Crime
Um mês após massacre em Tremembé, investigação prendeu uma pessoa e ainda não identificou mandantes
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Por Leonardo Fernandes
Do Brasil de Fato
O ataque armado contra o assentamento Olga Benário, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em Tremembé (SP), completa um mês nesta segunda-feira (10). O crime deixou duas pessoas mortas e seis feridas, uma delas em estado grave.
Gilmar Mauro, integrante da direção nacional do MST, conta que a comunidade ficou abalada após o crime, e que foi preciso um esforço coletivo para garantir o mínimo de segurança às famílias. “Nós estamos acompanhando a par e passo, e fazendo um revezamento de pessoas para ajudar no processo interno e garantir algum grau de segurança. Evidentemente não é ‘aquela’ segurança, mas isso ajudou muitíssimo a que as famílias permanecessem lá. Esse processo tem sido feito desde que aconteceu o episódio do ataque”, relata.
O dirigente conta que, desde o ataque armado, o assentamento iniciou um debate sobre a reformulação do espaço, com vistas a garantir uma maior integração da comunidade e o aumento da segurança no local. “Nós estamos em um debate para pensar um projeto para o assentamento. Isso envolve repensar a construção das casas, pensar um projeto de agrovila, novas construções que permita um grau de segurança maior para as famílias. Mas isso a gente vai fazer em comum acordo com a comunidade”, diz.
Com o objetivo de dar segurança e assistência às famílias do assentamento Olga Benário, o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC) enviou ao local uma equipe técnica que incluiu 26 pessoas dentro do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH). O programa oferece proteção a defensoras e defensores de direitos humanos, comunicadoras e comunicadores e ambientalistas que estejam em situação de risco, vulnerabilidade ou sob ameaças em decorrência de sua atuação.
Investigações
À época do crime, o MST atribuiu o ataque à pressão da especulação imobiliária na região. Já o ministro do Desenvolvimento Agrário (MDA), Paulo Teixeira, em entrevista ao Brasil de Fato, afirmou se tratar de uma ação do crime organizado. Por sua vez, o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) determinou que a Polícia Federal (PF) abrisse inquérito para investigar o caso.
“Nós não temos nenhuma dúvida de que há envolvimento de milícia”, afirma Gilmar Mauro. “O Estado brasileiro está sendo permeado por esses setores vinculados às milícias. Nós vimos aqui em São Paulo, por exemplo, o assassinato do delator do PCC no aeroporto de Guarulhos”. O dirigente acredita que a tese de “conflito interno”, inicialmente levantada pelas autoridades policiais, não se sustenta. “A gente sabe que não é”, afirma Mauro.
Mauro reclama ainda do andamento das investigações. “Nós sabemos que as investigações resultaram em apenas uma prisão, e o celular do preso nem tinha sido retido. Então o rumo das investigações ainda está muito demorado”, afirma. “Não evoluiu mais do que aquilo que já sabíamos. Entretanto, nós não temos informações diretas da delegacia responsável pelas investigações. No nosso modo de ver, havia uma lentidão que pode ser proposital, para não chegar até os mandantes. Eu espero que isso seja só uma impressão nossa”, avalia.
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Procurada pela reportagem, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo enviou nota na qual afirma que o “policiamento preventivo na região foi intensificado pela Polícia Militar imediatamente após o episódio e segue reforçado”. O comunicado afirma ainda que “policiais civis do Deic [Departamento Estadual de Investigações Criminais] de Taubaté, em conjunto com a Delegacia de Pindamonhangaba, realizaram no dia 30 de janeiro, em Taubaté e São José dos Campos, uma operação para cumprir mandados de busca e apreensão relacionados ao crime”. “Foram cumpridos dez mandados de busca, resultando na apreensão de um veículo envolvido indiretamente no caso, além de aparelhos celulares. As diligências prosseguem visando à prisão dos envolvidos e esclarecimento dos fatos”, finaliza o texto.
A reportagem também questionou a Polícia Federal sobre o andamento das investigações e as medidas tomadas para a garantia da segurança dos assentados. PF se limitou a reafirmar que o inquérito policial foi aberto que as investigações seguem em andamento.
