Eclusas: Conclusão ameaçada

Por Lúcio Flavio Pinto
Fonte Adital

O orçamento do sistema de transposição da barragem de Tucuruí estourou: agora chegou a R$ 600 milhões. O rio Tocantins ameaça ficar bloqueado por mais tempo do que o previsto.
As obras das eclusas de Tucuruí podem ser excluídas do programa-piloto e deixar de ser prioritárias para o governo federal. O ministro dos transportes, Alfredo Nascimento, e o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva ficaram irritados com o novo orçamento do serviço, apresentado pela Construtora Camargo Corrêa. De 350 milhões de reais, a previsão de investimento até a conclusão do sistema de transposição do rio Tocantins pulou para R$ 600 milhões. Como o saldo do que foi gasto nas eclusas já passou de R$ 500 milhões, seu custo final iria além de um bilhão de reais. O governo considera esse valor excessivo.

O novo orçamento foi entregue, segundo uma fonte do setor, enquanto o MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens) ocupava a área lateral a montante do rio, por onde passará o canal intermediário de concreto, com sete quilômetros de extensão (a ocupação foi suspensa no último fim-de-semana). O reajuste de preços foi interpretado em Brasília como um aproveitamento, por parte da empresa, de circunstâncias desfavoráveis ao governo, impondo-lhe o acréscimo, sob pena de impedir o presidente de cumprir o compromisso assumido publicamente em Tucuruí, no início do ano. Lula garantiu entregar a obra até dezembro do próximo ano, antes de concluir seu mandato.

O projeto da hidrelétrica de Tucuruí não incluiu o sistema de transposição da barragem, que criou um desnível artificial de 72 metros no leito do Tocantins. Só em 1979, quatro anos depois do começo dos trabalhos na usina, as eclusas foram iniciadas, sob a responsabilidade da Portobrás, subsidiária do Ministério dos Transportes (já extinta) e não da Eletronorte, que continuou cuidando apenas da geração de energia. Quando a hidrelétrica foi inaugurada, no final de 1984, o sistema de transposição contava apenas com a porta de acesso ao elevador de montante (a eclusa número um), incrustada na estrutura da grande barragem. Ainda faltava a segunda eclusa e o canal de navegação entre as duas entradas, além dos equipamentos de operação.

No próximo ano deverá ser concluída a motorização de Tucuruí, com a instalação da 23ª máquina na casa de força. Se o cronograma das eclusas for novamente prorrogado, como vem ocorrendo sucessivamente desde a década de 80, o rio Tocantins continuará bloqueado, 350 quilômetros antes de desaguar no estuário do rio Pará, às proximidades do litoral paraense e de Belém. As protelações anteriores, repetidas a despeito da renovação das promessas, que praticamente todos os presidentes da República fizeram ao longo desse período, se baseavam numa convicção dos técnicos da administração federal.

Eles achavam as eclusas desnecessárias ou sem prioridade por não haver demanda de carga para justificar um investimento tão pesado. As eclusas de Tucuruí serão das maiores do mundo para poder vencer a diferença entre o nível natural do Tocantins, rio abaixo (ou jusante), e a altura que alcançou com a construção da barragem, rio acima (ou montante), no reservatório. Essa cota elevada foi projetada para que a usina pudesse ter água suficiente para gerar um enorme volume de energia, que a torna a maior hidrelétrica inteiramente brasileira e a quarta maior do mundo em atividade. Em seu leito natural, o Tocantins é um rio de planície, com baixa declividade, como quase todos da bacia amazônica.

Embora o Código de Águas, de 1934, obrigue os construtores de barragens a restabelecer a navegabilidade dos rios que represam, a Eletronorte decidiu ignorar essa exigência legal. O preço a ser pago era considerado caro demais. Assim ,o Tocantins já está bloqueado há quase 30 anos, desde a formação da ensecadeira principal, que possibilitou a concretagem da represa. Mas se na época era efetivamente reduzido o volume de carga que podia ser beneficiado pela navegabilidade do rio, hoje esse valor é calculado em algo como seis milhões de toneladas anuais, o que já justificaria a conclusão das eclusas.

A principal carga adicionada à demanda é de origem mineral. A Mineração Buritirama, que extrai manganês em Carajás, e pelo menos sete usinas siderúrgicas do distrito industrial de Marabá estão dispostas a trocar o transporte ferroviário pelo hidroviário. Uma futura aciaria, projetada para o distrito industrial de Barcarena pela Cosipar, também poderia receber minério de ferro de Carajás diretamente pelo rio. Um ensaio desse futuro modal foi realizado pela maior das guseiras, a Cosipar. No ano passado a empresa fez três embarques no porto de Vila do Conde, a 500 quilômetros de suas instalações, transportando gusa em caminhões. Foram mais de duas mil viagens, sem frete de retorno, uma façanha que se viabilizou graças ao alto preço que o produto alcançou no mercado internacional no ano passado. O crescimento foi de quase quatro vezes em relação aos preços praticados no período anterior.

Mas a cotação da gusa já experimentou um retrocesso de mais de 40% no primeiro quadrimestre de 2005. O transporte por caminhão se tornará impossível. Os empresários deverão adotar uma nova alternativa, se as eclusas realmente atrasarem: fazer o transbordo de carga na barragem, transferindo os produtos transportados em barcaças de um lado para barcaças do outro lado da represa.

O custo será maior do que o de uma passagem direta pelo sistema de transposição da barragem, mas poderá ser menor do que usar a ferrovia de Carajás. Não só pelo confronto direto dos preços dos fretes como pela sujeição à Companhia Vale do Rio Doce, dona da ferrovia, fornecedora exclusiva do minério de ferro e no futuro, quando implantar sua própria guseira, em sociedade com a americana Nucor, concorrente no setor.

Caso o governo federal e a Construtora Camargo Corrêa não cheguem a um acordo sobre o orçamento da obra, Brasília deverá refazer o cronograma das eclusas. Assim, mais uma administração chegará ao final do seu mandato no Palácio do Planalto e o Tocantins, o 25º maior rio do mundo, continuará sem ponto de passagem em Tucuruí, que lhe garantiria navegabilidade plena por pelo menos 500 quilômetros de extensão.