Europa compra produtos de assentados

Por Andye Iore
Fonte Gazeta do Povo

A Cooperativa de Produção Agropecuária Vitória (Copavi), do Assentamento Santa Maria, em Paranacity (noroeste do Paraná), planeja ampliar a exportação de cachaça para a Europa neste ano. Foram vendidas no ano passado 6 mil garrafas do produto, com a marca Camponesa, num contrato de R$ 80 mil com a Espanha. No assentamento – formado por integrantes do MST -, a garrafa é vendida ao consumidor a R$ 10. Na Europa, chega a custar 16 euros (em torno de R$ 41).

A capacidade de armazenamento da fábrica de bebida da Copavi é de 18 mil litros. A comercialização pode ser feita com envelhecimento de seis meses, mas a cooperativa faz com um ano e planeja ampliar esse prazo para dois anos. Para isso, seria preciso um espaço três vezes maior para a estocagem. Outra ampliação ocorre na área de plantio da cana-de-açúcar, que neste mês passa de 30 para 58 hectares.

O investimento na estrutura deve vir da consolidação de novas linhas de comercialização em outros países europeus. Com esse objetivo, o responsável pelo setor comercial da cooperativa, Jaques Pellenz, visitou a Biofac, uma das maiores feira de produtos orgânicos do mundo, realizada na Alemanha, em fevereiro. O contrato com a Espanha foi renovado, a França também assinou e a Alemanha negocia a compra da cachaça paranaense.

Criado em 1993, o assentamento é formado por 20 famílias –que somam 70 pessoas. Elas trabalham em 232 hectares, que rendem um faturamento mensal em torno de R$ 40 mil. A cooperativa produz mais de duas dezenas de produtos, entre derivados de leite e cana-de-açúcar, frutas e hortaliças, que são consumidos pelos assentados. O excedente é vendido. O grupo também cria bovinos, suínos e frangos.

Todo o trabalho é coletivo, com uma divisão técnica das atividades e do terreno. As sobras são divididas conforme o trabalho de cada um. Um exemplo da aplicação do socialismo está no refeitório comunitário, onde as famílias tomam o café da manhã e almoçam juntas.

Cada prato é pesado e o peso anotado numa relação, conferida ao final do mês. O total consumido pela família é comprado às horas trabalhadas. Cada grupo paga o equivalente do que não é produzido na cooperativa e precisou ser comprado na cidade. Assim, uma família chega a pagar, por exemplo, apenas R$ 20 para se alimentar fartamente durante um mês inteiro.

O leite e o açúcar mascavo representam 70% da produção da cooperativa. O primeiro tem uma produção de 150 mil litros anuais e o segundo, 150 toneladas por ano. O produto é vendido, por R$ 40, em um pacote com 25 embalagens de um quilo. A embalagem com um quilo custa R$ 2. O leite é pasteurizado e embalado na Copavi e repassado ao comércio por R$ 0,85, enquanto que o consumidor paga R$ 1 direto na cooperativa. Outra iniciativa da cooperativa foi a compra de um javali, para cruzar com as porcas, com o objetivo de produzir carne mais magra.

Apesar do Santa Maria ser considerado modelo dentro do MST, os assentados buscam-se aprimorar. Para Francisco Strozake, 65 anos, ainda é um desafio concretizar o projeto, para melhorar a situação econômica e social. “Precisamos estruturar a atividade produtiva, melhorar a industrialização”, avalia o pioneiro no assentamento.

Daniela Bernadete Calza, 20 anos, chegou com sete anos ao assentamento e hoje é coordenadora da horta de subsistência da cooperativa. Ela terminou o segundo grau e revela que não tem interesse de viver na cidade, apesar de planejar retomar os estudos na área ambiental ou de Biologia.

Para fazer parte da Copavi, o interessado passa por seis meses de experiência, vivendo e trabalhando no local. Depois, formaliza o pedido à associação e é avaliado em uma assembléia, na qual todos os assentados votam.

