Em Anapu, nada mudou além do circo

Depois do assassinato da missionária estadunidense Dorothy Stang, em Anapu, oeste do Pará, a mídia vem progressivamente deixando de lado o assunto. Evitar que as pessoas se esqueçam do contexto de violência e impunidade que permite que crimes como esse ocorram - e levar essa discussão à universidade - foram os objetivos do "Ato em repúdio aos assassinatos de Anapu", organizado dia 6 de abril pelas associações de professores e funcionários da Pontíficia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) - a Apropuc e a Afapuc.

Depois do assassinato da missionária estadunidense Dorothy Stang, em Anapu, oeste do Pará, a mídia vem progressivamente deixando de lado o assunto. Evitar que as pessoas se esqueçam do contexto de violência e impunidade que permite que crimes como esse ocorram – e levar essa discussão à universidade – foram os objetivos do “Ato em repúdio aos assassinatos de Anapu”, organizado dia 6 de abril pelas associações de professores e funcionários da Pontíficia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) – a Apropuc e a Afapuc.

Para o evento, foram convidados dois personagens que conviveram e lutaram com a irmã Dorothy por anos: o padre José Amaro Lopes de Souza, coordenador da Comissão Pastoral da Terra (CPT) do Pará, e Gabriel Domingos do Nascimento, vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Anapu. Ambos estão na lista de ameaçados de morte da região e, em entrevista, fazem comentários sobre o Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) que tanto incomodou os poderosos latifundiários da região.

Como funciona o Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) e como está sua aceitação ?

Padre José Amaro – O PDS surgiu do próprio Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), idealizado pela irmã Dorothy e pelos movimentos sociais. Foi um projeto necessário porque os assentamentos não estavam dando resultados, os lotes eram vendidos e viravam pastos. O grupo de fazendeiros e madeireiros que se opunham ao projeto tentou colocar os trabalhadores e trabalhadoras contra, mas o pessoal que está dentro o aceita. Por ser bom e tão ameaçador para os grandes é que tiraram a vida da Dorothy.

O que é cultivado dentro do PDS ?

Gabriel Domingos Nascimento – Temos uma cultura de subsistência, que chamamos de cultura branca (arroz, feijão, milho, pepino e cebola). Outras culturas como cacau, café e pimenta-doreino também podem ser trabalhadas. Há projetos de criação de peixes e animais silvestres, sem falar daquilo que é da floresta, como açaí, cupuaçu, resinas medicinais e a própria madeira.

Existe relação entre as pessoas que cometeram o crime e o governo estadual ?

Padre Amaro – O Estado fica de rabo preso com essas pessoas que financiam suas campanhas políticas. Com as eleições do ano que vem, ninguém vai bater de frente e, enquanto isso, as pessoas estão morrendo. Quero ver se muda alguma coisa, mas até agora foi só alegoria. Exército, polícia militar, civil, mas nada de concreto, até porque os assassinos se entregaram sem que ninguém fosse buscá-los.

Como anda a questão da segurança de vocês?

Nascimento – Nós não temos segurança, mesmo ameaçados de morte. No dia do velório da Dorothy, comentei com um caboclo: “Infelizmente, o que um grupo queria fazer, fizeram, que era assassinar a Dorothy. Agora espero que assumam as conseqüências.” Ele foi lá e me denunciou por calúnia e difamação. Fui à delegacia dar meu depoimento e o delegado disse claramente: “Esses caras são muito certos, têm que achar algum jeito de pegar eles.” Ou seja, a própria polícia procura uma forma de nos prender. Disseram que nós precisaríamos ser escoltados por policiais 24 horas. Não achei necessário e disse que só precisaria ser acompanhado quando saísse da cidade. No dia em que vim para São Paulo, disse que precisava de acompanhamento até Altamira, mas não tinham transporte e nem gente suficiente.

Vocês acham que a cobertura da imprensa procurou mostrar o contexto em que o crime ocorreu ?

Nascimento – Nem todos os veículos, alguns mostraram um pouquinho mais, mas grande parte da imprensa esteve lá para filmar a Dorothy morta, e não a história da Dorothy viva. Não se falou quase nada sobre a história da cidade ou da situação. Contar a história da Dorothy viva ajudaria a mostrar as diferenças do nosso país e a procura do povo por dignidade.