Mobilização leva pistoleiro e fazendeiro ao banco dos réus

Por Rogério Almeida

A ação de uma rede de pessoas e instituições que se alinham em defesa da reforma agrária e dos direitos humanos tem conseguido levar a julgamento envolvidos na execução de dirigentes sindicais, militantes e seus assessores na Amazônia.

É por conta de tal mobilização, que ultrapassa os nossos quintais, que vai a julgamento no próximo dia 10, o pistoleiro, Wellington de Jesus Silva. O pistoleiro executou o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais do município de Rondon do Pará, José Dutra da Costa, conhecido como Dezinho, no dia 21 de novembro de 2000. Silva é o único envolvido que foi preso e vai a julgamento. O mesmo foi preso por ação de populares no dia do crime, estimado em 15 mil reais.

Dos três intermediários, somente Domício Sousa Neto, o fornecedor da arma , encontra-se preso. O mesmo foi encontrado no começo do ano em Sergipe. Já Ygoismar Mariano e Rogério Dias, estão foragidos. Coube a Ygoismar, primo do pistoleiro, conduzir Wellingnton de moto até a casa do sindicalista.

Mandantes

As entidades dos trabalhadores acreditam na hipótese de consórcio de fazendeiros de Rondon do Pará na morte de Dezinho. No entanto, segundo nota da CPT, da Federação dos Trabalhadores na Agricultura (FETAGRI), sudeste do Pará e do Sindicato de Trabalhadores de Trabalhadores Rurais (STR), de Rondon do Pará, as investigações policiais alcançaram o nome do mineiro, dono de serrarias e fazendas do município, José Décio Barroso Nunes, o Delsão.

Acusado de posse ilegal de 130 mil hectares de terras no município, o mesmo é temido na cidade pela sua truculência. No ano de 2001, ameaçou um jornalista do Jornal do Brasil, que investigava a violência no campo paraense. Delsão chegou a ser preso, mas, foi posto em liberdade pelo então desembargador Otávio Maciel, atual chefe da Ouvidoria Agrária do Pará. A ação do desembargador hoje aposentado, foi duramente criticada pelas entidades de defesa dos direitos humanos.

Morosidade

A praxe é o prazo de pelo menos uma década, para que se consiga levar alguém envolvido em morte de dirigentes sindicais, advogados, religiosos alinhados com a defesa da reforma agrária, ao banco dos réus no Pará. No caso de Dezinho, escapou a regra. No entanto já amargou uma paralisação de três anos. Tudo por conta de uma não realização de perícia, sob a responsabilidade do Instituto Médico Legal (IML) do Pará, em cinco fitas K7, apreendidas pela polícia. A assessoria jurídica da CPT informa que o processo do mandante do crime, que foi desmembrado do processo do pistoleiro, continua parado.

Mortes sem fim

Magno Fernandes do Nascimento, 39 anos foi uma das primeiras pessoas a chegar após a execução de Dezinho. A testemunha foi arrolada pelo Ministério Público no dia 19 de abril de 2001. Magno era considerado como testemunha chave no processo. No dia 10 de setembro de
2001, Magno foi morto por pistoleiros com dois tiros.

Populares de Rondon atestam que Magno Fernandes gozava de boa reputação na comunidade. No dia da sua morte foi procurado por duas pessoas interessadas em vender lotes de terras. Horas depois o corpo jazia com dois tiros na cabeça. O inquérito que investiga a morte da testemunha soma três anos e nunca foi concluído. Ribamar Francisco dos Santos, da diretoria do STR de Rondon, foi morto há dois anos.

Maria José Dias Costa, atual presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rondon do Pará, e viúva de Dezinho, e José Soares de Brito, ex-presidente do sindicato, são outras pessoas na mira da lei da bala, segundo apurou a Comissão Pastoral da Terra (CPT) de Marabá.

Devido à morosidade do processo, as entidades de Direitos Humanos, Terra de Direitos (Curitiba), Justiça Global (Rio de Janeiro), em conjunto com a CPT de Marabá, ingressaram com uma denúncia contra o governo brasileiro na Comissão de Direitos Humanos da OEA. O governo brasileiro já foi intimado a prestar informações sobre o caso.

Chacina Ubá

José Edmundo Ortiz Vergolino é o quarto fazendeiro a ir ao banco dos réus no Pará, no próximo dia 09 de novembro. É acusado pela encomenda da Chacina Ubá, onde oito agricultores foram assassinados entre os dias 13 e 18 de dezembro de 1985, no município de São João do Araguaia. O massacre ocorreu no período considerado o mais sangrenta na história da região. São dias de existência da União Democrática Ruralista (UDR). Instituição ligada aos ruralistas, não muito afeiçoados ao debate. Capitaneada pelo goiano Ronaldo Caiado, a mesma foi fundada em Redenção, no dia 17 de maio de 1986, da costela da Associação Rural da Pecuária do Pará – ARPP.

