Assembléia avança na construção de um projeto popular

“A emancipação dos oprimidos será obra deles mesmos.” (Karl Marx)

CARTA DA ASSEMBLÉIA POPULAR – MUTIRÃO POR UM NOVO BRASIL

Companheiras e Companheiros, Irmãs e Irmãos do Brasil,

Na condição de cidadãs e cidadãos, somos sujeitos de direitos iguais e habitantes de um dos territórios mais ricos em sua diversidade étnica, de regiões, clima, vegetação, fauna, solos, rios, litorais. Ricos em história, culturas, tradições, costumes, valores e espiritualidades. Viemos de diferentes biomas (regiões socioculturais/socioambientais) e queremos que o Brasil seja uma unidade da riqueza de toda esta diversidade, em favor de uma vida com dignidade para e com todas as pessoas e todos os seres vivos.

É inaceitável que nossas regiões estejam ameaçadas de destruição, em nome do “progresso” capitalista e do apelo consumista do mercado, que só visa o lucro imediato e a acumulação de riquezas, mercantilizando a vida e, em particular, o corpo das mulheres. Explora o trabalho humano e ignora o equilíbrio da vida e da natureza. Os povos da Caatinga, da Amazônia, do Pantanal, do Cerrado, do Pampa, da Mata Atlântica – e sendo parte dela ou seus vizinhos, os povos da longa Costa marítima e a região da Floresta de Pinhais -, os povos indígenas de todas essas regiões se sentem ameaçados pelo avanço do agronegócio e de projetos que não levam em conta as potencialidades e limites de cada bioma e não se interessam pelo destino de seus povos. Um exemplo disso é o projeto de transposição das águas do Rio São Francisco.

A quem serve esse tipo de “progresso”, irresponsável, em nosso país e no mundo?

O cenário mundial revela que, apesar dos avanços tecnológicos, se aprofundam as desigualdades sociais. O “progresso” não serve à maioria da população. Cresce o número de pobres e agrava-se sua situação de vida, excluídos de oportunidade, enquanto uma minoria de banqueiros, especuladores e grandes empresários acumula privilégios, concentra fortunas e comanda o mercado financeiro, o principal responsável pelas nefastas políticas neoliberais.

A situação brasileira não é diferente. Um por cento da população controla e dispõe de 13% da renda nacional – a mesma quantia com que sobrevive a metade de toda a população! Um por cento dos proprietários rurais concentra mais de 46% das terras agricultáveis. Nas cidades, 1% dos proprietários controlam mais da metade dos lotes, enquanto milhares de pessoas são perseguidas por lutarem por um espaço para viver.

Ainda existe considerável quantidade de não alfabetizados no Brasil e menos de 8% dos estudantes chegam às universidades, sendo que a maioria vem das escolas particulares. O programa “Universidade para Todos” retira recursos que deveriam ir para universidades públicas e os destina a universidades privadas. A Fome é uma vergonhosa realidade em um país que tem capacidade de gerar alimentos para todos e todas. O desemprego, o subemprego e a informalidade são alarmantes. Milhões de pessoas, sobretudo jovens e aquelas com mais de 40 anos, vivem sem garantias, desprotegidas pelo Estado e lançadas à própria sorte. O transporte público está à mercê da lógica mercantil e privatista. O acesso à saúde e a educação de qualidade está restrito a poucos, por falta de investimentos públicos, enquanto assistimos fortunas vazarem pelo ralo dos encargos da dívida e da corrupção.

É decisivo que toda a sociedade conheça as causas desse quadro de desigualdade e opressão:

1. Elevada remuneração do capital, por meio da prática das taxas de juros mais altas do mundo, passando grande parte da riqueza nacional para o setor financeiro, que tem auferido os lucros mais elevados de todos os tempos. Além disso, o Banco Central tem promovido a liberdade cambial, que além de facilitar a lavagem de dinheiro, deixa o país à mercê da especulação financeira e atenta contra a soberania nacional.

2. Exploração do trabalho infantil e do trabalho escravo. Exploração de toda a classe trabalhadora, por meio de salários achatados e salário mínimo indigno, que não cumpre o disposto no artigo 7 o , inciso IV, da Constituição Federal, segundo o qual “ os trabalhadores urbanos e rurais têm direito ao salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim ”. Nesse sentido, a Assembléia Popular se manifesta contra as reformas trabalhista, sindical e previdenciária que tiram direitos dos/das trabalhadores/as.

