Companheiro Kirchner

Por Leo Lince, Fonte Jornal Correio da Cidadania

Está claro, desde sempre, que o Tietê não é o Rio da Prata, samba não é tango, nem Pelé é Maradona. No entanto, guardadas todas as diferenças de formação, história e situação, o universo imaterial dos valores (a coragem é um valor universal) transborda de tais diferenças e cala fundo na opinião geral. Ainda mais porque existe um quadro comum de constrangimentos que nos aprisionam – Brasil e Argentina – ao tacão do globalitarismo financeiro.

O governo argentino, neste campo particular, está batendo um bolão. A renegociação da dívida foi um sucesso total. Conseguiram 76% de adesão ao projeto corajoso que alarga os prazos de pagamento e reduz o volume da dívida para um terço do valor irreal que tinha antes. O mundo não veio abaixo. Os rentistas, e aqueles que em nome deles desgraçam a vida de meio mundo, tiveram que engolir. A casta financeira, no episódio, rosnou e arreganhou os dentes, mas teve que botar o galho dentro.

Foi uma grande derrota do Fundo Monetário Internacional e da arrogância dos falsos moedeiros. Ficou claro que eles não estão com essa bola toda. Ficou claro que um país com projeto estratégico próprio, tendo um governo sério que age com firmeza, pode prevalecer sobre as imposições da casta financeira. Derreteram a parte maior da bola de neve da dívida e deslocaram o eixo do crescimento sustentável para o plano da autonomia da política. Tudo indica que vão se dar bem, pois apostar na poupança externa para crescer sempre foi a maior roubada.

O boicote da Shell foi outro gol de placa. Aumentaram os preços na mão grande e o castigo veio a cavalo. A mobilização que articulou governo e cidadania deu resultado imediato. O presidente pediu – “não comprem nem uma lata de óleo da Shell” – e, ato contínuo, os manifestantes estenderam bandeiras argentinas nos postos e a queda de vendas alcançou 70 %. O recém-eleito presidente uruguaio, Tabaré Vázquez, determinou que a estatal uruguaia voltasse atrás no aumento de preços na Argentina. Um ato de solidariedade que mostra a vigência de outras palavras, outras atitudes e procedimentos, quem sabe expressivos de que, no horizonte da política, valores maiores se alevantam.

As elites brasileiras, que adoram o tigre de papéis e ganham muito com os negócios que ele lhes propiciam, estão preocupadas com os exemplos que vem do sul. Plugados no norte, eles querem o governo daqui sempre obsequioso aos desígnios da casta financeira, no papel de sumo sacerdote da sacralidade dos contratos que ameaçam o nosso futuro. É bom abrir o olho e desconfiar do aplauso desta gente. Ao final da história, vide o exemplo do Menem, esse papel resulta sempre em “papelão”. Os que vivem no mundo do trabalho, no entanto, querem ver o governo brasileiro em outra turma, alinhado na luta comum para consolidar uma ampla frente antineoliberal. Dão vivas a Tabaré Vázquez e parabéns ao companheiro Kirchner.