão de pessoas ficassem livres de despejo”.
A militante da Marcha Mundial das Mulheres, Maria Fernanda Marcelino, também enfatizou o papel do MST para o fortalecimento da unidade popular: “O MST para nós é uma referência, é um lugar seguro, um lugar de confiança, um lugar de legitimidade, de quem nunca abandonou o povo brasileiro, nos momentos mais duros que o nosso povo vivenciou. Estar aqui nesta festa é reforçar a aliança da construção de um movimento que tem que ser feminista, que tem que ser antirracista e que só sendo assim é que ele é popular”.
Flávio Jorge Rodrigues da Silva, integrante da Coordenação Nacional de Entidades Negras (Conen), trouxe um exemplo prático de como a luta concreta aproximou as organizações. A liderança conta que a aliança com MST se fortaleceu na articulação “Brasil, outros 500: resistência indígena, negra e popular”, nos anos 2000. “O MST é um parceiro estratégico, não só na luta contra o racismo, mas em todas as lutas do Brasil”, completou.
Neste movimento de unidade entre os povos do campo, das águas e das florestas, Dinamam Tuxá, indígena do povo Tuxá e da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), cobrou a efetivação dos direitos constitucionais dos povos: “Reforma Agrária já! Demarcação já! Vamos continuar unificados na luta, porque sem a luta não vamos conquistar os nossos direitos, que estão assegurados na Constituição Federal”.
Pastor Ariovaldo Ramos, integrante da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito (FEED), apresentou o significado do Movimento na perspectiva cristã, em contraposição a setores evangélicas de ultra-direita: “O MST representa para nós o sonho que Cristo colocou no nosso coração, o sonho de que um dia a terra fosse direitos de todos e para todos, um sonho de que um dia teremos uma sociedade de iguais. O sonho de que um dia nós saberíamos profundamente o significado da palavra justiça”.
A resistência ao conservadorismo e ao agronegócio também se expressou por meio da Menção Honrosa ao MST aprovada pela Assembleia Legislativa do Paraná, por proposição do deputado Professor Lemos (PT-PR). A placa foi entregue pelo parlamentar durante o ato.
No encerramento do encontro, a companheira Liu, da dirigente nacional do MST pela Bahia, agradeceu por toda a solidariedade recebida pelo Movimento ao longo de todos os 40 anos. “O povo brasileiro não nos faltou, em tempo algum. A solidariedade do povo brasileiro nos abraçou em dias muito difíceis […]. Agradecemos aos amigos, não só por hoje, mas por ontem e anteontem”.
Todas as organizações e autoridades presentes também foram convidadas para participar e somar na realização do 7º congresso do MST, marcado para ocorrer entre 15 e 19 de julho, em Brasília.
Tecnologia para avançar na agroecologia
No campo dos avanços da cooperação internacional entre os povos, as palavras ditas pelo professor Zhenghe Song, em mandarim e com tradução simultânea, empolgaram o público. Ele é representante da Universidade da Agricultura da China, e anunciou a parceria com a Universidade de Brasília (UnB) para o desenvolvimento das máquinas agrícolas voltadas à produção agroecológica.
“O modelo que vocês estão aplicando é muito semelhante ao modelo da agricultura familiar da China”. A democratização das terras chinesas ocorreu desde os primeiros anos da revolução, na década de 1950. As famílias camponesas têm cerca de 0,7 hectares cada, e o estado viabilizou a criação de mais de 8 mil fábricas de máquinas agrícolas de pequeno porte.
“Espero que a parceria entre a China e o Brasil na agricultura familiar possa promover uma agricultura mais saudável e ecológica no país”, disse Song. A cerimônia para abertura da parceria e entrega das primeiras máquinas será em Apodi, Rio Grande do Norte, de 30/01 a 02/02.
Presentes
Também estavam presentes Edgar Preto, presidente da Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB); Walter Sorrentino, presidente do PCdoB; Paula Coradi, presidenta do PSOL; Wesley Diógenes, Porta-Voz nacional da Rede Sustentabilidade; Valter Pomar e José Genoino, membros da fundação do Partido dos Trabalhadores (PT), e cônsul de Cuba.
As deputadas federais Sâmia Bomfim (PSOL-SP); Orlando Silva (PCdoB-SP); Nilto Tatto (PT-SP); Luiziane Lins (PT-CE); Carol Dartora (PT-PR); Marcon (PT-RS), Mariana Soza (PSOL-RJ); Ana Perugini (PT-SP), Dani Monteiro (Psol-RJ); e os deputados estaduais Eduardo Suplicy (PT-SP); Marina do MST (PT-RJ); Rosa Amorim (PT-PE); Professor Lemos (PT-PR); Missias Bezerra (PT-CE); Lívia Duarte (PSOL-PA), e a vereadora Elaine Mineiro, do Mandata Coletiva Quilombo Periférico (PSOL-SP).
Entre os movimentos populares, coletivos e articulações, estava a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), Central Única dos Trabalhadores (CUT), Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Intersindical Central da Classe Trabalhadora, Torcida Gaviões da Fiel, Movimento Sem Teto do Centro (MSTC), Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Assembleia Internacional dos Povos (AIP), Alba Movimentos, Levante Popular da Juventude, Movimento Brasil Popular (MBP), Rede de Médicos Populares, Movimento Pela Soberania Popular na Mineração (MAM), Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Central de Movimentos Populares (CMP), Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD).
Também estiveram presentes representantes de secretarias do governo federal, de governos estaduais e prefeituras municipais.
*Editado por Fernanda Alcântara