3. Distorções do sistema tributário que privilegia os ricos e castiga a classe trabalhadora, principalmente os trabalhadores e trabalhadoras de baixa renda. O sistema tributário deveria ser o principal veículo para a redistribuição da renda. Deveria tributar os grandes capitais, lucros, fortunas, heranças e latifúndios, e destinar esses recursos à garantia de políticas e serviços públicos de saúde, educação, esporte, segurança, saneamento, assistência, criança e adolescentes, previdência, cultura, lazer etc. O atual modelo econômico, ao contrário, tira o suado dinheiro dos pobres e passa aos ricos, levando a uma concentração de renda cada vez maior. Além disso, o governo tem implementado uma legislação que favorece o grande capital.

4. Concentração da propriedade da terra, dos meios de produção, e ausência de uma política agrária sustentável que garanta sua democratização por meio da identificação, retomada e distribuição das terras devolutas e da r eforma agrária , além da demarcação e titulação das terras indígenas e quilombolas e demais territórios tradicionais. O modelo agrário neoliberal e a ausência de uma política agrícola para os/as camponeses/as mantêm e aumentam a concentração de renda e de poder, e estão diretamente voltados à produção de dólares para pagar os encargos da dívida externa. O agronegócio é a maior mazela do campo brasileiro!

5. Ausência de investimentos públicos em favor de iniciativas comunitárias e cooperativas de economia popular solidária, de pequenas e médias empresas, especialmente as empresas autogestionadas. Ausência de infra-estrutura e uma reforma urbana para melhorar a vida do povo, o que poderia gerar inúmeros empregos e impulsionar a economia do país, já que programas como o Bolsa Família têm caráter meramente assistencialista. A atual política econômica governamental exige agressivos cortes nos investimentos e gastos sociais, a fim de oferecer garantias aos credores das dívidas interna e externa através do “superávit primário”. Além de não realizar investimentos, tem ocorrido o processo inverso, por meio da privatização de empresas nacionais prestadoras de serviços essenciais e, recentemente, a entrega de bens naturais essenciais como a água, também o perigo da contaminação de sementes nativas causada pela liberação de sementes transgênicas, além da valorização do agronegócio depredador, a desnacionalização de jazidas de petróleo e a entrega do Aqüífero Guarani aos interesses do Banco Mundial

6. Privilégios para o pagamento dos encargos das dívidas, tanto interna quanto externa, que consomem grande parte do orçamento público e da receita de exportações. A Dívida Pública é o pano de fundo dos grandes problemas nacionais. O processo de endividamento está diretamente ligado à retirada de direitos, à perda de soberania diante das imposições de políticas de ajuste fiscal e estrutural e, também, às dificuldades decorrentes do comércio injusto, que nos obriga a produzir cada vez mais para exportar, sem respeitar nossos biomas e seus povos. Por isso, exigimos a realização de uma Auditoria, prevista na Constituição Federal, dessas questionáveis dívidas que tanto têm sacrificado a nação brasileira.

7. Impunidade para os que agridem os direitos humanos e a crescente criminalização dos pobres e dos movimentos sociais. Outro grave problema é a ausência de justiça social e segurança pública nos grandes centros urbanos e no meio rural.

8. Concentração dos meios de comunicação, sob domínio direto de poucas famílias, com o objetivo de fazer a disputa e a formação ideológica da população, a partir da visão das elites. Outro problema é a permanente perseguição às rádios comunitárias. É necessário fortalecer iniciativas de comunicação como TVs e rádios comunitárias e a Telesur.

Diante desse quadro de enormes injustiças e desse conjunto de políticas contrárias às necessidades do povo, é urgente realizamos uma ampla mobilização social, de forma consciente, contra tudo que impede que as enormes potencialidades de cada região, de cada bioma, e do país como um todo atendam plenamente aos direitos de seus cidadãos e cidadãs.

É preciso que todo o povo conheça a força do seu poder! A mobilização que estamos iniciando requer o envolvimento das organizações da sociedade civil – entidades, associações, sindicatos, movimentos sociais, igrejas, e dos cidadãos em geral – a fim de pressionar os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário para exigir o direcionamento das políticas nacionais em favor dos interesses populares, e não do mercado financeiro. Os recursos naturais como a água não podem ser mercantilizados. O Brasil precisa que se valorize a reciclagem e o reaproveitamento dos materiais em um processo de trabalho gerido pelos próprios catadores e catadoras. É necessário respeitar a livre orientação sexual e acabar com a homofobia. Exigimos comportamento transparente e ético de todas as pessoas responsáveis por serviços públicos, bem como a apuração completa de todas as denúncias de corrupção e o ressarcimento dos recursos desviados aos cofres públicos. É necessário viabilizar instrumentos de fiscalização popular da aplicação de recursos públicos e acabar com a impunidade parlamentar e sua aposentadoria privilegiada.

