Via Campesina divulga nota sobre denúncia no RS

A respeito da denúncia apresentada pelo Ministério Público nesta segunda-feira, em razão da ação das mulheres da Via Campesina no dia 8 de março, contra a empresa Aracruz, a Via Campesina do Rio Grande do Sul tem a dizer o seguinte:

1. A denúncia apresentada pelo Ministério Público é baseada em suposições do promotor e não tem base jurídica. São denúncias infundadas que visam a responder à pressão dos meios de comunicação, patrocinados pela Aracruz, em especial o Grupo RBS, que têm agido sistematicamente de modo a criminalizar e a perseguir os movimentos sociais do Rio Grande do Sul. Em juízo, com tranqüilidade, a Via Campesina irá provar o descabimento das denúncias e espera que o Poder Judiciário se paute mais pelo interesse público do que pela pressão das grandes empresas e da grande imprensa.

2. A Via Campesina do Rio Grande do Sul reafirma sua disposição em lutar contra as monoculturas de eucalipto, da mesma forma que sempre lutou contra outras monoculturas predatórias ao meio-ambiente, à vida dos trabalhadores do campo e à saúde da população. Não somos contra a ciência, mas temos clareza que toda ciência tem por trás um projeto político. Por isso, somos contra os desertos verdes, as enormes plantações de eucalipto, acácia e pinus para celulose, que cobrem milhares de hectares no Brasil e na América Latina. Onde o deserto verde avança a biodiversidade é destruída, os solos deterioram, os rios secam, sem contar a enorme poluição gerada pelas fábricas de celulose que contaminam o ar, as águas e ameaçam a saúde humana. A ação das mulheres da Via Campesina, realizada no Dia Internacional da Mulher, será um marco para as futuras gerações na defesa da vida na Terra.

3. Esperamos que o Ministério Público do Rio Grande do Sul, assim como nos Estados de Espírito Santo, Minas Gerais e Bahia, demonstrem a mesma agilidade em apurar os verdadeiros crimes cometidos pela empresa Aracruz, por agressão aos povos indígenas, quilombolas e camponeses, por desrespeito à legislação ambiental e pelos efeitos nocivos sobre a biodiversidade e os recursos hídricos das regiões onde se instala. Esta mesma empresa será julgada no Tribunal Internacional dos Povos às Transnacionais Européias e ao Sistema de Poder das Corporações na América Latina e Caribe, evento da sociedade civil que será realizado em Viena (Áustria), de 10 a 13 de maio. Lembramos que o Ministério Público Federal do Rio Grande do Sul acaba de pedir à Justiça que impeça o plantio de eucalipto no Parque Nacional da Lagoa do Peixe, por conta dos comprovados efeitos nocivos provocados por esta monocultura.

Aproveitamos para divulgar o manifesto em apoio às mulheres da Via Campesina que está rodando o mundo inteiro e vem recebendo diversas assinaturas de personalidades, intelectuais, artistas e representantes de movimentos sociais.

VIA CAMPESINA DO RIO GRANDE DO SUL
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
Movimento dos Pequenos Agricultores
Movimento dos Atingidos por Barragens
Movimento de Mulheres Camponesas
Comissão Pastoral da Terra
Pastoral da Juventude Rural
Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil
GLOBALIZEMOS A LUTA! GLOBALIZEMOS A ESPERANÇA!

Manifesto de Homens e Mulheres em Solidariedade às Mulheres da Via Campesina

AS MUDAS ROMPERAM O SILÊNCIO

I
Havia um silêncio sepulcral

sobre dezoito mil hectares roubados
dos povos tupi-guarani

sobre dez mil famílias quilombolas
expulsas de seus territórios

sobre milhões de litros de herbicidas
derramados nas plantações

Havia um silêncio promíscuo

sobre o cloro utilizado
no branqueamento do papel
a produzir toxinas cancerígenas
que agridem plantas, bichos e gentes

sobre o desaparecimento
de mais de quatrocentas espécies de aves
e quarenta de mamíferos
do norte do Espírito Santo

Havia um silêncio intransponível

sobre a natureza de uma planta
que consome trinta litros de água-dia
e não dá flores nem sementes

sobre uma plantação que produzia bilhões
e mais bilhões de dólares
para apenas meia dúzia de senhores

Havia um silêncio espesso

sobre milhares de hectares acumulados
no Espírito Santo, Minas, Bahia
e no Rio Grande do Sul

Havia um silêncio cúmplice

sobre a destruição da Mata Atlântica e dos pampas
pelo cultivo homogêneo de uma só árvore:
o eucalipto.

Havia um silêncio comprado

sobre a volúpia do lucro

Sim, havia um silêncio global

sobre os capitais suecos
sobre as empresas norueguesas
sobre a grande banca nacional

Por fim
havia um imenso deserto verde
em concerto com o silêncio.

II

De repente
milhares de mulheres se juntaram
e destruíram mudas
a opressão e a mentira

As mudas gritaram
de repente

e não mais que de repente

o riso da burguesia fez-se espanto
tornou-se esgar, desconcerto.

III

A ordem levantou-se incrédula
clamando progresso e ciência
imprecando em termos chulos
obscenidades e calão

Jornais, rádios, revistas,
a internet e a TV,
as empresas anunciantes
executivos bem-falantes
assessores rastejantes
técnicos bem-pensantes
os governos vacilantes
a direita vociferante
e todos os extremistas de centro
fizeram coro, eco,
comício e declarações
defendendo o capital:

“Elas não podem romper o silêncio!”

E clamaram por degola.

IV

De repente
não mais que de repente
milhares de mulheres
destruíram o silêncio.

V

Naquele dia
nas terras ditas da Aracruz
as mulheres da Via Campesina
foram o nosso gesto
foram a nossa fala.