O povo já disse NÃO à Alca

Por Daniela Stefano*

A conclusão do Plebiscito Nacional sobre a Alca (Área de Livre Comércio das Américas) aconteceu em Brasília, de 16 a 18 de setembro, com a divulgação do resultado, audiências com os três poderes, com o poder superior da embaixada norte-americana e a realização da assembléia popular, com a participação de delegados de todos os Estados, para decidir os próximos passos da Campanha Nacional.

De 2 a 7 de setembro, mais de 10 milhões de eleitores, maiores de 16 anos, votaram contra a Alca. Destes, 98% votaram que o Brasil não deve entrar na Alca nem entregar a base de Alcântara.

Foi uma grande vitória de cidadania e democracia. De acordo com Dom Franco Masserdotti, da direção da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), o plebiscito coloca a política no lugar certo. “A política deve ser exercida do povo para o bem do povo, não de um tipo qualquer de economia que exclui e oprime. Alcântara é também importante como defesa da soberania e da preservação das terras dos quilombolas, que aí vivem há cerca de três séculos.”

Em alguns municípios, 80% dos votantes se pronunciaram. O número de votantes torna-se ainda mais expressivo considerando que ninguém era obrigado a votar.

Mas não foi só a participação de um número expressivo que fez do plebiscito um sucesso. O objetivo foi alcançado: a Semana da Pátria permitiu o debate com a sociedade. O trabalho pedagógico e o método utilizado ajudaram a despertar um novo interesse pela luta. Mais de 150 mil militantes sociais de 3890 municípios de todo o Brasil conversaram com as pessoas sobre os problemas do Brasil. O povo queria e tinha a necessidade de saber sobre a Alca e Alcântara. E demonstraram que estão dispostos a participar ativamente da luta para defender seus interesses.

As elites não querem saber o que o povo pensa

Apesar de a CNBB ter marcado a audiência há um mês, a palavra de mais de 10 milhões de brasileiras e brasileiros é recebida pelo Subsecretário, substituto do Ministro Chefe da Secretaria Geral da Presidência, Euclides Scalco, que havia sido delegado pelo presidente FHC. “O Ministro Chefe foi chamado a uma reunião interministerial”, disse o Subsecretário, José Rinaldo.

Ao ser indagado onde era a reunião ou se ele retornaria logo, disse: “Não sei dizer, mas se quiserem, podem esperar”. Após meia hora esperando, a delegação preferiu apenas protocolar o envelope.

Na Câmara e no Senado Federal, a recepção foi mais ou menos a mesma. Pessoas substituindo os responsáveis e que diziam nada poder fazer. Na embaixada dos Estados Unidos, a delegação foi bem recebida pela Embaixadora, Donna J. Hrinak. Ouviu o que não queria. Teve que ouvir de Dom Franco o pedido para que o governo Bush abandone seu caráter belicista e não invada o Iraque. Hrinak havia sido, por cinco anos, a principal negociadora da ALCAN (Área de Livre Comércio da América do Norte). Isto sinaliza que o governo norte-americano enviou sua especialista em latinos para o Brasil, para estender o projeto a toda América Latina.

Nem tudo está perdido: O Presidente do STF apóia o povo.

Já o presidente do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio de Mello, durante audiência, defendeu o uso de plebiscitos como instrumento de manifestação da vontade popular. “O plebiscito situa-se no campo do exercício da cidadania e estampa a conseqüência do que foi proclamado na Carta da República, segundo a qual todo poder emana do povo”, disse ele. Assim, a delegação pôde expressar que o povo quer que o governo brasileiro se retire das negociações da Alca e que não participe da reunião de Ministros em Quito (Equador), em outubro próximo.

Próximos passos

31 de outubro, em Quito, o governo brasileiro estará assumindo a co-presidência das negociações da Alca junto com os EUA. Durante a semana que antecede esta data, os Ministros dos 34 países vão se reunir em Quito. No mesmo período, estará acontecendo a Jornada Continental contra a Alca. Simultaneamente, no Brasil e em todo o Continente estarão acontecendo mobilizações de protesto. Aqui no Brasil os comitês populares, devem realizar manifestações nas capitais e grandes cidades, informando a população dos perigos da Alca.

O exemplo brasileiro de promover o plebiscito já incentivou outros 10 países a se prepararem para realizar plebiscitos ou consultas populares e o governo venezuelano tem a intenção de uma consulta oficial ao povo daquele país.

A Campanha contra a Alca tem reavivado os movimentos sociais no Brasil. Agora, a proposta é fortalecer os comitês que surgiram e lançar a campanha do abaixo-assinado pela realização do Plebiscito Oficial em 2003. Cabe à sociedade continuar lutando, pressionando, denunciando, anunciando. E a luta precisa continuar até que o projeto da Alca e da Base de Alcântara sejam desmontados.

*Daniela Stefano é jornalista.

Breves

Salve D. José Gomes, Bispo dos Sem Terra

“E eis então que ele se foi. Feito um passarinho. Na simplicidade, como sempre viveu. Encantou agora. Fico pensando em quantas revoluções não vai provocar lá no céu. Dom José Gomes. (…)
Estava velhinho, 81 anos, e sofria de um mal que faz a pessoa ir perdendo a memória. Parecia uma grande ironia isso. Como pode perder a memória aquele que é a memória viva da história do movimento popular em Santa Catarina? (…)

Esteve à frente de todas as lutas envolvendo sem terra, atingidos das barragens, índios, mulheres camponesas, agricultores. Um profeta. Sabia qu viria o dia da libertação, mas não ficou esperando por ele. Arregaçou as mangas e foi construí-lo. (…)

Dom José nunca fez questão de homenagens, de bustos em praça. Só queria que as pessoas lutassem. Essa era sua missão. Queria que sua gente fizesse caminho na dignidade, na partilha, no amor. Foi o que plantou a vida toda. Agora foi embora, deixou a terra, encantou. Nunca mais veremos aquela figura, dos óculos imensos e olhos de lâmpada, dizer suas palavras de amor. Agora ele só vai viver em nós, na nossa força, na nossa luta. Vai ser difícil.”

Trechos de artigo de Eliana Tavares, jornalista e escritora. (*25/3/1921 + 19/9/2002)

Solidariedade com crianças palestinas

No início de outubro o MST vai enviar mais 160 bolas de futebol às escolas na Palestina. As bolas foram confeccionadas por educandos de uma escola técnica do MST, em parceria com uma empresa da cidade de Veranópolis (RS).

Quando um representante do MST esteve na Palestina, em março deste ano, ele já havia levado outras 100 bolas.

Capangas invadem acampamento na Paraíba

Em 24 de setembro, cinco homens fortemente armados invadiram e destruíram por completo todas as barracas do acampamento Olho D’água, em Mari, na Paraíba. Ali se encontravam 52 famílias que agora estão dispersas pelo mato. O agricultor José Inácio Pereira, de 55 anos, foi atingido com um tiro na perna e se encontra hospitalizado. Neste mesmo local, mas dias antes, o agricultor Gilson Justino foi espancado e só não foi morto porque os bandidos descobriram que ele não era Edivaldo Martins, verdadeiro alvo da emboscada.