Nova ordem internacional
Cúpula Popular do BRICS discute cooperação e multipolaridade para fortalecer países em desenvolvimento
Pesquisadores e representantes da sociedade civil defenderam a cooperação entre os países e o fortalecimento das lutas sociais na agenda do bloco

Por Leon Continetino
Da Página do MST
O primeiro dia da Cúpula Popular do BRICS, realizado nesta segunda-feira (01), no Rio de Janeiro, contou com uma aula pública que abordou aspectos da cooperação econômica à construção da multipolaridade dentro do bloco composto por 11 países do mercado emergente. Durante a atividade, pesquisadores e representantes da sociedade civil defenderam a cooperação entre os países e o fortalecimento das lutas sociais internas na agenda do bloco.
“Um dos objetivos do BRICS, e certamente um objetivo brasileiro, é justamente a construção de uma multipolaridade que seja fundamentada em regras e nos interesses do mundo em desenvolvimento”, defendeu o embaixador Mauricio Lyrio, sherpa do Brasil no BRICS.
É importante pensarmos no papel do BRICS na construção de uma nova ordem internacional. Há desafios internos e externos, hoje o BRICS é um grupo que incomoda mais e que conta com uma visão crítica do governo norte-americano, que interpreta mal o papel do bloco”, afirmou Lyrio.
A aula ainda contou com a participação da professora Ana Garcia, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e pesquisadora do BRICS, Policy Center, que após apresentar uma síntese histórica no processo de formação do bloco, defendeu uma reorientação crítica sobre o papel e os objetivos do BRICS, sob o argumento central de que o bloco não deve se limitar à dimensão geopolítica tradicional ou à mera disputa interestatal como forma de combater a hegemonia estadunidense. “A gente precisa trazer as lutas sociais para as disputas interestatais, senão a gente joga o jogo das classes dominantes”, provocou.

Para enfrentar o poder estrutural estadunidense, a pesquisadora definiu quatro pilares estratégicos: no campo financeiro, a prioridade é buscar caminhos para a desdolarização; na esfera produtiva, defende-se a ampliação das cadeias de valor Sul-Sul para diversificar parcerias além da China; na segurança, propõe-se a criação de sistemas de defesa mútua e coletiva; e, por fim, no âmbito do conhecimento, a meta é o desenvolvimento de tecnologia própria, garantindo que todas essas frentes sirvam à soberania e à melhoria da vida das populações.
Representando a Índia, próximo país a liderar o bloco econômico a partir de 2026, Binod Singh Ajatshatru, Diretor do Instituto BRICS e membro do conselho popular do bloco, enfatizou que o BRICS caminha para a construção de uma nova ordem global e celebrou a atuação do Conselho Civil, como a inauguração de um “novo capítulo” fundamental na aliança.
“O Brasil, sob a presidência deste bloco, conta com o respaldo de cerca de 3 bilhões de pessoas, quase metade da população mundial”, disse Ajatshatru, reforçando a magnitude do apoio mútuo dentro do BRICS.

Representando a África do Sul, Margaret Molefe, vice-presidente executiva da Associação Sul-Africana da Juventude BRICS (SABYA), reforçou o cenário atual como uma “policrise”, marcada por guerras, tarifas comerciais e emergências climáticas que atravessam do Norte ao Sul Global.
Reiterando a força demográfica citada pelo colega indiano (40% da população mundial), ela apontou a necessidade urgente de expandir a cooperação para além dos governos, promovendo trocas culturais e educacionais. A ativista enfatizou que desafios modernos, como os impactos da inteligência artificial, exigem a inclusão direta dos movimentos sociais nas conversas, encerrando com a máxima: “O BRICS é feito para as pessoas e pelas pessoas”, declarou.
Pela China, Zhu Guijie, Vice-secretária Geral da Rede de ONGs para Intercâmbios Internacionais, posicionou o BRICS como um exemplo global de diálogo e cooperação rumo à multipolaridade. Zhu argumentou que a união estratégica é a chave para a resiliência do grupo diante dos desafios globais, afirmando que “quanto mais próximos estivermos, mais forte será a nossa capacidade”.

Representando o Brasil, Ana Priscila Alves, da Marcha Mundial das Mulheres (MMM), reafirmou a centralidade dos movimentos populares como motor indispensável da participação social. Contrapondo a dinâmica de competição entre nações, a ativista defendeu uma lógica baseada na solidariedade, estendendo apoio explícito à Palestina, Venezuela e Cuba frente às sanções. Para ela, diante da incapacidade da ONU em responder aos conflitos atuais, cabe ao BRICS e à articulação da sociedade civil do Sul Global apresentar alternativas concretas para construir “um mundo em que a vida valha mais do que o lucro”.
Também representando o Brasil, Jonas Vasconcellos, do Núcleo de Estudos e Pesquisa BRICS da Universidade Federal da Bahia (NEPBRICS-UFBA), destacou que, apesar das limitações, o BRICS tem sido o principal catalisador da resistência às investidas imperiais, posicionando-se a favor do multilateralismo, da legitimidade da ONU e da adequação do sistema financeiro internacional.
No entanto, ele alertou que as ações atuais ainda permanecem “aquém dos desafios históricos”, exigindo respostas mais ousadas e efetivas diante das múltiplas crises que a humanidade enfrenta.
Balanço da presidência do BRICS
Além disso, conforme abordado pelo embaixador, a presidência do Brasil no BRICS enfrentou o desafio da adaptação institucional de um BRICS ampliado, que agora possui maior alcance geográfico, incluindo o Sudeste Asiático e o Oriente Médio, e que, apesar de ser mais diverso e complexo (incorporando, pela primeira vez, regimes monárquicos), se tornou um grupo ainda mais forte aumentando a representatividade dos países em desenvolvimento.
“O governo brasileiro tentou desenvolver da melhor maneira possível a adaptação de um BRICS ampliado, com 11 membros”, defendeu o embaixador. “A criação da participação da sociedade civil e a realização da primeira cúpula virtual do BRICS, em complemento a presencial, são alguns dos marcos da presidência brasileira nesse período”, disse.
O embaixador enumerou ainda dois temas centrais que marcaram o bloco durante o período de presidência do Brasil: o enfrentamento a questões de saúde pública comuns aos países em desenvolvimento, como as doenças tropicais negligenciadas, e a aplicação de ferramentas de inteligência artificial.
“O que nós observamos hoje é uma inteligência artificial liderada por países ricos, mas voltada também para o interesse desses países ricos. Hoje, a inteligência artificial desregulada traz muito mais riscos ao mundo em desenvolvimento, como no caso do emprego e a tendência à ocupação de trabalho de uma forma desregulada”, comentou o embaixador. “Temos que pensar na inteligência artificial a partir dos interesses do mundo em desenvolvimento, da saúde pública, do combate à pobreza e do enfrentamento às mudanças do clima”, completou.
*Editado por Solange Engelmann