A participação dos cidadãos e cidadãs nas Assembléias Populares contribuirá para instituir uma soberania popular efetiva, e não meramente simbólica. As Assembléias serão nossa força para impedir a subordinação do bem comum do povo ao interesse particular, bem como a subserviência da nação aos interesses estrangeiros. Elas serão nossa força para tornar efetivo o poder popular, para construir um Brasil livre, pluriétnico, autônomo, soberano e socialista, que queremos para nós e para as futuras gerações, convivendo com todos os povos da Terra em espírito de cooperação e solidariedade.

Assembléia Popular – Mutirão por um novo Brasil
Brasília, 28 de outubro de 2005

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NOSSOS PRÓXIMOS PASSOS

I- AGENDA DE LUTAS COMUNS

O povo luta todos os dias pela sobrevivência. Luta por seus direitos. Muitos movimentos populares, sindicais, sociais, lutam também por defender os interesses de grupos sociais. Mas agora, precisamos construir uma pauta comum, do que poderíamos fazer, lutar todos juntos e que interessa a todos e a todas.

1. Lutar por uma reforma política de fato, que mude o processo de representação política.

A crise política atual revelou que os brasileiros não acreditam nos atuais políticos. Acontece que o sistema de representação não respeita a vontade do povo. Depois de eleitos, fazem o que querem. Existem várias propostas de reforma apresentadas. Uma delas com aval da OAB, CNBB e entidades, que defende a introdução de mecanismos de democracia direta, de plebiscito, de revogar mandatos etc.

Precisamos lutar, precisamos promover amplos debates exigindo mudanças no sistema político-eleitoral e na organização sócio-político-economica.

2. Auditoria e suspensão do pagamento da divida externa.

Está previsto na Constituição brasileira que deveríamos fazer uma Auditoria da dívida externa e ver o que já foi pago e o que devemos de fato pagar. O Brasil já pagou mais de uma vez sua divida externa. Por isso é urgente e necessário a auditoria da divida externa.

3. Lutar pela valorização do salário mínimo e das aposentadorias.

O aumento do salário mínimo e da aposentadoria são as principais formas de recuperar a renda dos mais pobres. É a melhor forma de garantir a distribuição de renda. O governo Lula, em campanha, havia se comprometido a dobrar seu poder aquisitivo durante os quatro anos. Se ele cumprisse a promessa, hoje o salário mínimo, segundo o DIEESE, deveria ser de 454 reais, e em maio do ano que vem, deveria ser de 566,00. Mas o governo enviou mensagem ao Congresso, propondo um salário de 324 reais para 2006. Lutar pelo projeto de aposentadoria das donas-de-casa.

4. Lutar pelo direito ao trabalho e pela redução da jornada de trabalho.

Milhões de brasileiros estão desempregados ou no trabalho informal. O direito ao trabalho é fundamental. A maioria de nossos jovens não têm essa oportunidade. Por isso precisamos desenvolver uma luta pelo direito ao trabalho, em especial para o jovens da cidade e do campo.

5. Lutar contra o pagamento da dívida interna e os altos juros com dinheiro do orçamento publico, que é nosso.

O governo está gastando mais de 120 bilhões de reais por ano em juros da divida interna. E é o Banco Central que marca a taxa de juros todos os meses. E hoje é a mais alta taxa de juro do mundo. O governo usa o dinheiro do povo para transferir aos bancos. Isso precisa acabar.

6. Lutar por uma política externa soberana baseada no princípio da solidariedade entre os povos e na defesa da biodiversidade.

• Contra os acordos da ALCA e da OMC;

• Pela retirada das tropas brasileiras no Haiti;

• Pelo fim da exploração por parte da Petrobrás e de outras empresas brasileiras nos países vizinhos;

• Mobilizar-se pela adesão à Aliança Bolivariana das Américas -ALBA.

7. Lutar pela educação pública gratuita e de qualidade para todos, garantindo o acesso ao ensino médio e fundamental para todos e dobrando as vagas nas universidades públicas.

Nós temos muitas universidades públicas. Poderíamos dobrar o numero de estudantes, com as mesmas instalações, apenas aumentando os professores, os cursos, os horários e os investimentos. Garantir que essas vagas sejam prioritariamente destinadas ao jovens mais pobres.

