Cultura

Zamrock: a restituição de laços com a identidade de um povo

Artigo destaca estilo musical ressurge na cena musical da Zâmbia, conectando passado e presente através de um movimento liderado por mulheres pioneiras
Maureen Lilanda. Foto: Iris Pacheco

Por Iris Pacheco 
Da Página do MST

Uma das primeiras coisas as quais fui apresentada quando cheguei à Zambia foi o afrobeats zambiano contemporâneo, e depois conheci as músicas tradicionais. Mas, foi em julho de 2023, que tive o primeiro contato com o que posso chamar de um dos maiores movimentos musicais deste país, o “Zamrock”, uma mistura de música tradicional africana com rock psicodélico e garage criada na década de 70. Esse encontro aconteceu durante o primeiro Zamrock Festival realizado pelo Bojangles Restaurant em Lusaka, capital do país. O evento marcou um retorno aos dias de glória da música zambiana, sobretudo, pela presença de Jagari Chanda, um dos pioneiros mais famosos do gênero.

Voltemos no tempo para entender melhor toda a efervescência que o estilo provocou deste lado do Atlântico. Quando Kenneth Kaunda chegou ao poder como o primeiro presidente da recém-independente Zâmbia, em 1964, ele decretou que 95% das músicas na rádio zambiana deveriam ser de origem zambiana. A iniciativa era parte de uma série de políticas para enfrentar o impacto do colonialismo na cultura do país. Como sabemos, uma das características da colonização é destruir aquilo que nos impede de identificar de onde viemos, dos nossos ancestrais, para tanto, a natureza local é esmagada. Restituir esse laços é o primeiro movimento para se reparar tal rompimento.

Nos idos dos anos iniciais da primeira República zambiana, o ritmo cresceu de forma ampla e ficou marcado principalmente pela “Witch”, a banda mais popular do país, que lançou cinco álbuns completos em um mesmo ano e foi a força motriz do movimento Zamrock da década. Eles foram apelidados de Beatles de seu país e eram famosos por shows incendiários de sete horas ao vivo. Isso deu origem a uma nova onda de bandas de rock que misturavam composições originais com covers de Sympathy for the Devil e We’re an American Band do Grand Funk Railroad (ou We Are a Zambian Band, como Witch tocava). No entanto, ao final da década de 70 tanto a crise econômica quanto os conflitos junto às fronteiras da Zâmbia e a crescente instabilidade política impactaram na continuidade do rock zambiano. 

De volta à cena contemporânea, um dos nomes que se apresentaram no Zamrock Festival foi  Maureen Lilanda. Fiquei encantada com sua performance, presença de palco e profissionalismo musical, somente depois soube que a mesma é um nome conhecido no cenário musical zambiano há quase 40 anos. No entanto, por ser mulher ainda é difícil receber o devido destaque ao seu trabalho e talvez a geração atual saiba pouco sobre as mulheres pioneiras no mundo artístico musical. 

Pouco mais de quatro décadas depois, o ritmo retorna à cena musical, e soube que uma mulher foi a responsável por isso. Assim como no período áureo do Zamrock, onde havia muitas mulheres zambianas incríveis fazendo o ritmo acontecer. Mas, eu só tomei conhecimento disso recentemente por meio de uma amiga jornalista zambiana, Fiske S Nyirongo, que escreveu um artigo buscando nos apresentar as mulheres pioneiras desse movimento musical

Foi por meio dela que soube que o Zamrock foi incorporado no segundo álbum da artista Sampa the Great – uma rapper, cantora e compositora nascida na Zâmbia e criada em Botsuana – , que apresentou à seu país os sons de uma era da música zambiana repleta de nostalgia e com a participação de um de seus pioneiros mais famosos, Jagari Chanda, vocalista da WITCH, a boyband de maior sucesso na história da Zâmbia.

Um dos nomes pioneiros, mas não o único. Como boa escritora que é, Nyirongo recupera com sucesso a parte dessa história onde apresenta Violet Kafula (1950-2018), pioneira do Zamrock e madrinha da música zambiana por ter sido a primeira artista feminina a gravar na Zâmbia. O período que Violet nasceu foi antes da efetivação da República zambiana, no início da década de 1950, a música era vista como uma atividade masculina e embora as mulheres tenham desempenhado um papel importante nesse gênero musical único, foram por muito tempo ignoradas e apagadas da história.

Portanto, para mim não é estranho que a restituição dos laços com essa parte da identidade do povo zambiano seja construído por uma mulher do cenário contemporâneo musical no mesmo período em que a Zâmbia completa 60 anos de sua independência. É a construção do link entre passado e presente que permite que os pioneiros do Zamrock voltem à cena. É o caso da WITCH que lançou seu primeiro álbum de estúdio em 2022 com a participação de Sampa the Great, além das novas roqueiras Theresa Ngambi e Hanna Tembo, que estão apenas começando suas carreiras musicais no Zamrock. Além da Maureen Lilanda que mesmo tendo tantos anos de estrada no gênero musical ainda precisa se reafirmar como legítima representante detssa história.

Saiba mais em neste artigo do The Guardian ou neste do site Ambitious.africa.

*Editado por Fernanda Alcântara