Ações permanentes
O MST tem defendido publicamente que as autoridades federais assumam responsabilidades sobre ações que garantam uma segurança duradoura para os assentamentos, bem como de territórios quilombolas e indígenas, diante de ameaças externas. Após reunião com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no dia 30 de janeiro, o dirigente nacional do movimento João Paulo Rodrigues disse que o ocorrido em Tremembé foi resultado da “ausência do Estado” e dessa forma, o MST manifestou preocupação ao presidente.
“Apresentamos para o presidente nossa preocupação. E é uma preocupação que está muito vinculada à falta da presença do Estado nas áreas de reforma agrária. Então, se o Estado não funciona, abre espaço para o conflito”, declarou Rodrigues.
Gilmar Mauro conta que o movimento vem articulando, junto ao MDHC e o MDA, uma reunião com o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) para discutir o tema.
“O objetivo dessa reunião com o Ministério da Justiça é fazer um mapeamento de situações similares em todo o Brasil, e há situações semelhantes em todo o Brasil, tanto em áreas de assentamento como em áreas quilombolas, indígenas, para, a partir desse diagnóstico, estabelecer uma política para garantir a segurança desses territórios. E eu não tenho dúvida de que isso demanda o envolvimento da Polícia Federal”, afirma Mauro.
O pedido de audiência também foi reforçado pelo Núcleo Agrário do PT, que reúne cerca de 20 parlamentares do partido, por sugestão do deputado federal Nilto Tatto (PT-SP). “Aquilo que aconteceu em Tremembé vem acontecendo em vários assentamentos ou mesmo áreas públicas, comunidades tradicionais, que tem sempre por trás a especulação imobiliária, ou da ocupação como estratégia de expansão do agronegócio. Então a gente precisa articular um programa, no âmbito do Ministério da Justiça, para enfrentar esse problema que é nacional”, disse Tatto.
O Brasil de Fato teve acesso ao ofício enviado ao ministro Ricardo Lewandowski no dia 16 de janeiro. No documento, o grupo de parlamentares qualifica o ocorrido em Tremembé como um caso de “violência ligada ao racismo e discriminação histórica” e aponta a participação do crime organizado. “A violência ali ocorrida é um exemplo trágico da escalada de conflitos no campo. No caso, com ataque de pistoleiros contra o assentamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), resultando na morte de duas pessoas e ferimentos em outras seis. O ataque foi motivado por disputas de terras, com suspeitas de envolvimento do crime organizado”, diz o texto.
“Estamos propondo à Vossa Excelência uma tomada de posição entre essa Pasta e o Parlamento, com o objetivo de uma ação articulada envolvendo outros atores, para a implementação de ações e programas que fomentem a paz no campo e puna os responsáveis pela onda de violência”, propõem os parlamentares do PT. “Esperamos que essa reunião ocorra no início de fevereiro próximo, conforme proposta feita pelo Deputado Nilto Tatto, integrante do Núcleo”, finaliza. O MJ foi procurado pela reportagem, mas não retornou os contatos.
O caso
O assentamento Olga Benário foi regularizado em 2005 com 45 lotes. Entre eles está uma área de 5 mil metros quadrados que teve a vacância constatada formalmente pelo Incra em dezembro de 2023. O lote foi vendido e revendido irregularmente, e quando alertados sobre a impossibilidade de permanecerem na área, homens armados abriram fogo contra uma vigília de trabalhadores sem terra no local, na noite do dia 10 de janeiro. O ataque resultou na morte de Gleison Barbosa de Carvalho, de 28 anos, e Valdir do Nascimento (Valdirzão), 52 anos, e deixou outras seis pessoas feridas.
Dois dias após o crime, a Polícia Civil de São Paulo prendeu “Nero do Piseiro”, como é conhecido Antônio Martins dos Santos Filho, que teria confessado participação. Outro suspeito, Ítalo Rodrigues da Silva, segue foragido.
Edição: Thalita Pires