Trabalhadores rurais do MST vão a Brasília pedir a aprovação do Plano Nacional de Reforma Agrária

Adital/Rogéria Araújo

Nesta segunda-feira, 10 de novembro, mais de 1000 trabalhadores rurais vão estar saindo de Goiânia e caminhando em direção a Brasília. É a marcha do MST que vai até a capital federal pressionar o governo para que seja aprovado o Plano Nacional de Reforma Agrária.

Gilmar Mauro, coordenador nacional do MST, acredita que esse é o passo mais importante para as mudanças e melhoria da vida no campo. Afirma que essa é uma luta do movimento que não sofrerá interferência de nenhum governo ou partido. Também acredita que o Governo Lula representa um avanço para a classe dos trabalhadores rurais, pois nunca um presidente aliado da Reforma Agrária havia subido as rampas do planalto.

O balanço que faz do governo até agora não é positivo. “O balanço é negativo, isso a gente precisa ter clareza de dizer. O governo avançou pouco nos assentamentos, na criação de mecanismos de desapropriação e assim por diante. Nossa expectativa é que o Plano Nacional de Reforma Agrária seja discutido a partir da semana que vem”. Com o Plano, 1 milhão de famílias em todo o país serão assentadas.

Com quase 20 anos de atuação, o MST é uma das organizações civis de maior referência para todo o eixo da América Latina. Gilmar Mauro participou há pouco do I Fórum Social Brasileiro, que aconteceu na cidade de Belo Horizonte, em Minas Gerais.

Adital – O que a direção do MST achou da liberação do plantio de soja transgênica para a próxima safra?
Gilmar Mauro – O MST é radicalmente contra a liberação e o plantio de transgênicos no Brasil. No nosso entendimento não há estudos suficientes, ou melhor, há estudos comprovando os impactos negativos deles no meio ambiente e na saúde. O que fica mais claro é o monopólio dos grupos econômicos que querem controlar as sementes, que são patrimônio da humanidade.

Adital – Que balanço o senhor faz desse 11 meses do Governo Lula?
Gilmar Mauro – Não é positivo, o balanço é negativo, isso a gente precisa ter clareza de dizer. O governo avançou pouco nos assentamentos, na criação de mecanismo de desapropriação e assim por diante. Nossa expectativa é que o Plano Nacional de Reforma Agrária seja discutido a partir da semana que vem. Ele prevê o assentamento de 1 milhão de famílias nos próximos quatro anos seja um plano discutido pelo governo e aprovado. E aí sim, nós criaríamos as condições para a melhoria no campo, se geraria mais de 3 milhões de empregos. É a possibilidade de começarmos no Brasil um processo de distribuição de renda e riqueza a partir da terra.

Adital – Que avaliação o senhor faz do Incra depois da saída do Marcelo Resende?
Gilmar Mauro – O Incra continua engessado, no meu modo de ver muito burocratizado e lento. Se nós quisermos realmente a cara da agricultura brasileira o Incra vai ter que correr muito mais aceleradamente.

Adital – O MST é uma referência de organização para toda a América Latina. Como o movimento absorve esta idéia?
Gilmar Mauro – Nós nunca quisemos e nunca fomos presunçosos de achar que nós somos a organização principal etc. Nós temos a humildade de entender que na América Latina várias organizações são importantes e, junto com elas, nós estamos construindo a CLOC (Coordenação Latino-Americana de Organizações do Campo) e junto com outras, construímos a Via Campesina entendendo que é preciso fugir da lógica do protagonismo social, político etc. Entendo mais como uma forma participativa, em rede. É isso que vai permitir um intercâmbio igual de experiências. E permite, acima de tudo, ações concretas unificadas. Então achamos que somos só mais uma organização, no meio de tantas, com a tarefa de construir uma unidade.

