Após reunião tensa sobre preço do gás, países reafirmam aliança política

Verena Glass
Agência Carta Maior

A visita do presidente boliviano Evo Morales ao Brasil nesta quarta, 14, começou com algumas desarmonias e muita boataria, além de atrasos da comitiva boliviana causados por um temporal. Depois de uma longa jornada de negociações que seguiu noite adentro, porém, a quinta-feira nasceu ensolarada em Brasília e no horizonte das relações políticas dos dois países.

Como anunciado, o preço do gás natural boliviano vendido ao Brasil acabou pautando uma negociação tensa entre técnicos e ministros de ambos os países. A demanda boliviana se centrou principalmente no valor pago pela empresa privada TermoCuiabá, responsável por abastecer a capital mato-grossense, e que está bem abaixo do preço praticado pelo mercado – US$ 1,09 por milhão de BTU (unidade térmica britânica), sendo que a Petrobrás paga US$ 4,3 por milhão de BTU, e a Argentina pratica o preço de US$ 5 (a princípio, meta do governo boliviano no Brasil). Atualmente, a Bolívia tem dois contratos no Brasil, um com a TermoCuiabá e o outro com a Petrobrás, que abastece São Paulo com cerca de 27 milhões de metros cúbicos diários.

No início da noite desta quarta, a Agência Boliviana de Informações (órgão oficial do governo) finalmente divulgou, em tom comemorativo, o fechamento de um acordo que “representará um milionário ingresso adicional para o país” – cerca de US$ 68 milhões por ano, segundo o ministro de Hidrocarbonetos da Bolívia, Carlos Villegas. A princípio, a partir de abril deste ano, a TermoCuiabá passará a pagar US$ 4,2 por milhão de BTU (um reajuste de 285%), o que significará, segundo Villegas, um ingresso anual de recursos equivalente ao total recebido durante os seis anos de vigência do acordo anterior. Já o atual preço contratado pela Petrobrás em São Paulo não muda. Caso o produto apresente um diferencial qualitativo em seu poder calorífico, porém, a estatal brasileira poderá pagar um adicional.

Os acertos finais da visita de Morales e equipe ao Brasil, no entanto, ocorreram apenas na manhã desta quinta (15). Em pronunciamento à imprensa, o presidente Lula afirmou que o acordo fará “justiça ao valor do gás boliviano e atenderá o pleito do presidente Morales. Paralelamente, acordamos que o governo boliviano tomará as providências necessárias para que os novos contratos de operação entrem em vigor nos próximos dias”.

Entreveros
A premência do assunto Gás para a Bolívia e a insistência da priorização do tema na pauta do encontro entre os dois presidentes – Evo teria inclusive condicionado sua visita ao Brasil a esse debate – criaram, no início da semana, um certo mal-estar no governo e na diplomacia brasileira. Problemas com chuva e complicações no vôo, que causaram atrasos na agenda dos bolivianos e levaram o presidente Morales a não cumprir uma visita ao Congresso, também indispuseram vários parlamentares contra o mandatário boliviano, clima que tanto o chanceler brasileiro, Celso Amorim, quanto Marco Aurélio Garcia, assessor especial da Presidência, tentaram contornar durante a tarde de quarta.

Nesta quinta, porém, foi Lula que colocou uma pedra no assunto e deu um recado claro aos críticos da relação construída pelo governo brasileiro com o vizinho andino.

“Reconheço de público a justeza de todos os pleitos bolivianos para melhorar a condição de vida do seu povo. Nem sempre poderei atender todas às demandas, mas saiba, companheiro Evo, que toda vez que me encontro contigo, eu não esqueço que somos chefes de Estado de países soberanos, que precisamos agir como chefes de Estado, cada um em defesa do seu país. Mas antes de ser presidente da República, você na Bolívia e eu aqui no Brasil, nós éramos companheiros do movimento sindical e não podemos permitir que essa nossa primeira relação seja diminuída porque hoje somos presidentes, porque nós estamos presidentes. O que nós somos mesmo é trabalhadores, e quando terminar o nosso mandato poderemos nos encontrar, em qualquer parte do mundo, e dizer que governamos pensando nos mais pobres, em fazer justiça social, e poderemos nos encontrar de cabeça tranqüila, muitas vezes sabendo que não fizemos tudo que queríamos fazer, mas que fizemos tudo que foi possível fazer”.

Cooperação
Além de acertar o aumento no preço do gás, o governo brasileiro também reafirmou a intenção política de construir com a Bolívia uma relação de cooperação e apoio. Neste sentido, o Brasil está enviando ao país vizinho mais de 1 milhão de vacinas contra a febre aftosa, e oferecerá apoio na forma de capacitação de técnicos para desenvolvimento de políticas públicas voltadas à agricultura familiar e à reforma agrária, criação de uma empresa de pesquisa agropecuária na Bolívia nos moldes da Embrapa, fortalecimento de políticas públicas aplicadas a emprego e economia solidária, apoio ao programa de desenvolvimento social e combate à fome – a Bolívia já tem o programa Desnutrição Zero -, entre outros.

Por outro lado, “o Brasil apoiará o esforço da Bolívia para se industrializar e deixar de ficar dependente apenas de suas riquezas naturais”, afirmou Lula em seu pronunciamento à imprensa, listando outras iniciativas, como o interesse da Petrobrás em construir uma usina de biodiesel na Bolívia, a participação nos projetos de infra-estrutura viária, e medidas econômicas, como a eliminação dos entraves “para que o Brasil possa absorver as exportações bolivianas ameaçadas pelo corte das preferências comerciais hoje oferecidas pelos países desenvolvidos”.

Outros pontos acordados são o intercâmbio de técnicas de defesa militar; cooperação para troca de experiências nos campos da educação básica, infantil, profissional, tecnológica, superior, rural, indígena e ambiental; assistência a estudantes dos dois países; criação de um sistema de alerta e monitoramento de incêndios florestais; apoio à administração e inspeção de condições de trabalho; e aprofundamento de ações de fronteira.