Democratizar o conhecimento
Dia da Ciência e do Pesquisador Científico: temos o que comemorar?
Com o agronegócio bancando boa parte das pesquisas; entenda melhor a relação entre a academia e o campo

Por Fernanda Alcântara*
Da Página do MST
No Brasil, hoje (8) é o Dia Nacional da Ciência e do Pesquisador Científico. A data chama a atenção para a produção científica do país e tem como objetivo divulgar o saber científico, em homenagem à Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
Mas com a crise dos cortes na educação e o investimento pesado do agronegócio na pesquisa acadêmica, fica a pergunta: Como o desenvolvimento científico vem acontecendo no Brasil?
É preciso entender, inicialmente pela distinção entre tecnologia e técnica que, embora pareçam semelhantes, não cumprem o mesmo na prática. Enquanto as técnicas são métodos baseados em conhecimentos e habilidades, a tecnologia é resultado do conhecimento técnico e científico.
Em outras palavras, aplicando-se ao campo no Brasil, as técnicas são as formas de plantar; a tecnologia são os objetos, máquinas e materiais criados a partir dos conhecimentos tanto das técnicas quanto da Ciência, que parte do estudos destas técnicas a partir da tentativa e erro.
Para Daniel S. Pereira, do setor de Produção, Cooperação e Meio Ambiente do MST, entender a complexidades destas associações é uma tarefa difícil, porém, necessária para a possibilidade das bases de ações pragmáticas.
“Precisamos nos dedicar a entender estas questões, e isso começa na luta para garantir o acesso universal à educação, de forma a incluir a população do campo não somente no ensino básico, mas no técnico e superior também”, afirmou Daniel.
História
O professor Pedro Ivan Christoffoli, da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), defende que o maior problema entre a relação do modelo que temos de produção acadêmica e os saberes populares está na forma como a academia se ampara no sistema capitalista para validá-lo e cita que desde o século XVIII o capitalismo direciona as informações voltadas unicamente para o lucro.
“Diante da incorporação das pesquisas cientificas no sistema capitalista, no qual a técnica e a tecnologia só buscam o lucro, é preciso entender criticamente em que medida a Academia se propõe de discutir esta influência. Só a partir daí poderemos contribuir de forma concreta para a construção de modelos fora desta dinâmica do capital, envolvendo a complexidade dos saberes de outras perspectivas”.
A ciência moderna como a que conhecemos hoje tem desempenhado importante papel na realização histórica, muitas vezes servindo como base uma civilização voltada mais para o capital do que do humano. Acrescenta-se essa crítica ao modelo de desenvolvimento, como um projeto de dominação da natureza e exploração do trabalho humano e desnaturalização da técnica.
O que acontece normalmente nas disciplinas desta área, resultando em um conflito entre universidade e campo, é que o positivismo, o racionalismo e o pragmatismo, juntos condenam o conhecimento em contraponto aos saberes e poderes tradicionais e populares.
A pesquisa acadêmica e o agronegócio
É impossível dimensionar hoje como o agronegócio domina por meio do capital a maioria das teses e pesquisas dentro de universidades. Entretanto, diversos são os trabalhos que mostram a influência entre o investimento de empresas nas universidades.
Daniel Pereira defende que as mudanças dentro da academia também envolvem entender os problemas e realidades que a populações vivem. Ele defende que as universidades tem que “chegar perto das pessoas, e o campesinato chegando à universidades”, formando uma corrente em que o saber popular é compartilhando, resgatado e respeitado.
“Todo conhecimento nasce da realidade, e tudo o que conhecemos foi feito de forma coletiva, várias pessoas fazem parte desta construção. Construir e fortalecer uma relação mais próximas entre campo e universidade, entre aqueles que são chamados de pesquisadores e os produtores, agricultores, proporciona um salto qualitativo tanto do avanço nos conhecimentos, quanto da produção e organização no campo”, afirmou.
As Ciências Agrícolas figuram entre as três áreas que mais recebem verbas de empresas privadas nas maiores universidades do país. Esse “investimento” não vem à toa: não é segredo que um grupo de pesquisa com maior quantidade de técnicos e pesquisadores certamente dispõe de um maior volume de instrumentos e de notoriedade no meio.
A partir de bolsas, financiamento de pesquisas e outros métodos, o agronegócio coopta as intenções comprometendo a neutralidade dos pesquisadores, que começam como retribuir estes investimentos em pesquisas. O rigor e a ética do trabalho científico ficam comprometidos pois muitas das universidades recorrem ao apoio de empresas, e essas determinam em que áreas devem ser realizadas as pesquisas.
Na atual conjuntura, o que vemos no cenário acadêmico também são acusações de “ideológico”, aos pesquisadores que se posicionam ao lado dos mais vulneráveis, sem reconhecer que também sua própria posição, em especial perante à remuneração, abrindo margem à possibilidade de manipular os dados, por exemplo, ao escolher as varáveis de análise e a forma de cruzá-las.
Perspectivas para o futuro
Pedro Christoffoli defende a abertura para a construção dinâmica e processual da metodologia, em diálogo com o empírico e com os atores diretos, como produtores e agricultores. Para o professor, a possibilidade para os rumos da educação começam no respeito das múltiplas dimensões dos contextos complexos e das teias de relações entre elas. “A concepção de desenvolvimento não pode estar centrada nas empresas capitalista e no lucro, e sim com diálogo com produtores e até mesmo outros setores envolvidos”, afirma.
Ele cita o exemplo dos agrotóxicos que, do ponto de vista dos grandes latifundiários, possui vantagens econômicas para a agroindústria, mesmo que resulte, a longo prazo, em problemas para a sociedade como um todo. “O agrotóxico, economicamente, é bom para esta parcela que historicamente é privilegiada. Resolve o produtor, que extrai o máximo da terra”, e aponta os contrapontos. “Mas muitos desses produtos causam câncer, logo, é um assunto que tem que ser debatido com toda a sociedade., pois mesmo que não entre na conta do agronegócio, passa a ser um assunto não só de ordem econômica ou das empresas, mas da saúde, da sociologia e de políticas públicas como um todo”.
Por fim, a defesa do professor é clara: é preciso pensar uma ciência que não esteja a serviço do capital e da ampliação da exploração da Natureza e dos seres humanos que trabalham, que chegue ao encontro daqueles que sofrem, dos grupos humanos e classes no campo.
“A pesquisa tem que chegar às pessoas mais simples, agricultores, assentados. O conhecimento acadêmico e a tecnologia tem que chegar efetivamente até os agricultores, para que a universidade trabalhando junto com os camponeses, consiga abranger a realidade deles, suas necessidades e problemas”, concluiu Daniel.
*Texto publicado originalmente em 2019.
**Editado por Solange Engelmann