Em defesa da mata atlântica, crianças e mulheres param tratores da Aracruz

Por Ubervalter Coimbra e João Torezani
Fonte Século Diário

Em plena Copa do Mundo e no final da sexta-feira (16/06), próximo do fim do expediente dos órgãos ambientais, a transnacional Aracruz Celulose colocou em operação 27 tratores para destruir a mata atlântica em adiantado estágio de regeneração na cabeceira da nascente do córrego Jacutinga, na região de Farias, em Linhares (ES). A empresa não contava com a reação de mulheres camponesas – uma delas, no nono mês de gravidez – com suas crianças e maridos, que se colocaram em frente às máquinas, com risco de suas vidas, para parar o desmatamento que já havia destruído 50 hectares da vegetação.

A Aracruz Celulose enviou quatro membros de sua milícia particular, a Visel, ao local, no final da tarde. Os milicianos, armados, contaram com cobertura de quatro policiais militares. Um reforço de seis militares chegou a seguir, às 17h30. Apenas seis trabalhadores, inclusive uma camponesa no nono mês de gravidez, estavam no local. Afirmaram por telefone celular que podem ser vítimas de violência, mas afirmam que não vão deixar a Aracruz Celulose retirar as árvores.

No início deste ano a Aracruz Celulose patrocinou violência contra os índios, dos quais duas aldeias foram destruídas. Contou com proteção da Polícia Federal, cujo efetivo se hospedeu em instalações da empresa.

Aos camponeses, e em nome da Aracruz Celulose, o responsável pelo desmatamento afirmou que estava autorizado pelo Ibama. Mentiu, pois o órgão federal não dá autorização para desmatamentos no Espírito Santo. É ao Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal (Idaf) que cabe analisar pedidos desta natureza.

Mas mesmo o Idaf não pode ferir a legislação, tanto a federal como a estadual, que proíbe e a destruição de vegetação próximo a nascentes ou em adiantado estágio de regeneração, e, ainda, em áreas de grande declividade.

A área que a Aracruz Celulose está destruindo foi vendida à empresa por outra transnacional, a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), segundo informou uma das coordenadoras do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) no estado, Cristina Soprani. Cristina está no nono mês de gravidez.

Ela relata que na área mais de 30 famílias de agricultores resistem, há gerações, ao avanço dos plantios de eucalipto e de cana-de-açúcar. Eles acompanham e protegem a recuperação da mata atlântica na área, o que vem ocorrendo há cerca de 30 anos.

Nas proximidades da cabeceira do Córrego Jacutinga, a Aracruz Celulose destruiu na tarde desta sexta-feira árvores nativas com mais de seis metros de altura, que conseguiram resistir e crescer em meio ao plantio de eucalipto.

O gerente substituto do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) no Espírito Santo, Jacques Passamani, informou no final da tarde que acionou a fiscalização do órgão para ir ao local e examinar a situação. Afirmou que no Espírito Santo o Ibama não dá licença ambiental para desmatamento e que cabe ao Idaf autorizar, ou não, desmatamentos.

Afirmou que a fiscalização do Ibama pode ir na região neste final de semana ou no máximo na próxima segunda-feira (19). Vai confirmar se a Aracruz Celulose tem licença para fazer o desmatamento e confirmar se houve desmatamento de nascentes, ou de áreas de proteção ambiental. Lembrou que nenhum órgão pode autorizar o desmatamento em área de proteção ambiental, mas ressaltou que só poderá confirmar as informações que lhe foram repassadas após a fiscalização do Ibama vistoriar o local.

A chefe da Fiscalização do Ibama, Patrícia Gomes Salomão, informou às 17h18 que comunicou e pediu a ação no local da Polícia Ambiental. Fez contato com o tenente Patrício Bernabé Fiorim. Ele ficou de acionar o pelotão de São Mateus para as providências.

A Aracruz Celulose destruiu 50 mil hectares de mata atlântica no Espírito Santo. E os desmatamentos continuam: a empresa foi multada em 2006 pelo Ibama na Bahia em R$ 606 mil, por plantio de eucalipto de 202,92 hectares na Fazenda Santa Maria, próxima à área do entorno do Parque Nacional do Descobrimento, no município de Prado, extremo sul do Estado.

Em dezembro do ano passado, a Veracel (onde a Aracruz Celulose detém 50% das ações e localizada no sul da Bahia), foi multada em R$ R$ 360.900,00, por dificultar a regeneração natural de florestas de mata atlântica em 1.203 hectares. A Veracel foi multada pelo Ibama por não cumprimento do que determina a Lei 9.985/2002, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). Pelo SNUC, e pela determinação 013/90 do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), não podem ser realizados plantios de espécies exóticas em dez quilômetros de raio da zona de amortecimento dos parques nacionais.

Às 17h45 um dos coordenadores do MPA em Linhares, Elias Alves, informou que os efetivos da Polícia Militar relataram que a Aracruz Celulose apresentou queixa contra os trabalhadores que se colocaram em frente aos tratores da empresa na Delegacia de Polícia de Linhares.

Uma empresa bilionária

A transnacional Aracruz Celulose teve lucro líquido de R$ 3,17 bilhões nos últimos três anos. O lucro da empresa é favorecido pelos governos federal e estadual desde sua implantação. Até hoje, os governos federais emprestam dinheiro com juros baixos, até 2% ao ano. O mais recente, com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).

A Aracruz Celulose também tem lucros às custas da Receita Federal: tomou ilegalmente R$ 211 milhões, não considerados os juros, de incentivos fiscais da Agência de Desenvolvimento do Nordeste (Adene). Os recursos são para aplicação em empresa com sede no norte e noroeste capixaba, o que não é o caso da empresa.

Também lucra com a apropriação indébita e exploração intensiva de territórios quilombolas, índios e de pequenos proprietários rurais. Ocupou e mantêm em seu poder terras devolutas, que são públicas.

Apesar de seus lucros astronômicos, a empresa emprega pouco. No final de 2005, tinha apenas 2.249 empregados próprios, e 7.988 terceirizados, como informa em seu balanço.

O controle acionário da Aracruz é exercido pelos grupos Lorentzen – ligado à Coroa norueguesa – Safra, Votorantim (28% do capital votante cada) e pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES -, com 12,5% do capital). O presidente da Aracruz Celulose é Carlos Augusto Lira Aguiar, engenheiro químico, nascido em 1945, em Sobral, no Ceará.