Em Santa Catarina, Sem Terra preservam plantas em extinção

Em Santa Catarina, Sem Terra preservam plantas em extinção

11/01/2005

De um lado, quase 500 hectares de milho. De outro, 8 hectares de amendoim, batata-doce, melão, melancia, couve, beterraba, feijão, soja, milho, alface, repolho e ervas medicinais. Os quase 500 hectares pertencem à uma única pessoa: Araí José Alves dos Santos, proprietário da fazenda São Francisco. Já a produção dos 8 hectares restantes pertencem às trinta famílias do acampamento São Francisco, em Abelardo Luz (SC).

Vilmar Ruas de Andrade, 46 anos, casado, pai de dois filhos, natural de Soledad, (RS) é coordenador do acampamento. “Aqui nós cultivamos duas ‘qualidades’ de milho crioulo quase desaparecidas: o palha-roxa e o milho branco. Da mesma forma o amendoim, são duas ‘qualidades’. Nós não queremos perder as raízes do pequeno agricultor. É importante preservar nossa história e nossos conhecimentos”, falou Vilmar, enquanto caminhava entre as plantas.” Perguntaram pra nós se tínhamos escola pra treinamento de briga, pra enfrentar fazendeiro. Mas, a nossa verdadeira escola tá aqui” disse ele, mostrando o trabalho coletivo das famílias. “Isso tudo foi limpado só de enxada, sem nenhum veneno, de forma natural. Quem antes estava na rua, pensando em briga ou roubo, agora tá aqui: aprendendo a plantar e lidar com a terra.”

A idéia principal é produzir para se alimentar. Enquanto um grupo desenvolve trabalhos externos nas empreitadas, os demais organizam o acampamento e cultivam a terra. As famílias já estão no local à quatro meses, aproximadamente. A maioria, vindas das cidades de São Domingos, Ipuaçu e Abelardo Luz.

Com a decisão de plantar, iniciou-se a Campanha das Sementes, divulgada pelo programas de rádio do MST na rádio local e nas comunidades do interior. Grande parte das sementes obtidas foi através de assentados, pela Igreja Católica local e por amigos do MST. Uma das espécies de amendoim, por exemplo, veio do Paraguay. No acampamento existe uma grande preocupação com relação aos recursos naturais da região. Mesmo uma das fontes d’água, que já estava quase seca devido as técnicas de cultivo usadas na fazenda, foi reflorestada e esta se recuperando.

No dia 09 de janeiro, o acampamento promoveu um jogo de futebol amistoso com outro acampamento do MST, chamado Pátria Livre, também município Abelardo Luz. Uma forma de reforçar a união e o companheirismo, como simbolizaram os apertos de mão, antes de iniciar a partida. Apitou o jogo, Adrelino Domingos Conte, pequeno agricultor, vizinho do acampamento São Francisco. ‘Eu moro aqui fazem vinte e cinco anos, tenho cinqüenta e seis. Criei quatro filhos neste lugar, junto com mais cinqüenta e duas crianças. Aqui nós tinha três times de futebol, uma ‘vendinha’, capela pra rezar a missa, escola. Hoje não tem mais nada! Das quatorze famílias que moravam nesta comunidade, só sobrou eu. Não deu mais pra ficar, o pessoal foi vendendo seu pedacinho de terra, suas coisinhas e foi tudo pra cidade” conta “seu” Adrelino, como é chamado pelos demais. A relação entre os vizinhos é boa, com direito a amistoso de futebol e tudo. “No começo ele se assustou quando viu nós chegando, mas hoje já tá acostumado”, falou Francisco Alves dos Santos, integrante do setor de segurança.

A área em que Adrelino produz é pequena, mal dá para o pasto das vacas e para o parreiral de uvas. Ele e a esposa moram sozinhos, no meio das grandes fazendas. Até a cidade mais próxima, são quase vinte e cinco quilômetros. Adrelino já esteve acampado, mas desistiu. “É muito sofrimento”, desabafa, “mas agora seria bom pra mim se isto aqui virasse assentamento. Teria uma comunidade de novo, escolas, mais produção e eu já não ‘taria’ sozinho, né?” As famílias acampadas aguardam ansiosos os encaminhamentos do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).