Formalmente, pode-se afirmar que a existência da UDR no Pará foi curta, meia década. A mesma enrolou a bandeira, em 1991, no mesmo local, onde havia nascido cinco anos antes. O pouco tempo da existência imortalizou a região como a mais violenta do país na disputa pela terra. Entre os anos de 1988 a 1987, há ocorrências de sete chacinas na região, com o saldo de 62 mortes.

As chacinas estão assim distribuídas: Chacina dos Irmãos- Xinguara, junho de 1985, 06 mortos; Chacina Ingá – Conceição do Araguaia, 13 mortos, maio de 1985; Chacina Surubim- Xinguara, junho de 1985, 17 mortos; Chacina Fazenda Ubá – São .João do Araguaia, 13.06.1985/18.06.1985, 08 mortos; Chacina Fazenda Princesa-Marabá, setembro de 1985; 05 mortos; Chacina Paraúnas –São Geraldo do Araguaia, junho de 1986, 10 mortos; Chacina Goianésia – Goianésia do Pará, outubro de 1987, 03 mortos. (relatório de violação dos direitos humanos na Amazônia – CPT- 2005).

Os massacres que tiveram o processo de apuração iniciados são: a chacina da Ubá, e o caso da fazenda Princesa, com cinco camponeses executados, onde alguns tiveram as cabeças decepadas, e os corpos jogados no rio. Ambos os processos tramitam há 21 anos. Já no episódio ocorrido em Goianésia do Pará, o processo é dado como desaparecido. No mesmo período, o município de Rio Maria, registrou a morte de membros da família Canuto, ligados ao PC do B, assim como o advogado Paulo Fontelles, Gabriel Pimenta, João Batista e o Pe. Josimo, este caso em Imperatriz, Maranhão.

É possível entender a questão?

Para os que se encontram na base na pirâmide social no Brasil, policia nunca foi sinônimo de segurança, assim como Justiça não é traduzida como referência de espaço de defesa de seus direitos, por ventura ameaçados ou lesados. Um aleijão de nosso liberalismo, que, se na esfera econômica mostra-se dinâmico, na universalização de acesso à justiça, revela-se a passo cágado de muletas.

Quando a questão envolve disputa de terra, em particular na Amazônia, o tratamento equânime, entre as partes envolvidas na peleja, tem sido um item ausente. Ou então, como interpretar os números sobre impunidade de execuções de defensores da reforma agrária no Pará, registrados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) ?

Ao longo da mais de três décadas de atuação da CPT, os dados indicam que, entre os anos de 1971 a 2004, foram assassinados 772 camponeses e outros defensores de direitos humanos no Pará, onde a maioria dessas mortes (574 casos) foi registrada na região sul e sudeste do Estado. Região da tríplice fronteira, Maranhão, Pará e Tocantins. Latitude cantada em prosa, verso, dissertações, livros, onde mais se mata defensores (as) da reforma agrária no Brasil, o celebrizado Bico do Papagaio.

Apenas 15 casos foram a julgamento. A impunidade beira cem por cento. Os mandantes quase sempre escapam ilesos. Até agora somente três foram a julgamento. O caso do mandante da execução do dirigente Sindical de Rio Maria, Expedito Ribeiro, em 1991, o fazendeiro condenado em 2000, Jerônimo Alves Amorim, cumpre pena em sua mansão em Goiânia, Goiás, alegando motivo de saúde.

Os fazendeiros que encomendaram a morte do sindicalista João Canuto, executado em 1985, também em Rio Maria, Adilson Carvalho Laranjeiras e Vantuir Gonçalves de Paula, foram condenados a 19 anos e 10 meses em maio de 2003. Os fazendeiros respondiam em liberdade, hoje são foragidos da justiça.

Entre as explicações encontradas sobre o processo de violência, está o conjunto de políticas de integração da região ao resto do país, cuja matriz residia da associação do Estado com empresas privadas nacionais e internacionais. Assim, como facilitadores do processo, emergiram na década de 1960, a Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), o Banco da Amazônia (BASA), e projetos como o POLOAMAZÕNIA, que incentivou com a generosidade do erário público, projetos de pecuária, mineração, etc.

Rogério Almeida é colaborador do Fórum Carajás e autor do livro Araguaia-Tocantins: fios de uma História camponesa (2006).