Universitários mudam assentamento

O assentamento modelo atrai a curiosidade de pessoas de todo o Brasil e também do exterior. As visitas de estudantes, empresários, autoridades e jornalistas são freqüentes. A estudante de Geografia da Universidade de São Paulo (USP) Paula Camargo, 24 anos, passou uma semana de fevereiro no assentamento. “O interessante é a busca da interação em toda a propriedade”, afirma. Ela faz seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) sobre a Copavi e planeja trabalhar com movimentos sociais.

O que chama atenção no assentamento é a aplicação técnica. A cooperativa tem seis graduados e seis formandos. Joelci Dannacena, 26 anos, está no quarto ano de Economia na Universidade Estadual de Maringá (UEM), onde faz uma monografia sobre exportação, com intenção de aplicar o aprendizado na Copavi. Uma das opções é no secador de bananas, que já recebeu um prêmio tecnológico da Espanha, em 2000, está desativado atualmente. “Quero desenvolver um planejamento. Ás vezes, se tem recurso, mas não se tem idéia de como desenvolver”, diz Joelci.

Um exemplo do desenvolvimento comunitário e político é Antônio Soares, 36 anos. “Sacola”, como é chamado, é o presidente da Câmara de Vereadores de Paranacity. Ele foi reeleito vereador pelo Partido dos Trabalhadores (PT) em 2004, com 267 votos, já foi cogitado para ser vice-prefeito e há especulações sobre uma possível candidatura a prefeito, no futuro. Ele se destacou após atuar no setor de comércio da cooperativa e conheceu a comunidade na feira

Outro que ajudou a criar o assentamento foi Francisco Strozake, 65 anos. Ele já passou por diversos acampamentos e assentamentos do MST e vê no Santa Maria um modelo. “É um orgulho estar no MST e aqui. Não penso em sair de jeito nenhum.” Ele tem oito filhos, todos criados “embaixo da lona” e dois formados – um Pedagogia e outro em Direito.

O primeiro graduado do assentamento é Élson Borges dos Santos. Ele é formado em Agronomia pela Universidade Estadual de Maringá (UEM) e foi convidado em 2001 para ser secretário municipal de Agricultura em Maringá. Hoje, é um dos engenheiros agrônomos que participa de um convênio com o Incra, que dá assistência para 12 mil famílias de assentados no Paraná.

Quem também está feliz no assentamento é Cristina Santos, 13 anos. Ela cursa a oitava série em uma escola de Paranacity e participa à tarde das aulas de reforço escolar e ideológicas, numa casa do assentamento. “Prefiro viver aqui, onde tenho qualidade de vida. Na cidade tem muita violência”, comprara a adolescente, que planeja estudar para trabalhar em movimentos sociais.

As aulas de reforço são aplicadas por Valdete Fritzhi, 20 anos, para 18 alunos entre 6 a 15 anos. Dois dias da semana são para as tarefas de casa da escola na cidade e três dias para atividades extra-curriculares e referências ideológicas, como a história de Karl Marx e Che Guevara. A professora diz que nota influência da vida urbana nas crianças do assentamento, que pedem roupas e cadernos caros, e que as aulas servem para combater o impulso negativo do consumismo nas crianças.

Em nome do equilíbrio, horta convive com o mato

Paranacity – A horta do Santa Maria tem dois hectares e funciona no sistema de cultivo natural, seguindo a agroecologia. Além de não usar veneno ou adubo químico, as hortaliças e frutas ainda dividem o solo com o mato.

“Parece uma horta suja, mas é o equilíbrio ambiental”, explica o engenheiro agrônomo Élson Borges. “O nosso esforço é resgatar hábitos antigos dos camponeses, que se alimentavam com mais tipos de sementes que hoje.”

A horta no assentamento tinha um belo visual há dois anos, com as hortaliças alinhadas. Hoje, o mato cresce entre as colunas. A justificativa da técnica é a reprodução do ambiente original. Assim, os insetos e pragas atacam o mato e as hortaliças crescem sem problemas.

Para ajudar no desenvolvimento, a horta é irrigada com água direto da mina e o solo é fertilizado com restos da palha da cana-de-açúcar. A Copavi também produz sementes para venda no mercado agroecológico, num viveiro com capacidade para 3 mil mudas mensais.