“Governo precisa preparar propostas concretas para as mais de 200 mil famílias acampadas”

Por Danilo Augusto

Mais de 58 milhões de brasileiros decidiram pela reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No segundo turno, o MST e outros movimentos sociais do campo e da cidade decidiram unir forças para derrotar o pensamento conservador, representado na candidatura de Gerado Alckmin, apostando em um voto crítico em Lula. Para avaliar esse novo quadro político pós-eleições, a Revista Sem Terra entrevistou João Paulo Rodrigues, integrante da coordenação nacional do MST.

Segundo ele, a hora é de cobrar e exigir as mudanças políticas que atendam aos interesses do povo. Para isso, o MST defende uma ruptura com a política econômica neoliberal e, acima de tudo, um enfrentamento com os poderosos interesses dos que monopolizam as terras (rurais e urbanas), as comunicações e o sistema financeiro. Na entrevista, o dirigente do Movimento comenta o II Plano Nacional de Reforma Agrária, a lentidão do Incra em assentar as famílias e afirma que o próximo período será de mobilizações populares. Leia a seguir.

Revista Sem Terra: Por que o MST e outros movimentos sociais decidiram apoiar a candidatura de Lula no segundo turno?

João Paulo Rodrigues: O conjunto dos movimentos sociais, ligados à Assembléia Popular e à Via Campesina, tinha uma análise da conjuntura que era extremamente importante a derrota do candidato Geraldo Alckmin, do pensamento neoliberal e conservador. Diante desse quadro, tiramos como decisão política no MST e nos outros movimentos que deveríamos fazer uma grande campanha para a derrota do Alckmin nas urnas. Um segundo tema que decidimos foi justamente votar no presidente Lula, inclusive como voto de protesto, mas acima de tudo, como uma tentativa de unificar a esquerda de um candidato que é progressista. Tiramos como principal linha política a continuidade da luta por mudança na política econômica, por melhoria de vida do povo brasileiro, mas que essa luta fosse parte da estratégia do conjunto dos movimentos sociais não só para as eleições, mas para os próximos quatro anos. Sabemos que é um governo com muitas limitações, que tem aliança extremamente diferente do ponto de vista de projeto político, mas achamos que pode ajudar mais a acumular na luta política dos movimentos sociais do que a volta dos tucanos. Sabemos o que foi para organizações ter por oito anos o PSDB na Presidência da República.

RST: Que avaliação o MST faz sobre o resultado das eleições?

JPR: No primeiro turno, tivemos um período eleitoral muito complicado, com poucos debates políticos de programas dos candidatos, em geral. Já no segundo turno, a avaliação que o MST vem fazendo é que foi um momento, em que conseguimos fazer um bom debate político com o conjunto da sociedade. Pelo menos, explicitaram algumas diferenças programáticas de relação com conjunto dos movimentos sociais ou até mesmo dos principais problemas que o Brasil enfrenta e quais seriam as saídas. Tivemos vitórias significativas com governadores. Possivelmente, teremos nos próximos quatro anos governadores mais progressistas que os da gestão passada. São governadores que terão muitas limitações em relação à política, mas tudo indica que não serão governos conservadores para criminalizar os movimentos sociais ou que farão a agenda neoliberal. Muitos deles, talvez estarão aliados ao presidente. No Congresso Nacional não houve nenhuma novidade. Pelo contrário, achamos que mesmo com a redução de algumas bancadas – como a ruralista e também os deputados ligados aos direitos humanos, no conjunto do Congresso teremos a mesma correlação de força da gestão passada. A nossa possibilidade de conseguir vitórias será fazer luta de massa por todo o Brasil. Não dá para confiar simplesmente no Congresso ou nos governadores eleitos, mesmo nos que são progressistas. Nossa força é a quantidade de pessoas que vamos mobilizar para o novo período.

RST: Qual será a postura do Movimento diante desse novo mandato?

