Os heróis da resistência

Por Paulo Tasso*

“Uma das causas da miséria é geral, ampla. Trata-se da relação, antiga e atual, entre a terra e a gente.” Galbraith

É muito fácil ser um elemento nefasto à sociedade — basta ser crítico. A marginalização é imediata, pois poucos estão preparados para assimilar qualquer coisa fora de seu padrão cultural. Qualquer mudança leva ao desequilíbrio, à necessidade de refletir e agir, e as pessoas fogem disso como da morte.

Os ditadores conhecem bem o caráter revolucionário das idéias. Então, procuram ao máximo impedir que as que não lhes interessam se espalhem. Uma idéia contrária à média do pensamento geral é um grande inimigo a temer, uma vez que, quando se impõe, vão-se situações estáveis e verdades incontestáveis; a transformação é inevitável.

Os plantadores de idéias são sempre visados. Por isso, o MST angaria muita oposição, já que semeia o “perigoso” ideal maior da JUSTIÇA. Num mundo baseado na dependência, na mercancia, na discriminação, na resignação e na indigência mental, o movimento pratica o auto-sustento, a solidariedade, a igualdade efetiva de oportunidades, a ação concreta, e coloca camponeses para discutir teoria política e filosofia em torno de um lampião de gás.

Ao contrário do que alardeiam nossos protopolíticos chinfrins e a imprensa lambe-botas, o MST não coloca em risco o Estado de Direito, por uma única e singela razão: não existe estado de direito a ser colocado em risco! O que corre risco hoje no Brasil é o Estado de Privilégios, a Ditadura Constitucional Civil, o Despotismo Esclarecido com o criativo tempero tropical da total ausência de escrúpulos. O Brasil continua a ser um mero feudo, administrado por alguns parasitas intocáveis, remunerados para drenar todas as riquezas para os capitalistas baseados no exterior. Cínicos (por interesse próprio ou a soldo) e idiotas em geral costumam argumentar contrariamente — esse é seu papel, é para isso que são pagos ou foram amestrados.

Quase tudo pode ser resolvido com uma boa conversa, mas o governo brasileiro não recebe ninguém. “Ninguém” equivale a grevistas, sem-terras, servidores públicos, entidades civis, organizações humanitárias, e “derrotistas” descontentes de laia idêntica: não são recebidos porque o governo nada lhes tem a dizer, exceto que recebe ordens de Washington (coisa de que todos nós já sabemos). Mas recebe banqueiros e empresários de sucesso, nacionais e estrangeiros; aliás, faz mais: poupa-lhes as despesas e os transtornos da viagem e vai visitá-los em suas casas, a exemplo do ministro Malan.

Da forma como é conduzido, o MST escandaliza todos os segmentos sociais: assusta o baronato, a classe média aspirante a elite, a classe média pequeno-burguesa, o proprietário rural, a classe governante, o dominador estrangeiro, o lúmpen não organizado, os assalariados urbanos. O MST é uma acusação ambulante, coloca um espelho na frente de cada rosto, anuncia a nudez do rei, expõe nossa consciência na rua, alardeia toda nossa hipocrisia e contradições. Os sem-terras são os únicos cidadãos de fato no país hoje, eis seu “pecado” mortal. Excetuando-se ainda um punhado de militantes da sociedade civil, o restante é gado de duas patas.

Repugna ver gente tão corajosa ser tão torpemente atacada. Movimento social não é baderna, é força evolutiva da sociedade e termômetro da qualidade de condução dos negócios sociais pelos governos. Sem movimentos sociais o mundo estaria até hoje na barbárie: a História mostra que a situação das classes subalternas só melhora porque as massas provocam a ruptura e reestruturam a ordem vigente (não há registro de concessões graciosas por parte da classe sanguessuga). Por isso, divinizar o statu quo é útil apenas aos vampiros oportunistas que se alimentam da desigualdade. Os que condenam o MST, mesmo não tendo interesse pessoal, são provavelmente cidadãos fracassados coniventes com o sistema atual, projetando sua covardia naqueles que não se curvam ao dominador. As pessoas sem senso de decência, incapazes de mover um dedo para evitar a desgraça alheia, deveriam, pelo menos, recolher-se à sua nulidade e desobstruir o caminho dos que preferem decidir seus próprios destinos.

E tem mais: se lutar contra a opressão e o obscurantismo, questionando o regramento existente, for subversão — como afirmam nossos corifeus do Direito —, então teríamos necessariamente de considerar subversivos grandes questionadores da ordem estabelecida, tais como Moisés, Gandhi, Mandela, Martin Luther, Dalai Lama, Bruno, Rousseau, Lutero, Picasso, Zumbi, Tito, Hemingway, Allende, Ramos-Horta, Tutu, Madre Teresa, Neruda, Walesa, a galera do Asterix, e até mesmo Jesus Cristo e seus apóstolos, entre muitíssimos outros. Quem vai atirar a primeira pedra?

*Paulo Tasso DRF/Salvador