Um projeto por uma nova América do Sul

Por Marcelo Netto Rodrigues
Fonte Minga Informativa

A assembléia final da Cúpula Social pela Integração do Povos – que contou com a visita inesperada do recém-eleito presidente do Equador, Rafael Correa, e com a participação de deputados constituintes da Bolívia – serviu para referendar as propostas saídas das 14 sessões temáticas discutidas ao longo dos últimos três dias. A Cúpula aconteceu em Cochabamba, na Bolívia, e foi encerrada no sábado (09/12) com um ato massivo convocado pelo presidente boliviano Evo Morales.

De acordo com a lista de delegados, o encontro superou as expectativas. Ao todo, 4.400 pessoas participaram ativamente dos painéis – enquanto eram esperadas somente três mil. Nas palavras de Blanca Chancoso, liderança indígena equatoriana que coordenou a assembléia, a Cúpula Social pela Integração dos Povos pode ser chamada de “Cúpula do mundo, e não só da chamada América do Sul”, já que a participação de delegados de outros continentes também foi alta.

As propostas que serão repassadas aos mandatários da América do Sul traçam um projeto popular para o continente, levando em conta 14 temas integrados. Militarização, água, comércio, agricultura/terra/território, energia, revalorização da folha de coca, justiça e impunidade, imigração, infra-estrutura, comunicação, financiamento, meio ambiente, direitos sociais, e povos indígenas.

Abaixo, apenas algumas propostas, entre muitas mais, divididas por alguns dos temas.

DIREITOS SOCIAIS – construção de uma Carta Social Sul-Americana, que garanta o acesso universal à Reforma Agrária, à alfabetização, à água – unificação de campanhas contra a fome, já que a miséria do continente não é produto da escassez, mas da má distribuição.

ENERGIA – fortalecer as empresas estatais de energia; nacionalizar as reservas energéticas dos países da América do Sul; aplicar o dinheiro excedente proveniente do comércio de recursos fósseis não-renováveis em novas matrizes de energia renovável; acesso pleno a todos ao abastecimento energético; não aceitar financiamentos do Banco Mundial, por exemplo, para não continuarmos hipotecando nossas riquezas; a energia deve ser encarada como parte de um direito humano ampliado.

ÁGUA – água como um direito humano e um bem cultural dos povos; excluir a água de qualquer acordo comercial; estabelecer um diálogo regional entre governos e movimentos sociais para a criação de uma Convenção Sul-Americana de Água; mapear todas as reservas hídricas do continente para providenciar a sua proteção; que sejam proibidas as mineradoras e petrolíferas em zonas de recarga de água.

IMIGRAÇÃO – não tratar o imigrante como ilegal; estabelecer uma cédula única de identidade para os países da América do Sul; eliminação das proibições de residências entre os países; que sejam instituídos programas de alfabetização e capacitação aos imigrantes; que os impostos taxados sobre as remessas de dinheiro para familiares sejam eliminados.

AGRICULTURA/TERRA/TERRITÓRIO – considerar as sementes como bens públicos da humanidade; reconhecer o papel histórico das mulheres no processo de melhoramento das sementes ao longo da história.

FINANCIAMENTO – realização de uma auditoria sul-americana da dívida; criação de um Banco Solidário do Sul; criação de um fundo de reserva; criação de uma moeda única regional.

MILITARIZAÇAO – retirar as tropas da MINUSTAH que estão no Haiti; que os governos sul-americanos não enviem soldados para treinamento na Escola das Américas; que o governo do Equador não renove o convênio com os Estados Unidos sobre a base de Manta.

INFRAESTRUTURA – que a integração física do continente proposta pela Comunidade Sul-Americana de Nações não seja implementada no intuito de criar corredores de exportação, que virão a se tornar corredores de miséria se o objetivo principal não for a integração dos povos; repensar os modelos de transporte, dando preferência à construção de ferrovias para o transporte de pessoas, no lugar de estradas; reconstruir a rede ferroviária e reaparelhar as empresas estatais; garantir à Bolívia uma saída para o mar como um direito; criação de uma marinha mercante sul-americana estatal; criação de um Banco Sul-Americano de fomento, que rompa os paradigmas clássicos destes tipos de instituição.

REVALORIZAÇÃO DA FOLHA DE COCA – contra a criminalização internacional da folha de coca: os documentos científicos que comprovam suas características positivas são solenemente ignorados; que a ONU (Organização das Nações Unidas) apresentem a totalidade dos estudos sobre a folha de coca; que a folha de coca seja suprimida da lista de entorpecentes, já que ela representa vida e forma parte da cultura dos povos indígenas; que a sagrada folha de coca seja considerada patrimônio cultural dos povos originários já que é alimento, vida e soberania.