Lula extrapolou

Por Antônio Canuto

A reação de diversos setores da sociedade, notadamente das entidades ligadas aos ruralistas, dos partidos de oposição ao governo, especialmente PSDB e PFL, e de alguns meios de comunicação à forma descontraída como o presidente Lula recebeu os sem-terra no Palácio do Planalto, ainda usando um boné do MST, tem toda razão de ser.

O Estado Brasileiro sempre vestiu a camisa dos latifundiários e dos controladores do poder econômico. Sempre defendeu seus interesses e puniu severamente os trabalhadores que, organizados, tentaram enfrentar o seu poder. Lula não poderia quebrar esta tradição. Ele até poderia receber os sem-terra, mas para dar-lhes um solene pito pelas ações que estão realizando. Agora abrir as portas do Palácio do Planalto, recebê-los cordialmente, não lhes fazer nenhuma advertência pública, isto extrapolou os limites da tolerância da elite brasileira que sempre comandou os destinos de nosso país. Será que agora os trabalhadores vão começar a ocupar espaços antes reservados somente a elas?

A indignação foi tão grande que o líder do PSDB no Senado, senador Arthur Virgílio, em poucas horas conseguiu as assinaturas necessárias para abrir uma CPI sobre o MST e, em tempo Record, ela foi aberta. Com isto parece que o PSDB quer apagar de sua história o que o governo Fernando Henrique Cardoso , impelido pelas ações dos movimentos do campo, foi obrigado a fazer: o maior número de assentamentos de famílias sem terra da história do Brasil. Ainda bem que ao final de seu mandato ele se redimiu baixando Medidas Provisórias punindo e criminalizando as ações destes movimentos e freando assim o ritmo da Reforma Agrária.

Esta CPI é muito importante. Deve ir a fundo. Os senadores devem visitar os acampamentos espalhados Brasil afora, ir aos assentamentos. Buscar provas. Talvez encontrem milhões de dólares que o movimento esteja ajuntando para engrossar suas contas no exterior, ou arsenais de armas importadas de uso exclusivo do Exército Brasileiro que serão utilizadas para fazer a revolução. Se não acharem nem dólares, nem armas, pelo menos acharão homens e mulheres, crianças, jovens e idosos que em situações muito duras e adversas estão lutando para defender sua dignidade e seu direito à terra e ao trabalho que a Constituição Federal lhes garante, mas que o Estado brasileiro sempre lhes negou.

Nossa elite precisa começar a se acostumar com a idéia de que o povo brasileiro elegeu Lula foi para fazer mudanças e mudanças profundas, não simplesmente para interpretar um jogo de cena.

A acolhida calorosa aos sem-terra é um símbolo desta nova era que se implanta no Brasil. O Palácio do Planalto, lugar reservado às elites, agora é também espaço do povo.

* Jornalista e secretário nacional da Comissão Pastoral da Terra – CPT