Dom Luciano: sua força nos guiará na luta por uma sociedade mais justa

Leia abaixo a carta da Via Campesina em homenagem a Dom Luciano Mendes de Almeida, arcebispo de Mariana (MG), falecido ontem em São Paulo. O bispo presidiu a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) de 1987 a 1994 e foi seu secretário-geral de 1979 a 1987. Foi vice-presidente do Celam (Conselho Episcopal Latino-Americano)de 1995 a 1998.

“A morte não é verdade quando se cumpre bem a obra da vida”.
Jose Martí

Hoje, dia 28 de agosto de 2006, o sol não quis se expor de manhã, sob as montanhas de Minas, dando lugar a uma garoa fina, alimentadora de vida e de esperança, para regar as terras secas pelo grande período da estiagem. Acreditamos que a chuva veio como forma de lembrarmos do grande semeador de esperança, fraternidade, justiça e amor.

Sem dúvida nenhuma nós, homens e mulheres dos movimentos sociais de Minas Gerais, em especial a Via Campesina, sentimos pela partida do nosso convívio do semeador Dom Luciano Mendes de Almeida. Arcebispo de Mariana, filósofo, homem comprometido com os mais necessitados com a justiça e a dignidade humana.

Mais recentemente, nos últimos oito meses, discutimos constantemente a caminhada e o processo de fortalecimento dos movimentos sociais de MG. Discutíamos também o projeto soberano e popular para o Brasil, através das nossas bandeiras de lutas pela isenção e redução da tarifa de energia elétrica e a reestatização da Companhia Vale do Rio Doce.

Na primeira semana de abril, em Belo Horizonte, mais de 3.mil pessoas do campo e da cidade promoveram um grande ato de cidadania ao lançarem a campanha pela redução da tarifa de energia elétrica , desencadeando a partir daí uma série de reuniões com os representantes da CEMIG (Companhia Energética de Minas Gerais), estimulando também os parlamentares a apresentarem projetos pela isenção da tarifa.

Dom Luciano esteve sempre presente ao lado dos movimentos sociais nas mobilizações. Em abril deste mesmo ano, por exemplo, ele se colocou à frente da tropa de choque que impedia a caminhada pacífica dos movimentos sociais em Belo Horizonte. Também foi à delegacia buscar os trabalhadores que foram presos e espancados covardemente pela polícia do estado, em um gesto de justiça e solidariedade.

Defendia como legítima a organização e mobilização dos trabalhadores. Ao receber o título de cidadão honoris causa do estado de Minas Gerais na Assembléia legislativa disse: “Tenho acompanhado a luta incansável dos movimentos sociais em Minas Gerais. Estes são movimentos ordeiros, legítimos e necessários para a sociedade… Minas Gerais tem as condições concretas de ser a pioneira na realização da tão sonhada Reforma Agrária. Nós deveríamos começar para que outros estados nos seguissem como exemplo”.

Em outra oportunidade, semanas antes de ser internado em São Paulo, em uma reunião que aconteceu dia 29 de junho com representantes da Via Campesina, nos disse – depois de ter apresentado uma caixa com mais de 400 contas de luz para serem pagas das famílias pobres de Mariana – “Vejam meus irmãos, a triste realidade social que vive nosso povo. Recebemos, por dia, aqui na paróquia, em média 15 famílias em desalento por não conseguirem pagar a alta tarifa de energia, tendo que escolher entre pagar a conta ou comprar o alimento da família …”.

Dom Luciano demonstrou profundo pesar pelo massacre das famílias Sem Terra ocorrido em Felisburgo, em 20 de novembro de 2004, e profunda indignação pela morosidade em que os órgãos públicos e responsáveis vêem tratando o caso das famílias. Dispôs-se a organizar uma comissão dos Bispos para visitar o acampamento e pressionar os governos do estado e federal, Incra e o Judiciário, para que não deixassem mais este crime passar impune.

Dom Luciano, falou com orgulho sobre a importância da organização do Movimento dos Atingidos por Barragens no estado de Minas Gerais.

Dom Luciano, nos deixou fisicamente, mas o seu amor, suas idéias, convicções e o seu legado continuam vivos nos nossos corações e mentes.

Dom Luciano, pode repousar um pouco! Porque nós, homens, mulheres, crianças e especialmente jovens das organizações que compõem a Via Campesina continuaremos seu ensinamento, seu testemunho e seu exemplo. Você não morre nunca…. Sua força e eterna juventude nos guiarão na luta rumo a uma sociedade mais justa fraterna e igualitária.

Via Campesina- MG
Belo Horizonte, 28 de agosto de 2006