8. Realizar uma jornada nacional pela reforma agrária e em defesa das águas articulada com:

• As lutas pela demarcação de todos os territórios indígenas e quilombolas;

• Por um novo modelo de desenvolvimento agrícola;

• Por uma agricultura livre de transgênicos;

• Contra a privatização das águas, somando-se à campanha pela revitalização e contra a transposição do Rio São Francisco.

9. Lutar para que os recursos do orçamento público, sejam destinados prioritariamente para as políticas sociais, como saúde e educação.

• Propor mecanismos de controle popular sobre as políticas públicas;

• Programar jornadas nacionais em defesa das políticas públicas;

10. Promover uma jornada nacional de luta pela democratização dos meios de comunicação.

• Estimular todos os meios e práticas de comunicação popular, comunitárias e livres;

• Combater o atual monopólio dos meios de comunicação;

• Somar-se a semana de lutas pela democratização dos meios de comunicação a realizar-se em torno do dia 17 de outubro de 2006.

II . COMO AMPLIAR NOSSA ORGANIZAÇÃO E MANTER-NOS ARTICULADOS?

O segundo passo que precisamos dar se refere à continuidade de nosso esforço organizativo com o povo, com as bases.

1. Assembléias Populares Locais.

Quando decidimos realizar a Assembléia Popular – Mutirão por um Novo Brasil em âmbito nacional, havíamos planejado realizar assembléias municipais e estaduais. Infelizmente, por falta de tempo e capacidade organizativa, conseguimos realizar apenas assembléias estaduais. Mas agora, precisamos realizar assembléias populares nos municípios do interior e nos bairros das grandes cidades. O povo precisa ter um espaço para falar, debater seus problemas. Sem preocupação com delegação de poder, todos podem e devem se manifestar. E nas assembléias, retomar os temas debatidos nos documentos da assembléia nacional. Em outros espaços organizados, como sindicatos, paróquias, centros acadêmicos, assentamentos, comunidades rurais, também podemos realizar assembléias populares e debater.

Uma assembléia popular é a participação de todo povo: crianças, jovens, adultos, idosos, homens e mulheres. As Assembléias Populares podem também planejar atividades de ação direta que permitam mobilizar em torno de problemas e soluções comuns e que sirvam de exercício de pedagogia de massa.

2. Realizar um mutirão de debate de base.

Utilizar os documentos que serão aprovados nesta Assembléia, sobretudo o documento O BRASIL QUE QUEREMOS, transformá-los em cartilhas, com perguntas e de forma didática, para discutir com o povo. E combinar que tod@s nós, ao voltarmos às nossas bases, durante um certo período, fossemos de casa-em-casa, levando a cartilha e discutindo com o povo. Devemos aproveitar também os espaços comunitários onde nossa base está acostumada a se reunir como: centros comunitários, associações, paróquias, sindicatos, etc.

3. Assembléia Popular Nacional Permanente

Podemos afirmar que, a partir de agora, nos comprometemos a manter-nos em assembléia popular permanente.

Realizarmos uma nova Assembléia Popular Nacional com representações, delegados, por todos os setores sociais, e seguiremos adiante nessa longa jornada do povo ir construindo suas próprias instâncias, seus próprios espaços de debate e decisão.

Calendário de Lutas:

• 8 a 14 de março: Jornada Nacional em Defesa das Águas;

• 8 de março: Dia Internacional da Mulher;

• 17 de abril a 1º de maio: Lutas em Defesa da Reforma Agrária, do Salário Mínimo e pelo Direito ao Trabalho;

• 19 de abril: Dia dos Povos Indígenas;

• 1º a 7 de setembro: Jornada Nacional pela Soberania Nacional e Contra o pagamento da Dívida Interna e Externa;

• 17 de outubro: Semana de Luta pela Democratização dos Meios de Comunicação.

Calendário Organizativo:

1º Etapa: De janeiro a maio de 2006

• Desenvolver o trabalho de base;

• Promover as Assembléias municipais;

• Divulgar os documentos da Assembléia Popular/2005;

• Elaborar cartilhas de estudo;

2º Etapa: De maio a junho de 2006

• Promover as Assembléias Populares Estaduais;

3• Etapa: Assembléia Nacional

• Surgiram três alternativas de datas que precisam ser definidas pela coordenação da Assembléia Popular Nacional;

• Antes das eleições de 2006;

• Depois das eleições;

• Início de 2007.

Assembléia Popular Nacional
Brasília/DF, 28 de outubro de 2005l