Cultura Popular

Arte humanizadora: cultura Sem Terra encanta na 5ª Feira da Reforma Agrária

Bloco Pisa Ligeiro. Foto: Sara Gehen

Por Flora Villela/ Equipe de texto da 5ª Feira da Reforma Agrária
Da Página do MST

A 5ª Feira Nacional da Reforma Agrária já está chegando ao seu quarto e último dia. Ao longo de toda a sua programação, quem passou pelo Parque Água Branca em São Paulo pode conhecer não só os produtos e a luta do MST, mas também a cultura Sem Terra, expressa em suas mais diversas manifestações.

“Estamos mostrando com a feira, nessa dimensão cultural, um projeto de país, um projeto de Reforma Agrária Popular para matar a fome, para produzir comida, para construir outras relações com a natureza, de trabalho e entre os seres humanos”, ressaltou Dandara d’Araçá, da direção estadual do setor de cultura por Minas Gerais.

Os grandes shows mobilizaram músicos parceiros e agitaram nossas noites culturais, mas os artistas Sem Terra marcaram presença em todos os espaços da feira, resgatando a música, a dança, o teatro e as artes plásticas com DNA camponês. Fosse nos palcos Terra e Arena, no café literário ou no chão da feira, artistas encantaram atrações como Mina Flor, Frente de Música João do Vale, As Cantadeiras, Zé Pinto, o Bloco Pisa Ligeiro, Sarau de Violas e muitos outros.

Os festejos da frente de música do MST, João do Vale, que reúne artistas Sem Terra de todo o Brasil, abriram os dias, acordando a Feira em um lindo cortejo. Já o bloco de carnaval Pisa Ligeiro, que se utiliza das enxadas como instrumento musical, agitou o espaço de culinária da terra na tarde de sábado. As manifestações culturais do Movimento se voltam à valorização das culturas populares locais de cada região e preservam saberes artísticos tradicionais que estão ameaçados por uma cultura de massa homogeneizante.

Construindo pontes entre o campo e a cidade

Projeção em prédio chamando para a Feira. Foto: Nieves Rodrigues

Segundo Dandara, o projeto do movimento prevê uma transformação estrutural no modo de vida e, portanto, nas relações sociais, no conjunto de valores e na cultura. “A Feira, como um todo, é uma ação cultural, já que a Reforma Agrária Popular é um projeto cultural do MST para a sociedade. Compreendemos a cultura como modo de vida, uma produção humana na relação com seu meio, a cultura como trabalho”, afirma a militante.

Para Anderson de Souza, integrante da frente de artes plásticas Cândido Portinari, a cultura e a arte cumprem um papel fundamental na construção de pontes com a sociedade urbana.

A arte ajuda a criar essas ligações, para que as pessoas de fora percebam que o que estão comprando aqui não caiu do céu e não foi fácil, foi fruto de luta, de organização e de conquista. A partir da imagem, construída por um processo político, de discussão e conversa, é possível sensibilizar o outro à nossa pauta”

Outro ponto levantado por Dandara é o valor da participação verdadeira, presente na cultura do MST, em contraponto à indústria cultural que tende a padronizar existências e separar os sujeitos em nichos de consumo. “O MST se organiza nessa cultura de participação verdadeira, das diferentes gerações e sujeitos. Isso também constrói uma cultura que é mais diversa: não são diferentes padrões para diferentes sujeitos, ao contrário, toda essa diversidade que os sujeitos trazem para a organização vai se encontrando e se sistematizando no que é talvez uma estética Sem Terra.”

Ornamentação

Outro elemento, transversal a todos os espaços da feira, é a ornamentação Sem Terra, composta por diversos elementos de artes plásticas, produzidos pelo coletivo de cultura do MST. As intervenções embelezam os espaços e demonstram toda a diversidade do movimento. Além disso, os painéis, bandeiras, faixas, quadros, ornamentação das barracas e intervenções plásticas representam pautas de luta como a defesa internacionalista do povo palestino, a importância da ocupação de terra e a ameaça da violência no campo.

“Trabalhamos a forma a partir dos conteúdos, porque a arte e a cultura atingem nossa sensibilidade de outras maneiras. A ideia nessa feira é criar, através dos cartazes, das faixas, do lambe-lambe, das artes plásticas, uma ponte para que as pessoas possam perceber a ligação entre o que elas estão vendo aqui, a conquista e o processo das lutas”, explicou Anderson.

Palco Terra. Foto: Juliana Adriano

Além de embelezar os vários espaços da Feira, a ornamentação contou ainda com uma ocupação urbana, em parceria com o Instituto Tricontinental, a partir de uma projeção no Minhocão. As artes projetadas foram produzidas por homens e mulheres do MST. “A ideia é popularizar a reforma agrária como uma luta de todos”, afirmou o integrante do coletivo de artes plásticas.

A identidade artística Sem Terra

“A arte é uma dimensão central à medida que é muito humanizadora, a fruição, mas em especial a possibilidade de produzir arte. Um eixo muito importante do projeto de Reforma Agrária Popular, e da própria Feira, é a cultura como modo de cultivar humanidade, outros valores, outras relações, outras belezas, a dimensão sensível da nossa luta”, pontuou Dandara.

Segundo ela, a produção artística presente no Movimento é parte da construção da identidade e do pertencimento das pessoas nos territórios. Incorporando seus valores no fazer e produções culturais, o MST compreende a cultura como dimensão da vida material, que brota do trabalho, brota do chão, da relação com o território.

“A conexão dos Sem Terra com o território e com a comunidade se dá a partir da luta e do desejo de voltar à terra. Muitas vezes, o acampado ou assentado não é originalmente dali, mas tem, ao mesmo tempo, uma profunda conexão com a terra. Toda cultura que emerge de um território organizado pela luta é uma cultura de luta; a característica da nossa produção artística passa muito por isso”, reafirma a coordenadora do setor de cultura em Minas Gerais.

Por isso, toda a construção artística adere aos valores da coletividade, solidariedade e cuidado na busca de superar a lógica do individualismo, e compreende também a cultura como trabalho. Emana daí uma produção artística profundamente coletiva, como exemplifica Anderson.

“Eu posso desenvolver uma arte, tenho o meu olhar, mas a partir do olhar do outro ela se enriquece; é necessário para que a arte contemple realmente o coletivo. A minha mão vai até um ponto, mas a do outro vai além, isso nos potencializa.” Neste mesmo sentido, ele pontua ainda a relação com o fazer cotidiano: “Por exemplo, a oficina de pintura de murais se desenvolve junto com a pintura da escola.”

Um projeto de sociedade

Foto: Mykesio Max

Por tudo isso, o setor de cultura do Movimento sintetiza o projeto de sociedade que o MST quer construir: justa, diversa, crítica e livre, a partir de uma sensibilidade partilhada e da possibilidade de desenvolvimento artístico de seus militantes.

“A gente quer que cada artista seja livre para se expressar; temos que incentivar essa originalidade. Para isso, criamos um processo onde a pessoa, antes de chegar na pintura, na execução, na criação, Estabelece a relação com as demais pessoas. Porque é o meu corpo que vai lidar com o corpo do outro, e esse corpo tem que estar acolhido, esse corpo tem que estar bem”, finalizou Dandara.

*Editado por Fernanda Alcântara