Cuba continua!

Por José R. Vidal
Fonte Agência Brasil de Fato

Havana – Amigos e amigas me contaram por correio eletrônico que viram na CNN festa nas ruas de Miami, em função da notícia da doença de Fidel Castro. Em Cuba, não há festa, sim preocupação, mas também há confiança e tranquilidade. Os de Miami são vítimas de sua propaganda. Construíram em seu imaginário um país e uma revolução que dependem somente da existência de um homem. Quiçá esta doença de Fidel, que esperamos que seja transitória, constitua a ocasião para desmentir com fatos essa construção “miamense”, ampliada e reforçada pela mídia.

O anúncio lido na noite do dia 31 de julho na televisão cubana, assinado por Fidel Castro às seis e meia da tarde do mesmo dia, contém uma parte importante da resposta à pergunta: o que acontecerá em Cuba quando Fidel não estiver mais?

Diante da impossibilidade temporária do chefe de Estado exercer suas funções se procede segundo o estabelecido na Constituição da República: o primeiro vice-presidente dos Conselhos de Estado e dos Ministros, Raúl Castro Ruz, assume o cargo máximo estatal e passa ser também o Comandante das Forças Armadas Revolucionárias.

Sem improviso

De acordo com os Estatutos do Partido, passa a desempenhar a função de Primeiro Secretário do Comitê Central. Não há improvisações nem surpresas. Em Cuba, a revolução construiu uma ordem institucional que está baseada em um ideal de sociedade compartilhado amplamente e sustentado em realizações concretas que tornaram reais muitos direitos para todos os cubanos e cubanas.

Não é uma sociedade perfeita, não estamos todos satisfeitos com o que temos, mas há um consenso muito sólido de que a existência do poder revolucionário é a única garantia de aperfeiçoamento desta ordem social e não há muitos dispostos a regressar à ordem social pré-revolucionária. A hegemonia construída pela e na revolução é sólida e é um fator decisivo para a continuidade do projeto histórico iniciado em 26 de julho de 1953.

Cuba não cairá, como crêem em Miami e proclamam muitos veículos de comunicação a serviço da hegemonia imperialista, diante da ausência temporária ou definitiva de Fidel. Isto não significa que tal ausência não tenha importância. Pelo contrário, Fidel é o líder histórico de um processo profundo de mudanças sociais e lideranças não são transferidas tal como são os cargos.

Novos desafios

Muitos desafios se abrem diante de tal ausência, muitas coisas terão que funcionar de outro modo, maior direção coletiva, melhor funcionamento dos mecanismos de participação popular, entre outras ações que preencham o vazio de liderança histórica, mas a revolução pode continuar sem Fidel fisicamente presente.

Há instituições legítimas, confiança em muitos companheiros da direção revolucionária, em especial em Raúl, e um projeto compartilhado amplamente. Há também um povo altamente instruído e experimentado em mais de 50 anos de luta revolucionária e que acumularam uma sólida cultura política.

Os que escutaram o canto da sereia, vindo do Norte, não são ingênuos, mas possuem capacidade crítica e decisão de melhorar a cada dia a sociedade que temos, sem nos arrepender da história vivida, por mais dura que tenha sido.

Discurso vazio

Por outro lado, o que nos pode ofertar o Norte? O ridículo plano Bush que oferece vacinas e escolas em um país que conta com a maior cobertura de saúde pública e educação, inclusive maior do que a dos próprios Estados Unidos? Um plano que acaba com a soberania nacional e retira das mãos dos cubanos e cubanos seus destinos?

Um plano que, desde já, tem um funcionário do Departamento de Estado que atuaria como um proconsul imperial, decidindo a “transição”, que propõe reduzir os gastos em investigação científica, levando-os a “níveis mais adequados”, ou seja, a níveis terceiro-mundistas, cancelando assim a evolução da economia cubana que, de tradicionalmente exportadora de produtos básicos, evoluiu para uma economia baseada na exportação de serviços e produtos de alto valor agregado, frutos da profunda revolução educacional e científica que se desenvolveu desde a década de 60.

As receitas neoliberais nos propõem, para sanar a economia, cancelar os amplos programas sociais e a proteção aos enfermos, inválidos, idosos e toda a população em uma ou outra medida. Não creio que essas propostas sejam aceitáveis para as cubanas e cubanos.

Estado de alerta

Resta à administração estadunidense o recurso da força. Não seria nada sensato diante da situação no Iraque e Afeganistão e também diante da baixa popularidade de George W. Bush e de tantos outros problemas que têm acumulado. Porém, sensatez não é uma virtude do grupo no poder nos Estados Unidos. Temos que permanecer em alerta.

Esse recurso só uniria ainda mais o povo cubano junto à revolução; provocaria, isso sim, a morte de milhares de cubanos e um retrocesso de décadas para Cuba e para muitos projetos que beneficiam a humanidade e também custaria a vida de jovens estadunidenses que dificilmente podem sustentar essa administração.

Cuba conta com sua determinação de lutar e com uma rigorosa preparação para sua defesa. Contará também com uma rede de solidariedade em todo o mundo. Cuba amanheceu hoje preocupada e alerta, porém serena.

Seguimos acreditando que aconteça o que acontecer, Cuba continua!

*José R. Vida é psicólogo, educador e comunicador popular. Trabalha no Centro Martin Luther King e é professor da Universidade de La Habana.