O custo social da dívida brasileira

Por Gisele Barbieri
Fonte Agência Brasil de Fato

O pagamento antecipado da dívida externa no valor de R$ 15,5 bilhões em dezembro de 2005, pelo governo federal, foi divulgado como um ato inédito que levaria o país a economizar 900 bilhões de dólares, em juros até 2007, prazo que o país tinha para quitar esta quantia. Ledo engano.

Os números registrados pela a economia até este momento não confirmaram a expectativa do governo. Ocorre que, para pagar adiantado, o Banco Central comprou dólares no mercado financeiro, elevando o endividamento interno do país. Eu entendo que medida foi mais simbólica e política do que tecnicamente racional. Pagamos uma dívida que iria vencer em dois anos. Essa dívida tinha um custo baixo de juros comparado aos juros da dívida interna. Mas entendo que por simbolismo, para deixar claro que não devemos mais para o Fundo Monetário Internacional, faz sentido, mesmo que isso não seja verdade”, avalia o economista da Universidade Estadual de Campinas, Márcio Pochman.

A conseqüência dessa opção foi um crescimento das despesas com as dívidas corrigidas pela taxa Selic, os juros médios da economia que seguem sendo os maiores do planeta, apesar das sucessivas reduções promovidas pelo Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) (Leia mais sobre os juros no quadro). Em toda essa engenharia financeira, quem paga o preço é a classe mais pobre, a que mais sofre com a prioridade que o Estado dá ao pagamento da dívida em detrimento do investimento em áreas sociais.

Menos para o social

Para pagar os juros da dívida interna, o governo corta seus investimentos. Neste ano, os gastos em educação tiveram a redução de R$ 561 milhões, na área da saúde não foi diferente, a área que é uma das principais deficiências no país, terá uma redução de R$ 548 milhões.

Em 2005, foram destinados apenas R$ 4 bilhões para a reforma agrária e menos de R$ 16 bilhões para a educação. No entanto, com a dívida pública, foram gastos R$ 139 bilhões. A previsão é de que, nos quatro anos do governo Luiz Inácio Lula da Silva, mais de R$ 700 bilhões tenham sido consumidos pela dívida pública (interna e externa), sem reduzí-la. Em dezembro de 2005, a dívida pública alcançou R$ 1 trilhão. Nos últimos meses, teve um crescimento de mais de R$ 150 bilhões.

O valor gasto nos quatro anos seria o suficiente para assentar cerca de 4 milhões de famílias sem-terra (16 milhões de pessoas) e duplicar os gastos previsto no orçamento da união com saúde e educação, de acordo com a Rede Jubileu Sul, que desde 2001 é responsável pela campanha de auditoria cidadã da dívida. Ou seja, seria possível eliminar parte da dívida social do Estado brasileiro com seus cidadãos.

“No ano passado, até o programa Fome Zero sofreu cortes para que se produzisse a tal economia de recursos, para se cumprir a meta do superávit primário. Essa dívida está amarrando toda a nossa economia. Estamos em uma armadilha”, analisa Maria Lúcia Fatorelli, vice-presidente da Unafisco (sindicato nacional dos auditores fiscais) e coordenadora da campanha auditoria cidadã da dívida.

Estado desequilibrado

Para conseguir honrar esses compromissos, além de se endividar mais e cortar recursos de seu orçamento (o superávit primário), o governo estimula as exportações e gera receita em dólares. No entanto, políticas pautadas por esse objetivo aprofundam a desigualdade. Um exemplo é o apoio dado pelo governo ao agronegócio em detrimento da agricultura familiar.

Outra política prejudicial é o crescente aumento da carga tributária. No Brasil, mais de 60% dos tributos incidem sobre o consumo e são cobrados até mesmo nos bens de primeira necessidade, como leite. Em países menos desiguais, o imposto maior incide sobre a renda e não sobre o consumo. Ou seja, varia de acordo com o poder aquisitivo de cada um, o que representa uma cobrança equilibrada, proporcional.

“A justificativa que os governos têm para todas as reformas neoliberais apresentadas, como a da Previdência, e até para as privatizações lançadas pelo governo Fernando Henrique Cardoso é de pagar a dívida para os juros caírem. Nada disso ocorreu”, critica Maria Lúcia Fatorelli. Segundo ela, a justificativa enganosa manipula a sociedade para que assuma esse modelo: “Se falarem a verdade, que esse modelo prejudica a sociedade, compromete o futuro do país e entrega nossa soberania, a sociedade vai gritar”, considera Fatorelli.