Aracruz tenta negar existência de índios no ES

Por Luiz Renato Almeida
Fonte Agência Chasque

O procurador do Ministério Público Federal, André Pimentel, deve instaurar nesta segunda-feira (02/10) um inquérito civil público para apurar possível conteúdo discriminatório em uma cartilha que a empresa Aracruz Celulose está divulgando no Espírito Santo. A informação foi confirmada por telefone pelo próprio procurador, que relata ter recebido as denúncias de lideranças indígenas Tupinikin e Guarani, do norte do Espírito Santo. No dia 15 de Setembro, a denúncia foi feita por entidades na Assembléia Legislativa.

Na cartilha, que está sendo usada em palestras em escolas e está disponível na Internet, a empresa tenta provar que não existem mais aldeias na região do município de Aracruz e que os indígenas já perderam suas origens, por isso não têm direito a 11 mil hectares de terra que a empresa se diz proprietária. De acordo com o cacique tupinikin Vilson de Oliveira, da comunidade de Caieiras Velhas, a cartilha está aumentando o preconceito contra as populações indígenas. “Eu acho que é perigoso o que ela está fazendo, porque isso está criando aqui no município um racismo. A gente tem notado, com as crianças indígenas, com o pessoal que anda pintado pela rua, aquele racismo do povo de Aracruz contra os índios. Isso eu acho perigoso”, afirma.

As comunidades indígenas estão estudando que tipo de ação judicial irão mover contra a empresa. O cacique afirma que o conteúdo da cartilha traz afirmações preconceituosas em relação aos indígenas do norte do Espírito Santo. “Outra besteira que eles falam, discriminatória, é que por sermos índios nós não podemos andar de carro, não pode ter um telefone, não pode ter relógio, morar numa casa de alvenaria, que é uma realidade hoje. Já que ela tomou toda a nossa mata, destruiu a natureza, como ela quer que a gente cofeinstrua com as coisas da natureza. Mas ela quer descaracterizar a nossa luta, para dizer que a gente não precisa mais de terra, de recursos naturais, o que não é verdade”, conta.

Para Marta Falqueto, do movimento de Direitos Humanos do Espírito Santo, a divulgação da cartilha é mais uma mostra do desrespeito da empresa contra as comunidades rurais. Ela relata, por exemplo, denúncias de que a Polícia Militar atua em parceria com uma empresa de segurança privada contratada pela Aracruz. “O que é mais complicado é que está trabalhando em parceria com esta empresa particular de vigilância a própria Polícia Militar. Há informações aqui que a PM presta serviços em favor da empresa, quando ela acaba prendendo ou atrapalhando a vida das pequenas comunidades ribeirinhas que foram completamente desprovidas de qualquer forma de rendimento. Por exemplo: eles vão lá pescar, aí vai lá a polícia ambiental, chamada por esta empresa de segurança, e prende as pessoas”, diz.

Na cartilha, a empresa afirma que comprou as terras legalmente e tenta provar que não existem áreas indígenas em Aracruz. A multinacional também diz que os índios já foram integrados à sociedade, moram em aldeias parecidas com cidades do interior, e por isso não teriam mais necessidade de habitar uma terra indígena. A cartilha também traz uma foto de Vilson de Oliveira, acusando-o de utilizar adereços e vestimentas que não são tradicionais da etnia tupinikim. A empresa chegou no município em 1967. Em seu favor, os indígenas afirmam que habitam aquelas terras há mais de 600 anos.

A Fundação Nacional do Índio (Funai) emitiu parecer ao Ministério da Justiça confirmando que os 11 mil hectares em disputa devem ser destinados às comunidades indígenas. A assessoria de imprensa da Aracruz foi procurada, mas não enviou resposta oficial até o fechamento desta reportagem.