Meio Ambiente

Nova Santa Rita tem primeira Reserva Particular do Patrimônio Natural em assentamento

Batizada como Sonho Camponês, reserva ocupará 6,95 hectares no assentamento Itapuí/Meridional
A Reserva Particular do Patrimônio Natural reforma projeto de educação ambiental iniciado em 2015. Foto: Divulgação

Por Redação
De Brasil de Fato

Na última quarta-feira (5), Dia Mundial do Meio Ambiente, a superintendência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) celebrou a oficialização da primeira Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) em um lote da Reforma Agrária no Rio Grande do Sul. A portaria criando a unidade de conservação foi publicada no Diário Oficial da União (DOU). Com 6,95 hectares, o perímetro localizado no assentamento Itapuí/Meridional, em Nova Santa Rita, compõe um sistema familiar ancorado na agricultura regenerativa e na educação ambiental.

Segundo o Incra, a nova reserva pertence ao casal Azilda Ristow e Olímpio Wodzik, que chegou ao local em 1988 e ficou alojado na sede da antiga fazenda. “Era tudo campo limpo”, recorda Wodzik. Ao invés de adotar insumos comerciais, eles acolheram a biodiversidade em seu cotidiano e estimularam a mata como aliada agrícola. Assim surgiram as bases para projetos ambientais e para a RPPN batizada como Sonho Camponês.   

“É o que vai ficar, muitas pessoas vão usufruir”, justifica Wodzik. Ele dedica a conquista a “todos que fizeram parte direta ou indiretamente (da formalização da RPPN) acreditando na reforma agrária, na preservação e na agricultura orgânica. É importante plantar árvores, mas também é importante garantir que sejam preservadas”, defende. 

O superintendente regional do Incra, Nelson Grasselli, destaca o caráter de interesse público e perpetuidade deste tipo de unidade de conservação. Segundo o dirigente, a decisão de implantar a RPPN reflete mais uma contribuição dos assentados para o futuro do planeta. A iniciativa estaria profundamente conectada a outras bandeiras da reforma agrária como produção de alimentos e luta por equidade social.      

O registro da Sonho Camponês iniciou em 2019 e precisou de anuência do Incra, embora um ano depois os assentados tenham recebido o Título de Domínio (TD) da terra – atrelado a uma série de condicionantes. Conforme o coordenador do Núcleo de Gestão Ambiental da autarquia no estado, Paulo Heerdt Júnior, este foi o primeiro caso de RPPN criada a partir da figura jurídica de assentamento acompanhado pelo instituto no Rio Grande do Sul, e um dos primeiros no país. 

“Por se tratar de um lote em processo de titulação, parcialmente transferido ao beneficiário, a unidade de conservação vai competir (com outros imóveis) em igualdade de condições – ressalvadas diferenças de dimensões e de esfera governamental – no sentido de pleitear políticas públicas e capitalizar recursos”, relata o engenheiro agrônomo. Ele considera que a experiência do Itapuí/Meridional pode tornar-se modelo para outras parcelas tituladas pelo Incra. “Sabemos isso não vai ser em escala, mas tende a se multiplicar”, prevê.  

Para o profissional, a homologação da RPPN exprime um modo diferente de produzir alimentos, viver e relacionar-se com o ecossistema. Desta forma, fortalece a agrobiodiversidade, se afastando da monocultura e dos fortes impactos ambientais.

A mata regenerada envolveu a sede da antiga fazenda. Foto: Divulgação

Regeneração 

Uma das primeiras medidas de Azilda e Olímpio após serem assentados, foi destinar parte do lote de 14 hectares à recomposição florestal. Logo apareceram exemplares de grandiúva, um arbusto de madeira pouco apreciada, que “não queima no fogão, mas dá frutos que os passarinhos vêm comer e trazem outras sementes”, explica o proprietário. Assim, a pioneira abriu caminho para canafístulas, carobas, angicos e árvores frutíferas nascidas de maneira espontânea. Para o agricultor, a experiência reforçou a crença de que “nenhuma planta é ruim, todas têm sua função na natureza”.  

Com o tempo, o ambiente diverso atraiu pássaros, gambás, cachorros-do-mato, gatos silvestres, tatus e furões, entre outros animais. Os bichos passaram a ser vistos com frequência pela mata, embora o local fique próximo a moradias de vizinhos assentados, o que poderia afugentar a fauna. A novidade mais recente são pegadas atribuídas a capivaras, que geram especulações, mas ainda não foram confirmadas pelos moradores. 

Outras consequências do bosque revigorado foram a revitalização de uma nascente e o microclima amenizado. “A temperatura na casa é mais alta do que no mato. Em Nova Santa Rita sempre está um ou dois graus mais quente do que aqui no verão”, relata Wodzik. 

O ambiente equilibrado, com solo fértil e presença de água fornece suporte à agricultura praticada na outra porção do lote. “É agroecologia”, pontua o assentado, lembrando as dimensões ecológica, econômica e social da vertente produtiva. A principal fonte de renda do casal é o morango, seguida por lavouras de mandioca, hortaliças e plantios de subsistência. 

Para Wodzik, a própria trajetória comprova a viabilidade da democratização do acesso à terra alinhada à produção de alimentos e à sustentabilidade. “Mesmo usando metade da área e preservando a natureza, formei três filhos – em agronomia, medicina veterinária e engenharia mecânica”, observa. Dois deles construíram moradias no lote, totalizando dez pessoas convivendo no espaço.    

Propagação 

O processo de criação da RPPN Sonho Camponês também está ligado ao projeto do Centro de Educação Ambiental Camponês (Ceacamp), desenvolvido pela família de Azilda e Olímpio. Desde 2017, eles utilizam a diversidade natural do lote como ferramenta voltada à educação. Grupos de escolas, universidade e agricultores são recebidos periodicamente para conhecer a área durante visitações e palestras sobre o processo ambiental. O sistema composto por agricultura e floresta também é aberto para pesquisas científicas de diferentes vertentes.  

A ideia é que a unidade de conservação de característica permanente impulsione mais projetos, agregue pessoas de diferentes gerações e inspire outras propostas focadas na proteção da natureza nos diversos ecossistemas e condições.    

*Editado por Katia Marko