Adital – De acordo com a página do MST na internet, em 2003 foram registrados 44 assassinatos no campo. De 1987 para a data atual, foram 137 trabalhadores do MST assassinatos. Esses crimes têm diminuído? Como está essa situação?
Gilmar Mauro – Não tem diminuído, infelizmente. Mas eu acho que nós vamos resolver a violência no campo brasileiro no dia que nós resolvermos o problema do latifúndio, a origem da violência, não só a violência física dos assassinatos, mas da morte de crianças por fome, de destruição do meio ambiente, de inchaço nos grandes centros urbanos. A razão fundamental nesse país é que as elites padecem de monocultura mental e, por essa razão, deixaram o país na miséria que está hoje.

Adital – Várias entidades vêm se mostrando desapontadas com o Governo Lula. Mas o MST parece manter firme uma postura estável com a atual presidência. Em uma entrevista, o presidente Luis Inácio Lula da Silva afirmou que a Reforma Agrária do MST não é a Reforma Agrária do Governo. O que o senhor achou disso?
Gilmar Mauro – A Reforma Agrária do Governo não é a Reforma Agrária do MST. Essa questão nós temos muito claro, por isso mantemos uma autonomia em relação a outras organizações e partidos e também com o Governo. O Governo também pode ser transitório. Obviamente o governo deve ter um projeto de Reforma Agrária que seja diferente do nosso. Isso é normal, natural. Nós queremos que a questão da terra não seja um mero objeto de mercado. Isso difere, talvez, do pensamento do Governo ou pelo menos da conjuntura em que o governo está inserido. É nós vamos continuar lutando por esses nossos ideais, também entendendo as limitações de ainda não podermos implementar esse nosso projeto. Portanto, os avanços que tivermos no governo Lula também serão importantes, obviamente talvez insuficiente para aquilo que a gente quer construir.

Adital – Essas pressões que o MST vêm fazendo não estariam ajudando a desestabilizar o Governo Lula?
Gilmar Mauro – Não, não acreditamos nisso. Nós não acreditamos em mudanças de cima para baixo. Nem do Lula, nem de alguém do MST que fosse presidente nesse papéis. Não será assim que vão se mudar as estruturas desse país de cima para baixo. É um processo que precisa ser construído. Como se constrói? Com a interlocução e participação popular. A luta é para que o povo seja o ator histórico destas mudanças e que faça pressão, inclusive, em contraposição aos setores oligárquicos desse país que não estão mortos e que vão fazer a contra reforma por parte deles. Ou temos força para empurrar o Governo Lula para fazer as reformas ou a direita vai ter força para impor um ritmo do continuísmo no nosso país.

Adital – O senhor acredita que o movimento já está sendo mais bem compreendido pela sociedade depois de tanto tempo de trabalho?
Gilmar Mauro – Ainda há uma incompreensão. Mas isso é parte de uma cultura política histórica brasileira. Se você olhar, a burguesia, nesses 500 anos de Brasil, não abriu mão sequer do radicalismo burguês e nunca permitiu acesso nem à pequena burguesia. Ela construiu uma unidade de classe grande. A burguesia tem ojeriza a pobre e isso se expressa nos meios de comunicação social. O MST faz 20 anos no próximo ano e se sustentar nisso tudo durante 20 anos já é uma grande vitória e é parte dessa mudança cultural que nós estamos ajudando a construir no Brasil.

Adital – Da mesma forma que o MST está organizado, o latifúndio também vem se mostrando organizado, através de vários mecanismos, inclusive, com a conivência do Estado. Como está essa relação?
Gilmar Mauro – Os latifundiários sempre estiveram organizados e sempre mandaram nesse país. Seja através do governo, da força bruta ou do poder judiciário. O que é preciso dizer é que pela primeira vez que nós estamos conseguindo, através de um presidente que é aliado da Reforma Agrária, conseguir tem um pouco de vez e voz nesse país. Os latifundiários vão continuar nos combatendo e nós vamos continuar organizando gente e acreditamos que somos a maioria do povo e um dia venceremos.

* Rogéria Araújo é jornalista da Adital enviada a Belo Horizonte.