JPR: O MST está muito tranqüilo, pois não depositamos nenhuma ficha e nenhum cheque em branco no governo Lula. Nosso voto foi crítico, de autonomia. Não acreditamos que haverá grandes mudanças políticas no governo brasileiro, mesmo porque que não há interesse de alguns setores do PT e até mesmo do governo em fazer essas mudanças. Agora, por parte dos movimentos sociais dos trabalhadores, há uma expectativa muito grande. Acreditamos que esse segundo mandato será marcado por mobilizações sociais dos Sem Terra, que estão muitos dispostos a fazer lutas e também de outros setores, inclusive dos movimentos sindicais e estudantis, que já estão anunciando grandes mobilizações em torno do debate de um novo projeto popular para o Brasil. Queremos debater a questão das privatizações e resgatar a Companhia Vale do Rio Doce. Também se discute no movimento sindical a possibilidade de construir uma greve geral para debater a política econômica a fim de barrar a reforma trabalhista e a sindical. Nós do Movimento estamos trabalhando na direção de construir grandes lutas de massas, de aliança com setores do campo e da cidade e continuar pressionando o governo. Achamos que a relação com o governo será de “pau e prosa”, como o MST fez no ultimo período. Vamos continuar “batendo” na política conservadora, mas negociando, tendo em vista que somos um movimento social e precisamos trazer conquistas econômicas para nossa base.

RST: Qual a avaliação do MST sobre o cumprimento das metas do II Plano Nacional de Reforma Agrária? E quais são as perspectivas?

JPR: No primeiro mandado o governo Lula perdeu oportunidade de construir um grande Plano Nacional de Reforma Agrária que pudesse ser além do papel. Um plano que tivesse mudanças importantes dentro do Estado brasileiro, no Poder Judiciário, no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Um plano que pudesse criar um debate com a sociedade sobre a importância de fazer mudanças no índice de produtividade (AQUI ENTRA BOX EXPLICATIVO), nas formas de comercialização e produção. Portanto, achamos que mais do que preparar um Plano Nacional de Reforma Agrária, mais do que fazer debate político, o governo precisa preparar propostas concretas para resolver os problemas de mais de 200 mil famílias que estão acampadas. As bases para o novo plano já foram dadas no primeiro mandato. O governo já conhece nossas reivindicações, os mecanismos para fazer Reforma Agrária. Agora precisa vontade política e mudança na política econômica para priorizar não só o agronegócio, mas o conjunto da agricultura camponesa e agricultura familiar. Por isso, o MST não está muito preocupado em discutir o segundo plano. Queremos discutir um plano de luta e de metas para ser construídas com outros movimentos sociais. A partir daí, podemos pressionar o governo brasileiro a resolver as demandas que estão trazendo preocupações políticas, não somente para o MST, mas, para o conjunto dos movimentos sociais.

RST: Sobre a Reforma Agrária, quais são os desafios para o MST?

JPR: O Movimento está preocupado com a uma lentidão do Incra e no processo de assentamento das famílias assentadas. Diante disso, queremos chamar os acampados para ficarem mobilizados em seus acampamentos, continuarem discutindo com a sociedade a necessidade da Reforma Agrária e se preparar para que o ano que vem fazermos grandes lutas. Queremos encerrar o ano que vem sem nenhuma família acampada no Brasil. Achamos que há um acordo político com o governo para assentar os acampados e o MST está disposto a continuar fazendo luta, negociando com o governo federal, em Brasília, e com o Incra nos estados. Mas temos a clareza que devemos continuar ocupando todo latifúndio improdutivo deste país e a luta dos Sem Terra é importante para o avanço da Reforma Agrária.

O índice de produtividade da terra determina se uma área é produtiva ou não, ou seja, se deve ser destinada para a Reforma Agrária. Apesar da Constituição Federal determinar que a cada 10 anos esses índices sejam atualizados, a última modificação foi em 1976.