Polícia politica fere democracia

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Polícia politica fere democracia

03/12/2004

Por Tatiana Merlino e Jorge Pereira Filho
Fonte Jornal Brasil de Fato

Os movimentos sociais e as organizações de direitos humanos estão reivindicando a abertura da “caixa preta” do Departamento de Inteligência da Polícia Civil (Dipol), órgão da polícia civil de São Paulo. A articulação foi deflagrada depois da divulgação, pelo deputado estadual Renato Simões (PT-SP), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa, de um correio eletrônico secreto enviado pela Dipol. A correspondência pedia que todas as delegacias do Estado de São Paulo espionassem as atividades de organizacões sociais como a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a Central Geral dos Trabalhadores (CGT), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a União Nacional dos Estudantes (UNE).

A Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP) negou que a iniciativa tenha partido do governador Geraldo Alckmin (PSDB) e disse que cumpria uma solicitação da Secretaria Nacional de Seguranca Pública. Porém, a instituição federal garante que solicitou apenas informações sobre a quantidade de ônibus que iriam à Brasília participar das mobilizações de 25 de novembro.

Os movimentos sociais responderam com agilidade às denúncias: dia 30 de novembro, lançaram um manifesto condenando a atuação da polícia paulista. “Tais diligências, caracterizadoras de uma polícia política, são incompatíveis com as funções constitucionais da instituição policial, constituindo grave violação da legalidade democrática”, registra o texto.

DIPOL

As organizações condenam também as prioridades da política de segurança. “A polícia tem muito mais o que fazer, defendendo a comunidade, em vez de vigiar militantes do movimento social”, critica o manifesto. Para representantes dos movimentos sociais, a notícia da espionagem não foi surpresa. “Nós já sabíamos dessa ação. A prova é que, quando vamos fazer uma ocupação, a polícia já está lá nos esperando”, diz Luiz Gonzaga da Silva, o Gegê, da Central dos Movimentos Populares (CMP).
Caracterizando a Dipol como uma espécie de “polícia política”, o deputado Simões relata que, durante o segundo mandato do ex-governador Mário Covas, recebeu uma denúncia contra a divisão, sucessora do famoso centro de tortura da ditadura militar, o Departamento de Ordem Política e Social (Dops). A informação repassada ao deputado apontava que os arquivos desse aparato de repressão estavam atualizados até meados dos anos 90. “Encontramos milhares de fichas individuais com nomes de jornalistas, lideranças religiosas, dirigentes de entidades estudantis. As fichas atualizadas vinham das seccionais de polícia do Estado”, conta Simões.

Para o parlamentar, os mesmos policiais, formados pela ditadura, “tiveram essas práticas durante os dois governos do Covas e devem estar fazendo o mesmo no terceiro governo do PSDB”.
Indícios para isso não faltam. Exemplos: o diretor do Dipol, delegado Macilon Bernardes, serviu o Dops durante a ditadura. O delegado Aparecido Laertes Calandra, o temido capitão Ubirajara, do Destacamento de Operação de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (Doi-Codi), outro aparato de repressão, foi nomeado assistente de Bernardes. Depois de denúncias, Calandra foi transferido para um cargo burocrático na polícia civil, mas continua participando das atividades do Dipol. “Esse é o tipo de gente que cuida da inteligência do governo de Geraldo Alckmin”, diz Simões.

As organizações pretendem ir além da divulgação de um manifesto. A entidade Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes (Educafro), uma das entidades vigiadas, já pediu judicialmente uma certidão de informações e esclarecimento à Dipol. Outros movimentos pretendem fazer o mesmo.

Poder Federal

O governo federal também não foi isentado das críticas das organizações. Sandra Carvalho, da Justiça Global, afirma que as práticas utilizadas são as mesmas dos anos da ditadura. “Como isso pode acontecer dentro de um regime democrático e num governo de esquerda?”, questiona. Para Sandra, os departamentos de inteligência das polícias devem se voltar para redes criminosas, e não para movimentos sociais “que são fundamentais para a consolidação da democracia”. O ativista Gegê afirma que a iniciativa da espionagem é contraditória: “Muita gente que está no governo federal já foi vítima de espionagem. Isso é vergonhoso porque somente mudou o nome das entidades, mas a estrutura continua a mesma”. O presidente nacional da CUT, Luiz Marinho, também se indignou com a espionagem: “Não podemos tolerar isso num regime democrático e os responsáveis têm que arcar com as consequências”.