Memória

Carmelina Pereira: história viva da luta do MST no Espírito Santo

Conheça a história de vida de uma das mulheres que acompanhou a primeira ocupação de terra do MST no estado
Dona Carmelina Pereira de Freitas. Foto: Mariana Motta

Por Mariana Motta
Da Página do MST

Com 92 anos, sendo 38 deles no MST, Carmelina Pereira de Freitas vive no assentamento Vale da Vitória, em São Mateus, no Espírito Santo. Mineira, nascida em Santa Maria do Suaçuí, viveu a infância e a juventude no município mineiro onde a família trabalhava por diária nas lavouras dos patrões.

Dona Carmelina. Foto: Mariana Motta

Dona Carmelina relata que eles se mudavam frequentemente em função do trabalho precarizado que a família exercia nas terras alheias. “Em todo canto que a gente morava, nós fazíamos uma casinha e deixava pra trás quando saía”, as palavras de Dona Carmelina relatam a insegurança de uma família que trabalhava apenas para os patrões, que até então, não haviam experimentado ter um lugar para chamar de seu. 

Em 1979, Dona Carmelina e sua família se mudam para o estado do Espírito Santo na comunidade de Santa Maria interior de São Mateus, mas ainda viviam na terra de outras pessoas, trabalhando principalmente como diaristas e meeiros quando conseguiam, até que seu esposo, seu Raimundo, falecido há 16 anos contou que estava indo em reuniões com os Sem Terra. 

Naquela época, pouco se sabia sobre o Movimento, que estava apenas começando a nível nacional. Seu Raimundo e Dona Carmelina estavam participando das atividades de trabalho de base para a realização da primeira ocupação de terras improdutivas organizadas pelo MST em terras capixabas, que a ocupação aconteceu no dia 27 de outubro de 1985.

E lá estavam seu Raimundo e dona Carmelina com seus 12 filhos. A fazenda ocupada era a Georgina de 1052,83 hectares no distrito de Nestor Gomes, km 41 em São Mateus. A data ficou marcada como o nascimento do MST no estado do Espírito Santo, hoje com 38 anos de lutas, conquistas e resistência. Dona Carmelina relembra com alegria do dia da ocupação, passou o dia arrumando as coisas da família, fez pães caseiros para servir de merenda para a família e saíram aproximadamente às duas da manhã, sabiam que estavam indo para uma ocupação, mas não onde seria ou como iria acontecer, confiaram nos Sem Terra e no embrionário MST. 

Acampamento Georgina, 1985. Fotos: Arquivo Pessoal

No acampamento da fazenda Georgina, dona Carmelina conta que logo fizeram uma casa de pau a pique e lona, local onde viveu no acampamento e início do assentamento com seu Raimundo e seus filhos, foi nesta terra que começaram a plantar para a própria família, sendo principalmente milho, feijão e aipim. 

Dona Carmelina e seu filho Faete lembram com alegria da colheita de arroz que fizeram junto com o grupo de trabalho coletivo do assentamento em 1994: foram mais de 200 sacos de arroz que serviram de alimentação para as famílias assentadas. 

Plantação de Dona Carmelina e Seu Raimundo. Foto: Arquivo pessoal.
Seu Raimundo e Dona Carmelina. Foto: Arquivo pessoal.

Com muita dificuldade, a primeira lavoura de café conilon da família foi plantada em 1992, utilizando o recurso do 1º Programa de Crédito Especial da Reforma Agrária. Sem irrigação, a família formou a lavoura molhando cada uma das plantas de café no balde e regador, e a partir dessas atividades agrícolas que a família buscou seu sustento, conquistando sua dignidade junto com a conquista da terra.

As mudanças na vida da família foram imensas, sendo meeiros e diaristas, a perspectiva de vida da família ficava muito prejudicada. Antes da conquista da terra no assentamento não tinham experimentado plantar para o próprio consumo ou ter uma casa digna, por exemplo, a dignidade de “viver no que é nosso” nas palavras de Dona Carmelina surgem com muita felicidade. 

Além do trabalho, o estudo e a formação foram uma das conquistas, é importante dizer que vários de seus filhos e netos participaram de diversas atividades formativas do MST e contribuíram na militância na organização de novos acampamentos, da organização dos assentamentos, dentre outras áreas da organização do MST. 

Carmelina em sua trajetória de luta deixa ainda uma mensagem para a juventude, para que não deixem de estudar. Ela se orgulha em poder dizer que seus filhos e netos puderam estudar, um direito que não era tão próximo a sua realidade antes quando vivia e trabalhava para os patrões. 

*Editado por Fernanda Alcântara